Dor mortal

A luz do sol começava a invadir aquele corredor, apartando a escuridão à minha volta.

Eu sou mesmo o pior dos idiotas, muito pior que isso! Eu sou alguém que está criando algo inútil dentro de si, algo que segundo o sábio, só serve para me fazer sofrer mais.

Não existem motivos para eu estar cultivando isso, não existe um terreno vertil para isso crescer. Mas ainda assim… eu sinto isso crescendo no meu peito, está cada vez maior. Isso era…

A vontade de lutar! De ser mais, ser melhor. Isso era… isso era… uma tola, inconveniente, iludida… e… uma esperançosa… determinação!!!

Me levando, os três já não estavam mais lá, então saio e sigo meu caminho.

Eu vou seguir minha rotina, vou me formar nesse lugar, não vou ser mais um fardo para meus pais, eu vou fazer tudo isso sem ser intimidado por esses malditos! Nem que eu tenha que literalmente desaparecer!

Nesse momento eu irei para a minha aula, sem me encontrar com nenhum deles. Eles vão passar todos esses anos me procurando, enquanto eu vou viver tranquilamente até me formar!

Minha determinação surgiu pela primeira vez, nunca tive esse tipo de motivação. Mas isso vai me mover para sobreviver nesse lugar! Ou assim eu achava.

Minha determinação morreu precocemente. Mal nasceu, e já foi brutalizada sem misericórdia ou anúncio.

Assim que eu saí do prédio e virei a esquina, dei de cara com os dois líderes dos grupos que lutavam contra Bruno.

Os dois caídos, cobertos por sangue e hematomas. E o causador disso, estava de joelhos entre eles, era o Bruno, e a frente dele, uma multidão de pessoas o olhava, entre elas estava aquele que era seu líder.

Acho que nunca tive um baque de realidade assim. Tão seco, tão direto, tão… avassalador!

Minha teoria de que alguém lá em cima está fazendo chacota da minha cara, se tornou uma hipótese real. E quem quer que seja essa entidade, ela tem um senso de humor muito sádico!

Eu fui entregue de bandeja para meus perseguidores. Tudo ficou em silêncio, parecia até pacífico, aterrorizantemente pacífico.

Bruno já estava em pé me encarando, e o seu líder estava me olhando. Eu não sei ler olhares, mas o que ele tinha era de pura raiva odiosa. Não sei a origem daquele sentimento, mas parecia quase algo pessoal.

Não conseguia mexer um músculo. Estava totalmente imóvel. O líder daquele grupo foi o primeiro a se mover.

Dando alguns passos lentos, ele se aproxima de mim, e eu não fiquei pra saber o que iria acontecer.

Corro o mais rápido que conseguir. Eu derrubei latas de lixo pelo caminho, e até pulei uma cerca para me distância deles.

Mas ninguém me seguiu, todos olhavam para mim, e pareciam estar rindo. Já havia criado uma boa distância entre nós, mas isso não me salvou.

O líder deles apenas corre e salta para a parede de um dos prédios, e corre pela lateral dele até me alcançar.

Ele simplesmente parou na minha frente, fez com que todo o esforço que fiz para escapar, não valesse de nada.

Sem qualquer palavra, olhava no fundo dos meus olhos. Nunca senti tanto medo de uma pessoa antes, ele era muito maior que eu, estava na casa dos 1,80 de altura, e era claramente mais forte.

Pela primeira vez desde que entrei aqui, eu estava em um conflito. Meu Brasão começou a apitar, e seu contador transmitia uma mensagem que dizia “combate iniciado”.

Seus amigos chegaram tão rápido quanto ele, todos me cercando. Não tinha como correr.

— Você parece ser bom em fugir, só sabe fazer isso?! —

O líder fala se aproximando de mim. Antes que eu possa responder, ele acerta um soco na minha barriga.

Senti o ar sair dos meus pulmões, como se tudo saísse de uma vez só. Era a primeira vez que eu recebia um golpe direto, se os que pegaram de raspão eram ruins, imagina um direto.

Não tive força para me manter de pé, a dor era absurda e me paralisou por completo. Não consegui fazer mais nada.

Todos riram de mim enquanto eu sentia todos os meus ferimentos se abrindo.

