A manhã começou com flores na mesa.
Mas os rostos estavam frios.
Vivian tomava café em silêncio.
Lara, em chamada de vídeo, respondia com monosílabos.
Lou mexia no colar da flor-de-lis como quem segura uma âncora.
A tensão era palpável.
— Recebeste meu texto, mãe? — perguntou Lara, quebrando o silêncio.
— Recebi, filha. Está forte. Doloroso. Verdadeiro.
Vivian revirou os olhos discretamente.
Lou notou.
— Queres dizer algo, Vivian?
— Não.
Apenas que agora, tudo o que Lara escreve vira “revolução”.
Lara rebateu:
— E tudo o que tu fazes vira trauma embalado em estética.
O silêncio cortou mais fundo que qualquer palavra.
— Chega — tentei dizer.
Mas já era tarde.
Horas depois, Vivian me procurou na biblioteca.
— Sinto que nunca sou a escolhida.
Que nunca sou a filha que tu defendes primeiro.
— Vivian…
— A Lara tu defendes em público.
A Lou tu colocaste na ONU.
E eu? Fui a que perdoou, que resistiu, que se despiu.
Mas sou sempre… a do meio.
A “reconstruída”.
A que não é natural.
— Isso não é verdade.
— É.
E não preciso que negues. Só que entendas.
Chorei.
Porque eu também me sentia partida.
Como se ser mãe de três mulheres fortes significasse decepcionar sempre pelo menos uma.
Mais tarde, Lou entrou no meu escritório.
— Talvez eu não devesse ir à ONU.
— Por quê?
— Porque sinto que o que eu recebi… foi demais.
E não sei se ganhei ou roubei.
— Não digas isso.
— Lara me vê como símbolo.
Vivian como intrusa.
E tu… como legado.
— Eu te vejo como filha.
Mesmo quando te calas.
— E se não quiserem mais andar ao meu lado?
— Então andamos lado a lado até que elas voltem.
Porque ser mãe… também é suportar o silêncio das filhas.
Enquanto isso, Vera chegou com os dados finais da investigação.
— Gustave vai entregar documentos amanhã a uma jornalista ligada a um grupo político rival.
— O que exatamente ele vai entregar?
— Um dossiê forjado sobre financiamento ilegal da Fundação com “ajuda internacional manipulada”. A tentativa é te pintar como candidata corrupta.
— Como em A Escolhida — sussurrei.
— A mulher que é amada, mas traída.
Admirada, mas usada.
— Vais expô-lo?
— Não.
Vou encontrá-lo primeiro.
Naquela noite, reuni as três.
— Há algo que preciso dizer.
Lou estava encolhida.
Vivian cruzava os braços.
Lara aparecia pela tela, tensa.
— Todas vocês são filhas de Teresa.
Mas são minhas por escolha.
E se alguma de vocês pensa que amei mais uma do que a outra…
então falhei em mostrar o amor que vos dei.
Vivian levantou-se.
— Não é sobre quem amas mais.
É sobre quem foste mais rápido a defender.
— Eu defendi quem achei que estava mais frágil.
Mas agora vejo… que todas estavam quebradas.
E eu… estava cega.
Lou chorava em silêncio.
Lara desligou a câmera.
E eu fiquei ali.
No meio.
Como sempre.
Horas depois, Lou me procurou novamente.
— Queria te odiar um pouco hoje.
— Podes. É teu direito.
— Mas quando pensei nisso… lembrei do que a Teresa escreveu:
“Ser mãe não é ser justa.
É ser presença, mesmo quando falta força.”
— E o que queres de mim agora?
— Que não escolhas.
Que continues a tentar ser mãe… de todas.
Abracei-a.
E naquele abraço, senti a presença de Teresa.
Não como espírito.
Mas como lição.
Na manhã seguinte, fui até Gustave.
Ele me esperava como se soubesse.
— Então vieste me demitir?
— Não.
Vim te lembrar que cada mentira tem um fim.
E o teu está aqui.
Ele riu.
— Achas que vão acreditar em ti e nas tuas filhas perfeitas?
— Elas não são perfeitas.
São sobreviventes.
— E sobreviventes cansam o público.
— Mas também o transformam.
Entreguei-lhe a carta de demissão pronta.
— Vai. Antes que o mundo te veja sem máscara.
Ele saiu.
Sem olhar pra trás.
E eu soube:
a guerra política havia começado.
Mas as minhas filhas…
eram as únicas pelas quais valia a pena lutar.