Episódio 1 : da segunda Temporada

Temporada 2 – Episódio 1: Onde Nasce a Terra e Renasce a Dor

Narrado por Isabel

Nunca pensei em voltar a Angola.

Muito menos com as minhas filhas.

E menos ainda… com todas elas ao mesmo tempo.

Mas aqui estamos.

Em Luanda.

Em terra onde Teresa sangrou e amou em segredo.

Terra onde eu fui criança.

E agora volto… como mãe de mulheres que carregam pedaços de uma história que elas não viveram, mas herdaram.

A casa que alugamos fica no Miramar.

Ampla, simples, com cheiro de sal e paredes altas.

Cada uma das meninas tem o seu quarto.

Mas a sala é o centro de tudo.

É onde as conversas ardem.

Onde os olhos desviam.

Onde as verdades tentam nascer.

Na primeira noite, jantamos peixe grelhado e funge.

Vivian criticou a pimenta.

Lara quis registrar tudo num caderno.

Lou observava em silêncio.

Clara falava com sotaque europeu.

Beatriz parecia uma parede de pedra — firme, mas com rachaduras se formando por dentro.

E eu…

Só olhava.

Cinco filhas.

Cinco passados.

E um país que vai obrigar cada uma a confrontar quem é.

No segundo dia, fomos visitar a ONG de mulheres que acolhe meninas grávidas vítimas de violência.

Lou ficou presa com uma delas, por mais de duas horas.

Vivian filmava tudo com olhos marejados.

Lara lia depoimentos.

Beatriz se ofereceu para ensinar aulas de alfabetização.

E Clara…

Clara chorou escondida no banheiro.

Quando voltamos, ninguém falou no carro.

Mas todas mudaram.

Na semana seguinte, uma mulher idosa apareceu à porta da casa.

— Desculpem interromper… Mas esta era a casa de uma amiga minha.

— Como se chamava? — perguntei.

— Teresa.

Meu coração falhou uma batida.

— Teresa Guarda?

— Não. Ela usava outro nome aqui.

Chamávamos de Teta Mena.

Ela salvou minha irmã do campo de reeducação.

Pedi para entrar.

Ela sentou, olhou para cada uma de nós e disse:

— Nunca soube que ela tinha filhas.

— Ela teve muitas — respondeu Lou, com uma dor antiga na voz.

— Algumas nasceram do sangue.

Outras… da ausência.

A mulher assentiu.

— Teresa foi amada aqui. Mas também foi temida.

Ela protegia com garras.

E às vezes… esquecia que garras também cortam.

À noite, reuni todas na varanda.

— O que viemos buscar aqui? — perguntei.

Vivian foi a primeira:

— Eu vim ver se posso amar um país que me foi negado.

Lou:

— Eu vim ver se consigo existir fora da dor.

Lara:

— Vim escrever a verdade… sem metáforas.

Beatriz:

— Vim porque Teresa me arrancou da terra onde eu devia ter nascido.

Quero ver se ainda posso plantar raízes.

Clara, por fim:

— Vim porque vocês são a minha única chance de família.

Mesmo quando me deixam do lado de fora.

Fiquei em silêncio.

Depois disse:

— Eu vim ver se ainda posso ser mãe sem me despedaçar.

E assim começou.

Não como uma temporada nova.

Mas como uma ferida aberta… que decidiu respirar.

No mercado do Benfica, duas meninas reconheceram Lou.

— És a moça da ONU?

Lou sorriu.

Mas depois, ao sair, chorou no carro.

— Elas acham que eu sou forte.

Mas eu mal consigo dormir sem acordar suando.

Eu toquei sua mão.

— Força não é o que mostras.

É o que escolhes carregar… mesmo tremendo.

Vivian começou a documentar tudo.

Dizia que Angola tem luz que não existe em mais lugar nenhum.

— Esta terra tem calor nos olhos, mãe.

E dor nos ombros.

Quero mostrar isso.

Mas sem piedade.

Ela entrevistou ex-milicianas.

Mulheres com histórias que fariam qualquer guerreiro cair de joelhos.

E no fim, disse:

— Acho que, pela primeira vez, entendo Teresa.

Clara foi chamada para trabalhar com uma fundação ligada à história da memória pós-guerra.

Ela hesitou.

— Será que me aceitam?

Sou a filha bastarda de uma mulher que muita gente ainda odeia.

Respondi:

— E por isso mesmo és necessária.

Porque somos as que carregam a versão que ninguém quer escutar.

Beatriz encontrou fotos antigas numa igreja do centro.

Uma delas mostrava Teresa com um menino no colo.

Não era nenhuma de nós.

— Quem é ele? — perguntou, com a voz trêmula.

— Não sei — respondi.

Mas sabia que aquele menino seria mais uma porta que o passado nos obrigaria a abrir.

No fim da primeira semana, saímos todas para ver o mar.

Na areia, ficamos em silêncio por longos minutos.

Então, Lara disse:

— Acho que Angola é o lugar onde Teresa quis ser livre.

Mas nunca conseguiu.

— E nós? — perguntou Vivian.

— Estamos tentando — disse Lou.

— Mas será que dá pra ser livre com tanto nome sobre os ombros? — perguntou Beatriz.

— Talvez — murmurei — se aprendermos que ser livre não é esquecer.

É viver mesmo lembrando.

Naquela noite, escrevi:

“Estamos de volta.

Mas não como exiladas.

Voltamos como filhas que querem entender a mulher por trás da estátua.

E talvez, nesse processo…

entendamos a nós mesmas.”

Fim do primeiro episódio da segunda temporada