Capítulo 2 Caderno compartilhado

Senti o coração parar quando percebi que meu caderno não estava na mochila. Revirei tudo, como se o desespero pudesse fazer o objeto aparecer por mágica. Mas ele não estava lá.

O caderno preto. Meu mundo inteiro entre capas. Meus segredos, meus medos, minha mãe, minhas cicatrizes. Tudo ali. Esquecido. Na biblioteca.

Corri de volta com os pensamentos em turbilhão. Só percebi que estava prendendo a respiração quando abri a porta e dei de cara com ele.

Caio.

Ele estava sozinho. Sentado na mesma mesa onde eu sempre ficava. Com meu caderno aberto nas mãos.

Meu instinto foi gritar, arrancar aquilo dele, desaparecer. Mas meus pés não se moveram. Minha voz sumiu. Fiquei ali, imóvel, vendo ele ler. Em silêncio. E, pior: com atenção.

A cada página virada, eu sentia um pedaço de mim sendo exposto. Mas ele não ria. Não zombava. Apenas lia. Como se as palavras... significassem algo para ele.

Depois, algo inacreditável aconteceu. Ele pegou uma caneta. E escreveu. Na última página onde eu havia parado. Escreveu como se soubesse exatamente o que dizer. Como se me conhecesse.

E, então, fechou o caderno e saiu da biblioteca. Passou por mim sem dizer uma palavra, mas nossos olhos se cruzaram por um segundo. Um segundo cheio de perguntas. E de alguma coisa que eu não consegui entender.

Esperei ele sumir no corredor antes de me aproximar. Peguei o caderno com as mãos trêmulas. Abri. E lá estava.

"Você escreve como quem grita sem som. Eu li tudo. E, por um momento, parecia que você era eu. Posso responder?"

Meu coração bateu tão forte que doeu. Aquilo não fazia sentido. Caio, o garoto popular, respondendo ao meu diário como se estivéssemos... conectados?

Fechei o caderno com força. Mas à noite, em casa, abri de novo. E peguei minha caneta.

"Se quiser continuar lendo, continue escrevendo. Mas aqui, entre as páginas, não se mente."

Era só isso. Era o começo. De algo que nem eu entendia ainda. Mas que, pela primeira vez em muito tempo, me fez sentir... vista.