Aquela manhã chegou com mais perguntas do que respostas.
Vera entrou na minha sala com uma pasta preta e o rosto carregado.
— O nome dele apareceu em outro acesso não autorizado.
— Gustave?
— Sim. E desta vez foi direto nos arquivos financeiros da Fundação. Tentou mascarar o IP, mas falhou.
Fechei os olhos.
— Então o traidor está dentro. E perto demais.
— O que vais fazer?
— Nada. Ainda.
Porque os que traem por dentro precisam acreditar que não foram vistos…
até ser tarde demais.
Lou apareceu em seguida, mais pálida que de costume.
— Mãe… a ONU enviou um convite oficial.
— O quê?
— Querem que eu fale em Genebra, na Assembleia para Proteção de Refugiadas.
— Isso é enorme, Lou!
— Eu sei.
Mas… e se eu não aguentar?
— Tu aguentaste Safia. Aguentarás qualquer sala.
Ela sorriu fraco.
— Mas a ONU não é o abrigo.
É o mundo inteiro olhando.
— Então olha de volta.
E mostra que ninguém mais vai te apagar.
Vivian passou o dia em silêncio.
Parecia inquieta, andando pela casa como quem procura uma versão antiga de si mesma.
No fim da tarde, sentou-se ao meu lado.
— Recebi uma visita hoje.
De Aurora.
Meu corpo congelou.
— A mulher que te criou?
— Sim. Ela está mais velha. Fraca.
Disse que veio pedir desculpas… e devolver algo.
— O quê?
Vivian tirou uma pequena caixa do bolso. Dentro, uma pulseira de miçangas desbotadas.
— Eu usava isso antes de ela me transformar.
Antes de me maquiar com medo.
Ela continuou:
— Perguntei a ela por que me manteve mentida por tanto tempo.
E ela respondeu: porque era mais fácil lidar contigo como projeto do que como pessoa.
Segurei a mão da minha filha.
— E tu?
— Eu a perdoei. Mas não para aliviá-la.
Perdoei pra me libertar.
Chorei em silêncio.
Porque ali estava Vivian.
Inteira.
Mesmo com rachaduras.
Mais tarde, Jonas e eu analisávamos os registros de Gustave.
Ele havia compartilhado documentos com uma conta externa chamada “Pilar74”.
Vera pesquisou.
— Pilar é um antigo codinome usado por ativistas infiltrados na antiga Aliança.
— Estás a dizer que a Fundação está sendo usada… como isca política?
— Sim.
E o alvo não és tu.
São as meninas.
Meu sangue gelou.
O que começou como legado…
agora era campo de guerra.
Naquela noite, escrevi em meu caderno:
“Filhas que sobrevivem são como sementes num campo minado.
Elas não escolhem onde cair…
Mas florescem mesmo assim.
Agora é minha vez de cavar a terra e tirar as bombas.
Porque não vou permitir que enterrem o que Teresa nos deixou.
E nem quem nos tornamos.”