Eu nunca fui boa em me encaixar. Não era o tipo de pessoa que se destacava nas conversas da sala ou nas festas da escola. Desde que minha mãe morreu, eu só queria um lugar onde pudesse ficar sozinha, onde ninguém me olhasse com pena ou fizesse perguntas que eu não sabia responder. Por isso, a biblioteca se tornou meu refúgio. Lá, ninguém me incomodava. Eu ficava nas sombras, entre as estantes de livros, onde o silêncio me envolvia como um abraço apertado. Era o único lugar onde me sentia em paz.
O caderno preto que eu carregava todos os dias era a minha companhia mais constante. Ele estava cheio de palavras que eu nunca ousaria dizer em voz alta. Palavras que ninguém jamais ouviria. Às vezes, eu escrevia sobre minha mãe, outras vezes sobre o vazio que me consumia, e muitas vezes sobre a sensação de estar presa em um mundo que não fazia sentido. Eu não queria falar com ninguém, e escrever era o único jeito de continuar.
Naquele dia, como todos os outros, eu estava sentada na mesa perto da janela, olhando para fora, mas sem realmente ver nada. Eu tinha acabado de abrir meu caderno e estava prestes a escrever mais uma página quando alguém entrou na biblioteca. Olhei para cima sem querer. Era Caio. O Caio. Ele era tudo o que eu não era: popular, extrovertido, sempre rodeado de amigos. Para ele, eu era apenas a garota quieta, a estranha da classe.
Ele entrou sorrindo, como sempre, com seu time de futebol debaixo do braço. Eu tentei voltar ao meu caderno, mas ele me viu.
— Luna, não acredito que você está aqui — ele disse, com aquele tom despreocupado que me irritava. — Estamos com um trabalho de literatura, e você vai ser minha parceira.
Eu o encarei. Ele não parecia perceber que eu estava bem onde queria estar, sozinha, sem ter que ouvir ninguém. E, claro, eu não tinha escolha. Aquele trabalho seria uma tortura.
— Não se preocupe, Caio. Eu posso fazer o trabalho sozinha — tentei dizer, mas minha voz soou mais ríspida do que eu queria.
Ele deu uma risada, como se fosse uma piada que só ele entendia.
— Relaxa, Luna. Não vai ser tão difícil assim. Eu prometo que a gente vai se divertir — ele disse, sem saber que a ideia de "diversão" dele não tinha absolutamente nada a ver com a minha.
Eu apenas assenti, sem dizer mais nada. Ele se sentou à minha mesa, e nós começamos a discutir o trabalho. Ou, na verdade, ele começou a falar, e eu apenas concordava com a cabeça. Ele parecia estar mais interessado em dar risadinhas para os amigos do que realmente fazer o trabalho. Eu estava só esperando o momento em que ele me deixaria em paz para que eu pudesse voltar a me perder nas palavras do meu caderno.
Mas não era isso que ia acontecer. No final do dia, eu me levantei para sair. Estava tão distraída em juntar meus livros que deixei o caderno em cima da mesa. E só me dei conta disso quando já estava a caminho da porta.
Foi aí que ouvi os passos dele. Caio entrou de novo na biblioteca, com um amigo, e... ele viu o caderno. Ele o pegou. E eu fiquei ali, paralisada, vendo-o abrir as páginas.
Eu queria correr e pegar o caderno de volta, mas algo me impediu. Eu fiquei observando, sem saber o que esperar. Ele começou a ler. Ele lia as palavras que eu nunca quis que ninguém visse. Ele estava lendo minha dor, minhas inseguranças. Cada frase, cada desabafo. Eu me senti exposta. Vulnerável.
E, no entanto, ele não me confrontou. Não falou nada. Apenas virou as páginas lentamente. Até que, de repente, ele pegou uma caneta e começou a escrever. Fiquei em silêncio, a respiração presa na garganta, enquanto ele preenchia uma página com algo que eu não sabia o que era. E antes que eu pudesse reagir, ele fechou o caderno e foi embora.
Eu fiquei lá, olhando para o caderno fechado, sentindo algo que eu não conseguia explicar. Eu queria ir atrás dele, pedir o caderno de volta, mas algo dentro de mim me dizia para esperar. Esperar o quê? Não sabia. Mas algo estava prestes a mudar, e eu não sabia se estava pronta para isso.