A vida tem dessas coincidências que parecem roteiros. Eu não estava esperando por ele. Não naquele dia. Não naquele lugar.
Estava em uma palestra sobre educação emocional em jovens — convite da faculdade onde agora eu dava aula. Fui como ouvinte, só pra anotar ideias e respirar outros pensamentos. E lá estava ele.
Caio.
O crachá pendurado no peito, o cabelo um pouco mais curto, a barba rala. O mesmo olhar atento de sempre. Mas agora, havia mais silêncio nele. Um silêncio calmo. Maduro.
Nossos olhos se cruzaram quando ele se virou, distraído, com um café na mão. E, por um instante, o tempo perdeu a pressa. Eu sorri antes de pensar. Ele sorriu de volta.
Nos encontramos no intervalo, entre livros, vozes e passos apressados.
— Eu soube que você virou professora — ele disse, e era como se o tempo não tivesse passado.
— E você virou escritor, né? Li um artigo seu na revista da faculdade. Sobre como as palavras moldam a identidade. Foi... bonito.
— Obrigado — ele disse, com aquele sorriso torto que ainda sabia me desmontar.
Conversamos ali, como dois amigos antigos que se esbarram sem dor. Ele falou da vida em outra cidade, do livro que estava escrevendo. Eu falei de Rafael — não como escudo, mas com orgulho calmo. E ele falou de Marina. Ainda juntos, agora com um filho de dois anos.
Não havia mágoa. Só reconhecimento.
No fim da conversa, ele tirou do bolso um papel dobrado.
— Achei isso ontem, organizando umas caixas. Era o bilhete que você deixou no meu livro de História, lembra? “As palavras pesam, mas também salvam.”
Sorri. Lembrava.
Ele me entregou o papel. Eu li. E no verso, com a caligrafia dele, estava escrito:
“E algumas pessoas também.”
Não disse nada. Não precisava. Era aquilo.
Nos abraçamos. Um abraço breve, firme. Como quem sabe que já foi muito, e por isso, não precisa provar mais nada.
Quando ele se afastou, me olhou pela última vez.
— Obrigado, Luna.
— Eu também, Caio.
E então, ele foi.
E eu fiquei. Mais inteira do que pensei que estaria.
Porque às vezes, o amor não volta. Mas o que ele construiu… fica.
Fica na forma como você se trata. No que você aprendeu a merecer. No jeito que olha para os outros. No silêncio que não machuca mais.
Na coragem de amar de novo, mesmo sabendo tudo o que já doeu.