A primeira vez que entrei naquela sala de aula como professora, senti um frio na barriga muito parecido com aquele que eu sentia toda vez que deixava um bilhete no caderno.
Mas agora era diferente.
Agora, eu não estava esperando respostas — eu era quem fazia as perguntas.
Meus alunos tinham entre 15 e 17 anos. Cheios de olhos inquietos, celulares escondidos e silêncios que gritavam. Reconheci neles pedaços de mim. Os que não sabiam falar sobre o que sentiam. Os que se protegiam com ironia. Os que, às vezes, só precisavam que alguém notasse que estavam ali.
E, um dia, numa aula sobre expressão escrita, eu contei a eles uma história.
Não com nomes. Nem detalhes. Mas com verdade.
Falei sobre duas pessoas que se conheceram num momento em que palavras eram mais seguras que gestos. Falei sobre um caderno, sobre dor, sobre amor, sobre separações que não são falhas, mas caminhos.
Quando terminei, a sala estava em silêncio. Um daqueles que eu conhecia bem. E um garoto no fundo levantou a mão e disse:
— Professora, isso daria um livro.
Sorri.
— Talvez dê mesmo.
Naquela noite, tirei meu caderno antigo da estante. A capa ainda estava gasta. As dobras nas páginas, intactas. Era como se o tempo tivesse respeitado o que estava ali dentro. E então, abri meu notebook e comecei a escrever.
Não como Luna adolescente. Mas como Luna mulher.
Escrevi tudo. Do início ao fim. Os dias de biblioteca. O caderno trocado. A festa. O silêncio. A dor. A redenção. Rafael. Caio. Tudo.
Sem vergonha. Sem romantizar. Sem esconder as partes feias.
Meses depois, o manuscrito estava pronto.
O título?
“Entre as Linhas do Caderno”
Foi publicado por uma editora pequena. Nada de grandes lançamentos ou entrevistas. Mas nas primeiras semanas, recebi dezenas de mensagens de jovens dizendo: “É como se você tivesse escrito sobre mim.”
E eu chorei com cada uma delas.
Porque era isso. Sempre foi.
As palavras me salvaram. Me reconstruíram. Me ensinaram a amar e a partir. E agora, elas estavam fazendo isso por outros também.
Um dia, recebi um envelope pelo correio. Sem remetente.
Dentro, uma página solta.
A caligrafia era familiar.
"Você escreveu tudo. E escreveu lindo. Obrigado por guardar o que fomos sem tentar esconder o que deixamos de ser. Com carinho — C."
Guardei o bilhete dentro do livro, na última página.
E ali, fechei mais um ciclo.
Mas não a história.
Porque agora, era minha vez de ajudar outros a começarem a escrever a deles.