Capítulo 2

Capítulo 2 — A Primeira Ordem Real

Eu não dormi naquela noite.

Enquanto o convento adormecia, eu fiquei sentada na beirada da minha cama de madeira simples, com os documentos espalhados sobre o cobertor branco. O brasão dourado do Império do Brasil cintilava sob a luz fraca do abajur, como um lembrete silencioso de quem eu era… ou de quem esperavam que eu fosse.

Uma princesa.

Eu.

Isabela.

As palavras de Rafael ainda ecoavam na minha cabeça. “Você é a última descendente viva.”

Eu não conseguia respirar direito toda vez que pensava nisso.

Levantei e fui até a janela do quarto. O vento da Bahia entrava quente, balançando meus cabelos negros. Lá fora, o jardim estava quieto, mas na minha mente tudo fervia.

Quem era eu antes disso?

A filha de uma mulher que nunca conheci, deixada ainda bebê aos cuidados das freiras. Uma garota que gostava de literatura brasileira, que sonhava em viajar o mundo, mas nunca imaginou usar uma coroa. Eu sempre fui invisível para o mundo.

Agora, o mundo inteiro me via.

Quando o relógio bateu cinco da manhã, ouvi passos no corredor. Era Rafael. Ele não parecia ter dormido também. Usava a mesma roupa impecável, como se nem mesmo o peso de um segredo desses conseguisse desalinhar sua gravata.

— Está pronta? — a voz dele foi baixa, mas firme.

— Pronta? Eu mal entendi o que está acontecendo.

Ele se aproximou, tirando algo do bolso interno do paletó. Um envelope, selado com cera vermelha e o mesmo brasão dourado.

É uma convocação oficial — explicou. — O governo federal reconheceu sua legitimidade. Há uma reunião hoje à tarde, no Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro. Você precisa estar lá.

Ele fez uma pausa. Os olhos castanhos encontraram os meus. — Você não tem escolha, Isabela.

O peso daquelas palavras me fez estremecer.

Engoli seco. Não tinha mais como fugir.

O jato particular que me levaria até o Rio estava pronto às sete da manhã. Rafael conduziu tudo com a precisão de quem já fizera isso muitas vezes antes — mesmo que eu fosse a primeira princesa brasileira em mais de um século.

No avião, ele me entregou um tablet.

— Seu rosto já está em todas as capas de jornais — disse, deslizando a tela.

Lá estavam as manchetes:

"A Princesa Perdida é Encontrada"

"Isabela de Bragança: A Herdeira que Pode Mudar o Brasil"

#ÚltimaPrincesa

Meu nome estava viralizando. Meu rosto, uma foto tirada sem eu perceber na noite anterior, já circulava em todo lugar.

— Isso é insano… — sussurrei, sentindo o estômago revirar.

Rafael não sorriu. Ele raramente sorria.

— O mundo sempre teve sede de símbolos, Isabela. Agora você é o maior deles. Prepare-se. Todos vão querer algo de você.

Eu me recostei no banco, tentando controlar a ansiedade. A janela mostrava nuvens e o céu azul infinito… e eu só conseguia pensar no que me esperava.

Chegamos ao Rio de Janeiro no início da tarde. A cidade pulsava sob o sol forte, vibrante e viva como sempre ouvi falar, mas nunca conheci. Eu olhava tudo de dentro da limusine escura, maravilhada e assustada ao mesmo tempo.

Quando os portões do Palácio Guanabara se abriram, meu coração deu um salto.

O lugar era imenso, imponente. Mármore branco, colunas altas e bandeiras tremulando. Rafael saiu primeiro e me estendeu a mão.

— Lembre-se, cabeça erguida. Você nasceu para isso.

Será? — pensei.

A primeira coisa que senti ao descer foi o peso dos olhares. Jornalistas. Políticos. Homens de terno e mulheres de vestidos elegantes. Todos me encaravam com curiosidade, admiração… e julgamento.

Mas foi um olhar, em especial, que me paralisou.

No alto das escadarias, encostado casualmente num dos pilares, um rapaz me observava.

Alto, moreno, cabelos castanho-escuros bem penteados, terno azul marinho impecável. O sorriso dele era leve, mas os olhos… os olhos eram de quem entendia o jogo.

Olhos perigosos e fascinantes.

Ele.

Eu não sabia seu nome ainda, mas meu coração soube.

O tipo de homem que poderia destruir uma garota como eu — ou protegê-la de tudo.

Rafael notou meu olhar e murmurou perto do meu ouvido:

Henrique Montenegro. Neto do senador Montenegro. Herdeiro de uma das famílias mais poderosas — e inimigas — da sua linhagem.

A voz dele ficou tensa. — Não confie nele.

Eu engoli seco, mas não consegui desviar o olhar.

Henrique sorriu de canto… e piscou.

Naquele instante, sem que eu entendesse o motivo, soube que ele seria a parte mais perigosa — e irresistível — de toda essa história.

A realeza não é um conto de fadas.

É um tabuleiro.

E eu acabava de dar meu primeiro passo.