Assim como eu já imaginava, precisou de apenas um golpe, não resisti a nem um. Sempre soube que sou frágil, mas essa é a primeira vez que eu tenho esse fato tão estampado na minha cara.

Não posso resistir nesse mundo, acho que vou ser consumido completamente.

— Já caiu? Esse Foi só um soco de aviso, até calouros patéticos não caem só com isso! —

Ele está certo, eu não sou resistente, esse nunca foi um forte meu. Sei que não vou durar a qualquer coisa que eles fizerem.

Se eu realmente for marcado com ferro, posso morrer de dor no meio do processo, ou por hemorragia depois do ferimento. E esse vai ser meu final!

Mesmo que eu diga isso, eles não vão me ouvir. Eles vão ignorar tudo e me tortura até quando eu seder, o que vai ser rápido.

Mas eu queria pelo menos enrolar o máximo que desse.

— Porque vocês estão fazendo tanta questão de me perseguir? Eu sou só um calouro invisível, ninguém sabe que eu existo. Não existem motivos para isso! —

Eu só perguntei qualquer coisa, quem sabe assim eu não consigo um pouco mais de tempo! Só que o líder deles não gostou disso.

Ele acerta um chute no meu ombro, e de repente estou sendo lançado pro alto. Estava pairando sobre o ar, me sentia até que bastante calmo, mesmo sabendo que a queda iria me destruiu, e foi o que aconteceu.

Bati minhas costas violentamente no chão, não sei se algo quebrou, mas sei que não conseguia me levantar.

Gemia de dor, e isso parecia o som de piadas para todos aqueles valentões. Tudo estava girando, e o mundo não parecia fazer sentido, minha visão estava turva e embaçada.

Naquele momento eu sentia tudo doer, sabia que tinha me quebrado completamente com a queda.

Vejo ele se aproximando, seus olhos transportavam raiva, de novo eles demonstravam um ódio pessoal.

Não entendo esse sentimento dele, nunca nos vimos antes, mas ainda assim ele tem algum rancor comigo.

Já próximo a mim, ele pisa no meu ombro esquerdo, sinto seu pé pressionando contra meu corpo. A dor só me fazia gritar mais, não conseguia segurar minha voz.

A sensação da dor sempre foi meu maior algoz, mas essa era a primeira vez que sentia ela nessa quantidade.

— O primeiro motivo — ele tira o outro pé do chão, e se equilibra em cima do meu ombro — Eu quero montar meu império supremo em Santa Guerra, mas seria tolice lutar contra os veteranos fortes.

Levaria muito tempo até me aproximar do nível deles, e não ia ter certeza se poderia os vencer. Então decidi tomar o caminho mais seguro.

Eu iria monopolizar o bullying, e controlar cada geração de novos calouros. Dessa forma eu irei conquistar e dominar toda a Santa Guerra! —

Então esse era o plano dele? Ouvindo isso, eu simplesmente não consegui me controlar.

Sei que pode parecer idiotice, principalmente levando eu conta minha situação. Mas eu não resisti, e comecei a rir descontroladamente. Foi possivelmente a risada mais verdadeira que eu tinha dado em dias.

Seu olhar seco me encarava com indiferença, seus amigos se calaram completamente, apenas eu ria.

Eu realmente não conseguia resistir, como ele fala uma coisa dessas sem nem ao menos rir?

Esse é mesmo o objetivo dele? Ele falou como um verdadeiro vilão de desenho animado. Minha voz era o único som em todo o ambiente. Sei que minha punição vai ser pior por conta disso, mas não consegui evitar.

— Qual é a graça? —

Ele perguntou sério, e até saiu de cima do meu ombro. Estava recuperando o fôlego, aquele foi um momento e tanto.

Finalmente consigo me recompor para poder falar.

— Desculpa por rir, mas como eu não riria disso? Até parece um vilão ruim de histórias pra crianças.

E esse jeito caricato de falar, você fala como um vilão de novela mexicana. Hahaha como eu vou levar você a sério? —

Eu sei o tamanho da burrice que eu estou fazendo, mas não consegui segurar. Se eu vou apanhar de qualquer jeito, então vou pelo menos rir um pouco.

E é claro que ele não gostou disso. Pisou com força no meu braço, senti ele quebrar, acho que é agora que minha tortura vai começar.

