Ser mãe de três mulheres fortes é como ser guardiã de um vulcão em erupção constante.
A beleza, o poder, o calor… e o perigo.
Eu observava tudo acontecer.
De longe.
Com o peito em guerra.
Lara aparecia nos jornais americanos.
Acusada injustamente de plágio.
Os comentários variavam entre insultos, racismo, e acusações veladas de que ela era “só mais uma filha de alguém famoso tentando ter voz”.
Assisti à entrevista dela sentada na sala da Fundação, com o coração batendo no pescoço.
“Escrevo porque senão, morro.
E se alguém se vê no que escrevi, talvez devêssemos conversar em vez de acusar.”
Minha filha.
Minha guerreira de palavras.
Mas não pude abraçá-la depois da entrevista.
Não pude protegê-la do ódio virtual.
Tudo o que fiz foi enviar-lhe um áudio com a única coisa que eu sabia dizer quando o mundo se tornava insuportável:
— Continua.
E se tiveres que cair, que seja caindo em ti mesma.
Ela respondeu com um simples:
“Ainda sou tua filha. Mesmo quando escrevo como mulher.”
Vivian entrou na minha sala com uma expressão que eu já conhecia: provocação com lágrima guardada.
— Recusei o contrato — disse, largando o envelope na mesa.
— O da empresa de beleza?
— Sim. Me ofereceram dinheiro, viagens, campanhas.
Mas queriam o rosto que eu enterrei.
— Fizeste bem.
— Fiz.
Mas estou com medo.
Porque talvez esse tenha sido meu último convite.
Levantei-me e abracei-a.
— Então que seja.
E se for o último…
que seja o único que valeu.
Ela afundou o rosto no meu ombro.
E disse algo que me desmontou:
— Às vezes ainda penso que devia ter ficado calada.
Porque falar também cansa.
— Mas te salva.
— Salva… pra depois ferir de novo.
Abracei-a mais forte.
Porque não há resposta exata para mulheres que gritam com o corpo todo.
Lou, por sua vez, andava estranha.
Silêncios longos, mensagens curtas, olhos baixos.
Descobri por Júlia o motivo.
— Safia apareceu.
— A do abrigo?
— Sim. Procurou Lou. Disse coisas estranhas. Que sabia de verdades. Que podia expô-la.
— Expô-la como?
— Como fraude.
Como “filha adotada da resistência”, como alguém que só ganhou voz porque foi encontrada por ti.
Senti a raiva que só uma mãe conhece.
Aquela que vira espada e escudo ao mesmo tempo.
Quis correr até Lou.
Quis brigar, gritar, fazer parar.
Mas não fui.
Porque percebi:
ela precisava escolher se enfrentaria… ou fugiria.
E ela escolheu.
Naquela tarde, Lou me chamou na biblioteca.
— Mãe… ela vai tentar me destruir.
— E tu vais deixar?
Ela me olhou.
Olhos escuros.
Firmes.
— Não.
Mas vou deixar que ela fale.
— Como assim?
— Vou convidá-la para me ver palestrar.
Vou contar minha história com ela na plateia.
E depois… deixo que ela diga a dela.
Porque eu sei que a minha é mais forte.
Fiquei em silêncio.
Ela sorriu.
— Aprendi isso contigo.
E com Lara.
E com Vivian.
— Aprendeste com Teresa.
— Talvez.
Mas és tu quem me deu coragem de continuar a frase.
No fim da semana, recebi um e-mail da embaixada francesa.
Um documento antigo, desclassificado, com um nome riscado: Teresa Guarda.
E uma nota manuscrita:
“Esta mulher salvou vidas.
Uma das quais… mudou a minha.”
Não havia assinatura.
Nem data.
Mas o papel me fez chorar.
Porque entendi ali que minha mãe, mesmo sendo apagada por tantos…
ainda resistia nos cantos onde ninguém esperava.
Na última noite, sentei na varanda com Jonas.
As luzes da fundação acesas lá embaixo.
O mundo girando devagar.
— Já pensaste que podemos perder tudo isso?
— Já. Todos os dias.
— E mesmo assim continuamos?
— Sim. Porque cada uma das nossas filhas é um pedaço da tua mãe… que venceu.
Ele me segurou a mão.
— E tu?
— Eu sou o que sobrou.
Mas sou também o que floresceu.
Ele sorriu.
— Então que venha a próxima guerra.
Agora temos um exército.
E eu sorri com ele.
Porque era verdade.
Éramos quatro.
Mas dentro de cada uma…
habitavam milhares de vozes que nunca mais seriam caladas.