Na noite da palestra de Lou, senti o mesmo frio no estômago que senti no parto de Lara.
Aquela mistura de medo e esperança.
Como se o mundo estivesse para mudar… e só restasse confiar.
A sala estava lotada.
Mulheres, estudantes, ativistas, jornalistas.
Mas o que prendia minha atenção era a presença de Safia, sentada na última fileira, com um olhar que misturava desprezo e inveja.
Ela usava o mesmo perfume que usava no abrigo.
O cheiro do passado.
Lou subiu ao palco com calma.
Vestia um conjunto simples, elegante.
Nada caro.
Mas seu rosto… era o de alguém que sobreviveu ao abandono e à humilhação, como Marimar diante do povo que a rejeitou.
Ela começou:
— Quando eu era criança, minha casa era feita de silêncios.
Silêncio sobre meu nome.
Sobre minha origem.
E sobre o que me foi tirado.
A plateia ouviu, quieta.
— Durante anos, deixei que outras pessoas decidissem quem eu era.
Disseram que eu era uma órfã.
Uma inválida.
Uma sombra.
— Mas então… fui encontrada.
Por uma mulher que não me deu luxo.
Me deu espelho.
Me deu o direito de ser alguém que não precisava pedir desculpas por existir.
Safia levantou-se, interrompendo.
— Lou, não contes só a parte bonita!
Conta que tu tinhas medo!
Que choravas escondida!
Que foste covarde!
A sala gelou.
Lou se virou com serenidade.
— Sim, Safia. Eu chorei.
Tive medo.
Fui covarde.
Mas hoje estou aqui, de pé.
E tu? Ainda estás onde me deixaste.
Safia riu com deboche.
— Estás fingindo ser o que nunca foste! Só foste uma filha inventada pra dar à Fundação um rosto trágico!
Lou se aproximou da beira do palco.
— Não sou filha inventada.
Sou filha escolhida.
Por Teresa.
E por mim mesma.
— Foste adotada pela fama!
— Fui acolhida pela verdade.
A sala aplaudiu.
Safia, então, saiu apressada.
E Lou… permaneceu.
Mais forte.
Mais digna.
Mais livre.
Após o evento, abracei Lou nos bastidores.
— Estás bem?
— Sim.
Foi como me ver sair da lama…
Mas sem precisar me sujar de novo.
— Foste Marimar — sorri. — Mas com final escrito por ti.
Ela riu.
— E agora… quero escrever mais. Quero dar voz a meninas como eu.
— Vamos construir esse caminho juntas.
Mas nem tudo era aplauso.
Na manhã seguinte, recebi um relatório de segurança da Vera:
— Há indícios de que alguém dentro da Fundação está vazando documentos internos.
— O quê?
— Relatórios, identidades protegidas, movimentações financeiras.
Alguém próximo.
— Tens suspeitos?
Ela hesitou.
— Um nome surgiu duas vezes: Gustave, o novo assessor de imprensa.
Tem contatos antigos com grupos contrários à atuação da Teresa no passado.
— Achas que é ele?
— Não tenho provas. Ainda.
Suspirei.
— Então conseguimos tudo isso… e temos um inimigo dentro.
— Assim como Teresa teve.
Fechei os olhos.
O inimigo mais perigoso é aquele que aprende o caminho da tua sala de estar.
Na varanda naquela noite, sentei com Jonas.
— Estou cansada.
— Cansada de quê?
— De olhar para cada rosto novo com desconfiança.
— Mas ainda assim tu continuas.
— Porque aprendi com Marimar.
— O quê?
— Que mesmo quando te jogam na lama… tu te levantas.
Mas voltas elegante.
Não pra humilhar.
Mas pra mostrar que ninguém tira o que é teu por verdade.
Ele sorriu.
— Então vamos em frente.
E eu disse:
— Sim. Mas agora… com os olhos abertos.
E o coração protegido.