— Você tem coragem para rir na minha cara, mas é só um fraco. Nem precisei de muito para quebrar você, e ainda assim acha que pode rir da minha cara.

Você é patético, se vai rir de alguém, então pelo menos tenha certeza que pode vencer dele!!!

Ele começa a pisotear meu braço repetidamente. A sensação de osso quebrando era tudo o que eu sentia, nem gritar eu pude, o ar já tinha deixado meus pulmões a tempo.

— Você é tão fraco, patético, sujo. Não consigo entender o motivo… o motivo da Dalila ter chegado tão perto do seu rosto!

Eu venho tentando me aproximar dela dês que cheguei aqui, como que um calouro fracassado conseguiu que ela chegasse tão perto do seu rosto, e ainda conseguiu fazer ela tocar em você!

O jeito que ela se comportou com você, foi o mesmo jeito que ela se comporta com as pessoas íntimas da sua vida. Como você ousa se aproximar tanto?! —

Acho que finalmente entendi a raiva pessoal contra mim.

O encontro com a Dalila foi a única coisa de bom que me acontece aqui, e agora eu estou apanhando feito um idiota por isso.

Acho que tudo de bom que acontece comigo, sempre vem com uma coisa ruim pra acompanhar.

Ele continuou me pisando e insultando, mas de repente ele parar, não tinha entendido o motivo disso.

Então percebi, seu dedo indicador passou pela minha testa, e em poucos segundos ela ficou vermelha.

Ele descobriu minha condição! Vejo um sorriso surgir no seu rosto, um que me deu calafrios.

— Você tem aquela coisa de desenhar na pele. Então quer dizer que podemos fazer desenhos na sua pele né? —

Seus amigos se aproximaram, sabia bem o que eles iriam fazer.

Em poucos minutos eu estava completamente rabiscado, eles chegaram a rasgar minha blusa pra desenhar por toda minha pele.

Não se importaram com meus ferimentos, até arrancaram minhas ataduras para ter mais “espaço”.

Eles deixaram meu corpo parecendo a porta de um banheiro de escola pública.

Tinha desenho de pichação, insultos de todos os tipos, entre eles tinha virgem, puta, prostituta, filho da puta, cabaço, armazenamento de porra, bebe leite, viado, pau no cu, bastardo e muitos outros.

Eles também fizeram questão de fazer vários desenhos fálicos ao redor do meu corpo, tento um na parte baixa das minhas costas que fazia fronteira com minha cintura, e uma na minha bochecha, deixando a cabeça do membro em cima da minha boca.

Eu já sofri bastante bullying, mas isso foi demais! Nunca fui tão humilhado em toda a minha vida, e o pior é que a humilhação só começou.

Sei que eles vão me exibir para todos, vão tirar fotos e me lembrar disso todos os dias da minha vida.

Eu cheguei ao fundo do poço, mas sei que posso descer mais ainda. Agora os próximos oito anos vão ser a mais pura humilhação, isso se eu aguentar tudo isso.

Eles estavam rindo enquanto continuavam a rabiscar meu corpo. “Já chega!” O líder deles passa a ordem e todos se afastam de mim.

Se eu fosse um pouco mais esperançoso eu ia ver isso como um alívio, mas sei que algo muito ruim está prestes a acontecer.

— Já nos divertimos o bastante, agora vamos acabar logo com isso!

Não aguento mais ver a cara desse idiota, então pode desfigurar ele, mas antes… peguem a placa de ferro, pode ser a “merda”.

Logo um de seus capangas se aproxima de mim com uma barra de ferro no formato da palavra “merda”.

— Podem colocar no peito mesmo, tanto faz o lugar. —

Então ele coloca a barra no meu peito, sinto o frio do metal na minha pele, era desconfortável, mas sabia que vinha coisa pior.

O líder deles puxa um maçarico, nem sei como eles têm algo assim, mas era óbvio o que ele iam fazer.

Aproximando de mim, o líder não pensou duas vezes antes de ligar o maçarico e começar a esquentar a placa.

Sinto a sensação fria do ferro sendo substituída por uma sensação desconfortavelmente quente.

Minha pele estava aos poucos sendo queimada, e a agonia era tudo que eu podia sentir.

Nunca senti uma dor dessas antes. Meu corpo se contorcia, mas eles me seguravam para me manter parado.

