Temporada 2 – Episódio 9: Quando a Verdade Tem Preço e o Encontro Não Tem Volta
Narrado por Isabel
Vivian passou o dia andando pela casa como quem procura uma saída onde só há paredes.
Eu a observava da varanda.
Ela andava com os braços cruzados, celular na mão, e a mesma expressão que Teresa fazia quando queria gritar, mas tinha que negociar.
No fim da tarde, sentou-se ao meu lado.
— Preciso contar-te uma coisa.
Mas prometes não me julgar?
— Prometo te escutar como mãe.
Julgar, só se for como mulher.
Ela riu, nervosa.
Depois mostrou o e-mail.
Era de uma produtora internacional.
Querem transformar o documentário de Vivian em uma minissérie.
Distribuição global.
Tradução em cinco línguas.
Promoção em festivais.
Mas havia um detalhe.
— Eles pediram pra suavizar alguns trechos.
— Retirar o nome de Teresa.
— Cortar os depoimentos que envolvem militares ainda vivos.
— E tu?
— Ainda não respondi.
— Parte de mim diz: isso é tudo que sempre quis.
— Outra parte diz: isso é exatamente o que Teresa enfrentou a vida inteira.
— E eu estaria fazendo o mesmo que ela… calando a dor dos outros pra caber na vitrine.
Fiquei em silêncio.
Depois disse:
— A fama alimenta o ego.
Mas só a verdade alimenta a alma.
— E se eu perder a chance?
— Então vais dormir tranquila.
E ninguém apaga a tranquilidade de quem foi fiel a si.
Ela respirou fundo.
— Às vezes, eu só queria que Teresa estivesse viva.
— Só pra eu poder gritar com ela… e depois, talvez, abraçá-la.
— E talvez…
— ela te escutasse como nunca escutou ninguém.
Horas depois, Beatriz me ligou.
— Ele vem.
— Quem?
— O Luan.
Meu coração pulou.
— A sério?
— Sim.
Ele comprou a passagem.
Chega no sábado.
— E como se sente?
— Com medo.
Mas disse que precisa ver os rostos que herdaram a voz da mulher que o salvou.
Vivian escutou tudo do corredor.
Entrou com olhos marejados.
— Ele tem alguma ideia do que vai encontrar?
— Não.
— E nós também não temos.
No dia seguinte, Lou voltou de uma entrevista na rádio.
— Falei sobre o discurso.
— Mencionei Teresa.
— E me perguntaram se tenho mais irmãos além das filhas conhecidas.
— E o que respondeste?
Ela sorriu.
— Que a família verdadeira não cabe numa árvore genealógica.
— Cabe num abraço.
— E que a minha… está se desenhando aos poucos, com nomes que o mundo ainda não sabe soletrar.
Na sexta-feira, a casa se preparava como se fosse Natal.
Vivian limpava como nunca.
Beatriz preparava um prato típico.
Clara organizava fotos e arquivos com tudo que já sabíamos sobre Teresa e o passado de Luan.
— Será que ele quer isso tudo? — perguntei.
— Não sabemos o que ele quer — disse Clara.
— Mas sabemos o que ele precisa:
acolhimento sem pressão.
Afeto sem exigência.
E espaço sem perguntas.
Às 18h do sábado, o portão soou.
Luan estava ali.
Camisa clara, mochila leve, olhos profundos.
Eu fui a primeira a sair.
Ele sorriu.
— Isabel?
— Sim.
Ele abriu os braços.
E naquele instante…
o tempo se curvou.
Abraçá-lo foi como abraçar um pedaço da vida que Teresa tentou esconder, mas que agora tinha rosto, cheiro, coração.
As filhas se aproximaram.
Lou ficou estática.
Vivian engoliu o choro.
Lara escreveu no ar com os dedos.
Clara o cumprimentou com olhos gentis.
Beatriz… apenas disse:
— Bem-vindo à bagunça que chamamos de família.
Ele sorriu.
— Nunca tive uma.
— Talvez seja tarde.
— Mas... se me deixarem, posso aprender.
Vivian falou:
— Aqui, todos estamos aprendendo a ser.
— E ninguém tem que provar nada pra merecer ficar.
À noite, jantamos juntos.
Rimos.
Erramos nomes.
Contamos histórias que nem sabíamos se eram nossas ou herdadas.
E no fim, Luan tirou um envelope da mochila.
— Não é outra carta de Teresa.
— É uma carta minha.
— Que nunca tive coragem de enviar pra ninguém.
Entregou a mim.
— Quando estiveres pronta.
Eu segurei o envelope.
E sussurrei:
— Acho que estou.
Na madrugada, escrevi:
“Hoje, o passado nos visitou.
Mas não como ameaça.
Veio como um homem que carrega silêncio nos ombros.
E mesmo assim…
quis ficar.”