capítulo 5 : Verdades escondidas

Quando fechei o caderno pela última vez, achei que seria só mais um corte na minha vida. Eu já estava acostumada a isso — pessoas se aproximarem, acharem que me entendem, e depois sumirem quando percebem que eu vinha com bagagem demais.

A festa foi o estopim. Eu devia saber que, mais cedo ou mais tarde, alguém iria falar. Meu passado sempre arranjava um jeito de me alcançar. Não era segredo, mas também não era algo que eu jogava no meio das conversas. Só que bastou alguém comentar — uma frase solta, um sussurro venenoso — pra tudo ruir.

O que doeu não foi o comentário. Já escutei piores. Foi o olhar de Caio. Por um segundo, ele vacilou. Eu vi a dúvida nos olhos dele, e aquilo foi um soco mais forte do que qualquer palavra dita. Eu confiava nele. Confiava tanto que coloquei meus segredos nas páginas de um caderno achando que estavam seguros.

Naquela noite, eu decidi me afastar. Sumir era o meu mecanismo de defesa mais antigo. Apaguei as mensagens, evitei os lugares onde sabia que ele estaria, e guardei o caderno no fundo da gaveta. Eu li e reli as páginas que ele tinha escrito, mas não tive coragem de responder. Nem de olhar pra ele no corredor.

O vazio foi imediato. Não era só a ausência das palavras — era a ausência dele. Eu tentava convencer a mim mesma de que era melhor assim. Menos risco, menos mágoa. Mas a verdade é que eu sentia falta da nossa troca. Da forma como ele escrevia coisas que eu também pensava, mas nunca conseguia dizer.

Eu passei semanas nesse vai e vem interno, tentando me convencer de que não importava. Fingia que estava tudo bem, mas minha cabeça pesava e o peito apertava mais a cada dia. Eu sabia como isso terminava. Eu me fechava, a ansiedade me engolia e eu acabava afundando de novo.

Mas aí aconteceu uma coisa que eu não esperava.

Numa sexta-feira, decidi passar na biblioteca no fim da tarde. Eu não queria encontrar ninguém, só queria o silêncio. Quando cheguei na nossa mesa de sempre, vi uma folha de papel dobrada. Não reconheci a letra de cara, mas meu coração já sabia.

Era dele.

Sentei, respirei fundo e comecei a ler. As palavras de Caio vieram simples, diretas. Ele não tentou justificar o que aconteceu. Não fugiu. Ele assumiu. Falou sobre os medos dele, sobre como ele também carregava coisas que nunca contou a ninguém. Contou que procurou ajuda. Que estava tentando melhorar.

E, mais importante, ele foi sincero.

Quando terminei de ler, as lágrimas escorriam antes que eu conseguisse evitar. Eu nem percebi que estava chorando — foi só aquela sensação de alívio que explode de dentro quando você percebe que alguém entendeu você de verdade.

Caio tinha feito o que eu nunca tinha visto ninguém fazer: admitir a própria vulnerabilidade. Ele não pediu perdão esperando algo em troca. Ele só… colocou pra fora.

Eu segurei aquela folha por um tempo, com medo de que, se soltasse, tudo desaparecesse. Depois de um tempo, levantei, fui até meu armário e deixei um bilhete.

“Eu li. Obrigada por ser sincero. Vamos conversar quando você estiver pronto? — Luna.”

Eu não sabia como ele reagiria. Nem se ele responderia. Mas, pela primeira vez, eu não tinha medo de me mostrar também.

Naquele dia, entendi que nem sempre é sobre quem erra ou quem acerta. Às vezes, é sobre quem tem coragem de ficar. E Caio, apesar de tudo, estava tentando ficar.

E eu? Eu acho que estava pronta pra deixar alguém ficar.