A barra estava bem em cima da ferida do meu peito, o que deixava tudo pior.

Eu não estava só gritando de dor, estava chorando com tudo. Não consegui segurar as lágrimas, toda essa situação era horrível para mim, minhas emoções estavam no limite.

Eles riam do meu choro, chegaram a cuspir e pisar na minha cara com a sola do sapato suja com bosta de algum animal.

Já não tinha mais forças pra nada, esse era o pior momento da minha curta vida. Não conseguia mais me debater, perdi toda minha força.

Agora eu vejo algo, o universo nunca se importou comigo, esse vai ser o meu fim, todos os meus machucados estão se abrindo, a dor está insuportável.

Eu a vejo cada vez mais próxima, cada vez mais perto de mim. É estranho o quanto você sente paz… quando está tão perto da morte.

Eu parei de me mexer completamente, meu corpo ficou tão frio, e até meu coração tinha ficado mais lento. Estava a passos de morrer.

— chefe, acho que ele morreu! —

Um de seus amigos fala me cutucando com um graveto.

— impossível! O Brasão não ativou, ele deve ter só desmaiado! —

Ele olhou para mim, seus olhos ficaram surpresos. Logo todos estavam se afastando do meu corpo.

—Ele ainda não morreu, mas está quase! O Brasão deve ter achado que ele dormiu, mas o que está acontecendo é um colapso pela quantidade de dor.

Ele não aguentou tudo isso, então sua mente travou e ele se desligou completamente. Não vai demorar muito pra ele morrer! —

Todos ficam chocados. Alguns estavam parecendo arrependidos, outros só preocupados.

Mas todos estavam assustados. “O que vamos fazer chefe?” “todos estamos ferrados!” “todo mundo sabe o que acontece com quem mata em Santa Guerra”.

Eles estavam bem desesperados. Ouvi que matar em Santa Guerra era um crime imperdoável, e a condenação é pesada, mas não sei qual era.

Mesmo que eu não conseguisse me mexer, ainda estava um pouco consciente, mas as coisas já estavam começando a ficar confusas.

Aos poucos minha mente vai desacordando, e eu já tava perdendo os sentidos, logo eu ia apagar, e provavelmente morre.

— Todos se afastem dele, o Brasão não reconheceu que ele está morrendo, se qualquer um ferir ele, o Brasão pode reconhecer a morte dele, então a administração vai vir atrás de nós.

E se tem algo que eu com certeza não quero, é ter problemas com a “Alta guarda”. Vamos embora e fingir que esse moleque nunca existiu. —

E assim eles o obedeceram, foram embora tão rápido quanto chegaram.

Com eles indo pra longe, eu fiquei completamente sozinho, sem ninguém pra me atormentar, mas também sem ninguém pra me ajudar.

Minha mente já tava apagando, mesmo me esforçando pra ficar acordado, eu perdia as forças enquanto vejo o sangue se espalhar pelo chão.

O que eu poderia fazer? Não tenho como pedir ajuda, e se eu sair dessa vivo, vou ser perseguido de novo.

Já não tinha ideia, agora só podia aceitar. Eu vou morrer em um beco qualquer, não achei que minha morte ia ser algo lendário, mas isso é humilhação!

Imagina ser enterrado com esse desenho ridículo de piroca na minha cara. Quando alguém encontrar meu cadáver, será que essa pessoa vai rir dos desenhos e xingamentos no meu corpo?

Bem, eu só estou divagando, quero manter minha mente funcionando o máximo de tempo possível.

Sempre achei que ia ver minha vida passando pelos meus olhos, mas eu só estou vendo o chão sujo que vou morrer.

É frustrante, eu vou morrer, e ainda não sei qual é a sensação de um beijo! O mundo me negou todas as boas experiências que existem.

Esse foi o último momento de lucidez que eu tive, tudo ficou preto, perdi completamente a sensação do meu corpo.

Minha mente se apagou por completo, não gostava de admitir, mas acabou. Eu queria poder ter lutado, se eu pudesse ter um último desejo, eu queria poder lutar.

Tudo de ruim na minha vida foram coisas que eu tive que aceitar, não tive outra escolha, eu já estou cansado disso, já estou cansado de viver a vida que me foi forçada! Eu queria poder pelo menos uma vez na vida… eu queria poder lutar.