A notificação chegou dobrada, fria, impessoal.
“Processo nº 2025/274-F:
Fundação Teresa Guarda está sob investigação por violação dos estatutos de neutralidade humanitária. Acusação: uso indevido de verba pública para fins ideológicos.”
Li três vezes antes de reagir.
Neutralidade.
A mesma palavra que sempre usaram para calar quem grita por justiça.
Vivian estava ao meu lado quando abri a carta.
Não disse nada.
Apenas me entregou um copo de água e segurou minha mão.
— Vão tentar matar Teresa de novo — sussurrei.
— E se tentarem… nós ressuscitamos.
Naquela mesma manhã, recebi uma visita inesperada.
Beatriz Contreras, nome que eu não ouvia desde os arquivos secretos de Teresa.
Uma mulher de voz rouca, cabelos brancos e passado de revolução.
— Vi tua mãe atravessar fronteiras com documentos costurados nas saias — disse ela.
— E agora vejo as filhas dela tentando costurar um futuro num país que ainda prefere silêncio.
Ela me entregou uma caixa de madeira.
— Estes papéis foram guardados por décadas.
Tua mãe os escondeu para proteger nomes… e vidas.
— E por que agora?
— Porque querem transformar a Teresa numa bandeira que pode ser queimada.
Mas ela era mais que isso.
Era memória viva.
E tu és a última guardiã.
Abri a caixa.
Cartas assinadas por líderes da resistência, fotografias, mapas de rotas usadas por mulheres em fuga.
E uma carta endereçada a mim.
“Isabel,
Se leres isso, é porque tentam me apagar.
Usa essas provas como quiseres.
Mas lembra:
às vezes, proteger o nome de uma mãe… custa o nome de uma filha.”
Fiquei sem ar.
Porque entendi o que Teresa estava me dizendo.
Talvez, para proteger Lou, Vivian e Lara…
eu teria que destruir a Fundação que carrega o nome da minha mãe.
Convoquei Vera e Jonas.
— Temos provas suficientes para defender Teresa.
Mas se levarmos isso a público… podem nos acusar de exposição política proposital.
— E se escondermos? — perguntou Vera.
— O processo vai avançar.
E vai recair sobre as meninas.
Vão dizer que usaram o sofrimento como fachada.
Jonas me olhou.
— Vais ter que escolher:
Salvar o nome Teresa…
Ou salvar a vida que vocês construíram em torno dele.
À noite, Lou me perguntou:
— Mãe… se tiveres que acabar com a Fundação, vais fazer?
Olhei para ela.
— Farei qualquer coisa para que tu continues viva.
Não famosa.
Não símbolo.
Viva.
— Mas e a Teresa?
— Teresa vive em ti.
Não precisa de uma placa.
Precisa de memória.
Lou chorou.
E eu também.
Porque sacrificar um nome…
é como enterrar uma alma pela segunda vez.
Vivian, ao saber, apenas disse:
— Se fores queimada por isso, eu vou queimar contigo.
— Não, filha.
— Então deixa que eu fale.
— Não.
Desta vez, é a minha voz que deve gritar.
Lara, por chamada, ouviu tudo em silêncio.
— Sabes, mãe…
A tua história sempre foi sobre resistir.
Mas talvez agora seja hora de ceder.
Não por fraqueza.
Mas por sabedoria.
— Achas que devo encerrar a Fundação?
— Acho que tu deves proteger quem ainda vive.
Porque Teresa… já nos deu tudo.
No dia seguinte, convoquei uma coletiva de imprensa.
Subi ao pódio com as mãos tremendo.
— Durante anos, a Fundação Teresa lutou por mulheres invisíveis.
Agora, tentam nos tornar culpadas por existir.
— Não vamos negar que tivemos voz.
Mas nunca foi por vaidade.
Foi por sobrevivência.
Respirei fundo.
— Anuncio hoje que a Fundação Teresa, como instituição, encerrará suas atividades formais.
Mas o legado dela… continuará em cada uma de nós.
Choque.
Silêncio.
— As sementes de Teresa não precisam de sede física.
Elas germinaram em corpos.
Em filhas.
Em palavras.
Voltei para casa e sentei no escuro.
Júlia apareceu com um envelope.
— Chegou pra ti. Anônimo.
Abri.
Dentro, uma única frase:
“Mataram a bandeira.
Mas não impediram o vento.”
Sorri com dor.
Porque sabíamos que o nome caiu.
Mas o grito?
O grito continua.