Capítulo 4 A festa e a queda

Eu nunca gostei de festas. As luzes piscando, as conversas barulhentas, as risadas que soam altas demais — tudo sempre me deixou desconfortável, como se eu fosse um móvel fora do lugar, uma peça que não encaixa no quebra-cabeça.

Mas quando Caio me chamou, eu aceitei. Não porque queria estar lá, mas porque queria estar com ele. Desde que nossos caminhos se cruzaram — não só nos corredores, mas nas páginas do nosso caderno —, algo em mim tinha mudado. Eu queria tentar, queria acreditar que, dessa vez, alguém podia ficar.

A casa estava cheia. Música estourando no fundo, gente que eu só conhecia de vista passando de um lado pro outro, copos plásticos coloridos nas mãos. Caio segurava o meu punho com delicadeza, como se soubesse que eu podia escapar a qualquer momento. O toque dele me ancorava.

A princípio, foi suportável. Conversamos com algumas pessoas, rimos de piadas internas, e ele sempre olhava pra mim como se eu fosse a única pessoa ali. E eu era. Pra ele, eu era.

Até não ser mais.

Eu não sei exatamente quando começou. Talvez eu tenha me distraído, talvez ele tenha se afastado um pouco. Mas eu escutei. Não importava o quão alto estivesse a música ou quantas vozes falassem ao mesmo tempo, aquelas palavras atravessaram tudo como uma lâmina.

“Você sabe o que rolou com a Luna, né? Aquela história com a família dela… complicado.”

Meus músculos congelaram. Meu estômago virou um nó instantâneo. Eu não precisava ouvir mais. Eu sabia do que estavam falando. Daquilo que eu lutei tanto pra esconder, pra enterrar no fundo, pra esquecer. Não adiantou.

Virei o rosto e procurei Caio. Quando encontrei, ele já estava olhando na minha direção. E foi nesse momento que tudo desabou.

Eu vi.

Eu vi o segundo exato em que ele duvidou de mim. Não foi escancarado. Não foi uma expressão de horror ou julgamento. Foi pior: foi aquela microexpressão que só quem já sofreu consegue reconhecer. A dúvida. A hesitação. O “será que é verdade?” estampado no olhar, mesmo que ele tentasse disfarçar segundos depois.

Não importava mais. Eu já tinha visto.

Meu peito ardeu, como se um peso de meses esmagasse minhas costelas de uma vez. Eu senti as lágrimas querendo subir, mas eu não deixaria. Não ali. Não na frente de todo mundo. Não de novo.

Soltei a mão dele. Dei um passo atrás.

Ele tentou falar algo, eu acho. Vi os lábios dele se moverem, vi o jeito que ele avançou meio sem saber o que fazer, mas eu já estava indo embora. Eu virei as costas e fui embora antes que ele pudesse me alcançar.

Corri pra fora da casa. O ar da noite bateu no meu rosto e, só então, deixei as lágrimas caírem. Aquelas mesmas lágrimas que eu já conhecia tão bem. Lágrimas de raiva, de decepção, de um cansaço que vinha lá de dentro — o cansaço de sempre confiar demais e acabar quebrada de novo.

Quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi abrir a gaveta e enfiar o caderno lá no fundo. Tranquei. Não conseguia nem olhar pra ele. Não conseguia nem pensar nas páginas que antes eram meu refúgio e que agora pareciam mentiras.

A partir daquele momento, eu decidi que não escreveria mais. Não responderia. Não procuraria. O caderno pararia de ser trocado. As palavras que um dia me salvaram agora eram só cicatrizes.

E eu… Eu voltaria a fazer o que sempre soube fazer melhor: me proteger ficando longe.