Nunca pensei que ouvir o nome da minha filha ecoando nas Nações Unidas me fizesse sentir tão pequena.
— Lou Guarda, representante da Fundação Teresa, terá a palavra.
As câmeras giraram. Os olhos do mundo pousaram sobre ela.
Mas Lou… hesitou.
Ela subiu ao púlpito com os passos de quem carrega mais do que o próprio corpo.
Levantou os olhos, respirou fundo, e… rasgou o discurso.
Literalmente.
A sala prendeu o ar.
E então ela falou:
— Eu trouxe um texto sobre estatísticas, dados e políticas públicas.
Mas se eu falar disso… estarei fingindo que não tremi ao dormir num abrigo.
Que não rezei por uma mãe que nunca chegou.
E que hoje não tenho medo de estar aqui.
Silêncio.
— Então vou falar como filha.
Como alguém que nasceu com um número no peito e um vazio no nome.
E que hoje representa milhares que ainda se sentem invisíveis.
— Esta Fundação não é um projeto de marketing.
É um abrigo.
De vozes.
De raízes.
De histórias que ninguém quis escutar.
Aplausos tímidos começaram.
Depois, intensos.
E ali, Lou não era só a filha da Teresa.
Era a nova voz do nosso futuro.
No mesmo dia, Lara lançou seu livro digitalmente.
“A Filha que Nunca Pedi Para Ser.”
Enviei-lhe uma mensagem:
— Estou orgulhosa. Mesmo sem saber o que o mundo vai fazer com o que escreveste.
Ela respondeu:
— Se destruírem o livro, ao menos terão lido.
E se me cancelarem, ao menos fui eu.
Horas depois, o livro estava entre os mais vendidos da categoria.
Mas os comentários eram ferozes.
“Autobiografia disfarçada de literatura.”
“Drama reciclado em nome de uma fundação.”
Mesmo assim, uma crítica chamou minha atenção:
“A autora sangra em palavras, e não pede perdão por isso. Um soco literário de uma mulher que cresceu sob a sombra da memória.”
Sorri.
Porque essa mulher era minha filha.
Mesmo que agora… ela fosse do mundo.
Já Vivian…
estava estranha.
— Recebi um convite — disse ela. — Para apresentar um documentário global sobre mulheres pós-guerra.
— Isso é maravilhoso.
— Eles querem que eu represente a "nova feminilidade".
Livre. Moderna. Neutra.
Sem Fundação.
Sem vínculo político.
Sem ti.
Meu corpo gelou.
— É uma tentativa de te separar de nós?
— É uma proposta de liberdade. Mas que vem com o preço de me reescrever.
De apagar parte de quem me tornei aqui.
— E tu…?
Ela me olhou com os olhos marejados.
— Eu não sei, mãe.
Porque parte de mim quer ser livre.
E parte… não quer te trair.
— Liberdade que exige traição não é liberdade.
É disfarce.
Ela suspirou.
— Mas às vezes… eu me pergunto quem eu seria se nunca tivesse sido tua filha.
Fiquei em silêncio.
Porque a pergunta era legítima.
E doía.
Naquela noite, sentei-me no escritório com o diário de Teresa.
Folheei uma página aleatória.
“Se alguma delas achar que foste mais justa com a outra…
é porque todas cresceram.
Porque a criança quer exclusividade.
Mas a mulher quer espaço.”
Fechei o diário com um nó na garganta.
E escrevi no meu caderno:
“Tenho três filhas.
Nenhuma é favorita.
Mas todas são minhas escolhas.
Mesmo quando me questionam.
Mesmo quando querem partir.
Mesmo quando já partiram.”
No dia seguinte, Lou voltou de Genebra com os olhos brilhando.
— Pela primeira vez… senti que valia estar viva.
— Porque foste a escolhida?
Ela me olhou firme.
— Não.
Porque eu me escolhi.
Vivian chegou logo depois.
— Recusei o contrato.
— Estás certa disso?
— Estou.
Porque a minha história não cabe num roteiro neutro.
E se alguém quiser me ouvir… que me ouça com toda a bagunça.
Lara enviou uma mensagem curta, mas poderosa:
— Lançaram uma segunda edição.
Parece que a filha que não quis ser… finalmente foi lida.
Sorri.
E pensei em Teresa.
Ela plantou semente.
Eu reguei.
Elas floresceram.
Mesmo que o jardim tenha espinhos…
agora ele é nosso.