Capítulo 61: Luz, Câmera... verdade

Começamos a gravar numa manhã nublada.

Sem plateia, sem roteiro fixo.

Apenas nós três, uma câmera, e a coragem de abrir cicatrizes diante do mundo.

Lara falava com delicadeza. Vivian com intensidade. E eu… com cautela.

— Este documentário — dizia Vivian na abertura — não é sobre beleza. É sobre o que ela esconde. E o que nos obriga a esconder.

— Sobre como crescemos tentando ser desejadas, aceitas… admiradas — completou Lara — mas esquecemos de nos permitir apenas existir.

Enquanto isso, Jonas, ainda em recuperação da cirurgia, passava os dias lendo cartas antigas. Estava mais calmo, mas com uma expressão que não me enganava.

— Estás preocupado? — perguntei, certa tarde.

— Estou atento. Porque quando tudo parece calmo… é quando o golpe vem.

Ele estava certo.

Vera me ligou em tom grave:

— Isabel, escuta. Descobrimos que alguém da equipe da antiga Aliança reapareceu na Bélgica com identidade falsa. Um nome novo, mas o rosto é conhecido. E sabe quem ele procurou?

— Quem?

— Lara. Se apresentou como Daniel Kim, um produtor literário interessado em investir no livro dela.

Senti o peito apertar.

Daniel Kim.

O nome acendeu algo na memória.

E, de repente, lembrei.

Anos atrás, quando Lara ainda era adolescente e participava de oficinas de escrita em Lisboa, havia um rapaz mais velho, carismático, que se aproximou com elogios e promessas. Ele se chamava Daniel — só Daniel.

Foi ele quem, na época, tentou manipular Lara emocionalmente. Enviava mensagens ambíguas, desestabilizava a confiança dela com elogios ácidos. Quando ela cortou contato, ele desapareceu.

Agora ele voltava.

Com novo nome.

Nova face.

E o mesmo olhar predador.

Corri para casa.

— Lara, preciso te falar de alguém. Daniel Kim.

Ela congelou.

— Já sei. Ele me encontrou. Disse que está arrependido, que não era ele naquela época… que está “curado”.

— E acreditaste?

— Claro que não. Mas parte de mim quis acreditar. Parte de mim ainda quer ser vista por ele… mas não por amor. Por revanche.

— Filha, ele representa tudo que tu superaste.

Ela desviou o olhar.

— Mas e se eu ainda não superei?

Vivian foi direta.

— Se esse homem te fez duvidar de quem eras, tu deves cortar qualquer laço. Porque agora tu tens algo a perder. E ele sabe disso.

— E se ele ameaçar expor coisas do passado?

— Então que venha. Porque agora temos voz. E câmera.

Decidimos incluir o reencontro com Daniel no documentário. Com tudo gravado, de forma legal e protegida.

Lara marcou com ele num café de Bruxelas. Levei comigo uma pequena equipe e Vera garantiu segurança à distância.

Ele chegou pontual. Com roupas caras e sorriso controlado.

— Lara… como cresceste — disse ele, estendendo a mão.

Ela não a apertou.

— Estou aqui para entender por quê.

— Por quê?

— Por que voltaste.

Ele riu.

— Porque tu agora tens algo que me interessa. Atenção. Imagem. Poder. E porque acredito que tu sejas mais do que a filha de Isabel. Sempre acreditei.

— Não te lembro assim.

— Todos mudamos.

— Nem todos. Alguns só aprendem a fingir melhor.

A câmera gravava tudo.

— Tu tentaste me destruir uma vez — disse ela. — Mas agora… não podes mais. Porque eu sou a autora. Não a personagem.

Daniel não respondeu. Apenas sorriu, se levantou… e sumiu.

O vídeo se tornou parte central do documentário.

Intitulado: "A Beleza da Farsa."

Lara recebeu uma onda de apoio nas redes sociais. Mulheres que passaram por manipulações semelhantes aplaudiram a coragem. Outras criticaram. Disseram que ela “se expunha demais”.

Vivian respondeu com firmeza:

— Se dizer a verdade é exposição… que todas sejamos luz.

Naquela noite, na varanda, Lara sentou ao meu lado.

— Mãe… ainda tenho medo dele.

— Ter medo não é fraqueza. É memória do que te feriu. Mas o que fizeste hoje? Isso foi força.

Ela sorriu.

— Senti que algo em mim se fechou. E algo mais se abriu.

— O quê?

— Talvez… uma mulher nova.

Vivian se aproximou.

— Podemos mostrar esse documentário nas escolas?

— Vamos mostrar onde ele puder ecoar.

— E se tentarem calar?

— Então gritemos juntas.

Na última cena do dia, Jonas, com passos lentos, veio até nós.

Abraçou Lara.

Abraçou Vivian.

— Tenho duas filhas de guerra. E uma mulher de aço. Estou seguro.

Rimos.

Todos.

E eu soube que, mesmo com ameaças do passado…

Mesmo com marcas…

Agora éramos visíveis.

Fortes.

E, finalmente…

Livres.