Capítulo 3 — O Jogo Começa
Eu sempre imaginei que, se um dia eu fosse colocada num salão de palácio, o som seria de valsa, os vestidos seriam de época e eu seria uma princesa de conto de fadas.
Mas a vida real?
Era o clique incessante de câmeras, vozes sussurrando acordos e celulares vibrando com notificações. Era um baile moderno — de poder.
O salão principal do Palácio Guanabara brilhava com lustres dourados e mármore polido. Eu me sentia pequena e deslocada, mesmo vestindo um vestido de alfaiataria impecável, nas cores que Rafael insistiu que eu usasse — verde esmeralda com detalhes dourados. As cores do Brasil. As minhas cores agora.
Rafael caminhava ao meu lado, guiando com a experiência de alguém que já atravessou mil campos de batalha políticos.
Mas mesmo ele não conseguiu impedir o frio que subiu pela minha espinha quando Henrique Montenegro começou a descer as escadas em minha direção.
Cada passo dele era medido, elegante, como se o palácio fosse sua casa. O terno azul-marinho valorizava os ombros largos. A gravata fina, o relógio caríssimo e o sorriso… ah, o sorriso.
O tipo que prometia segredos e perigo na mesma medida.
Quando nossos olhares se cruzaram, o mundo ao redor desapareceu por um segundo.
Ele estendeu a mão com calma.
— Princesa Isabela, é uma honra finalmente conhecê-la — a voz dele era grave, aveludada, com aquele sotaque carioca leve que fazia as palavras deslizarem.
Eu deveria ter recuado. Rafael praticamente queimava de tensão ao meu lado.
Mas eu não consegui.
Segurei a mão dele.
O toque foi quente, firme… e um arrepio subiu pelo meu braço.
— O prazer é meu, senhor Montenegro — respondi, mantendo o tom calmo, embora meu coração estivesse batendo rápido demais.
Os olhos castanhos dele brilharam, como se ele gostasse do jogo.
— Por favor — ele fez um gesto para que eu o acompanhasse —, estão esperando você na sala principal.
Eu hesitei. Rafael pigarreou, prestes a intervir, mas Henrique já estava ao meu lado, conduzindo-me com naturalidade. Como se o lugar fosse dele. Como se eu fosse dele.
Caminhamos lado a lado por um corredor de janelas altas. Lá fora, o Rio de Janeiro se estendia vibrante, os morros verdes e o mar cintilando ao fundo. Mas eu só conseguia focar na presença dele.
— Não precisa confiar em mim agora, princesa — ele disse baixinho, sem olhar diretamente —, mas um conselho? Aqui dentro… confiança é mais rara que ouro. Você vai precisar de aliados. Verdadeiros.
Eu franzi o cenho.
— Você está dizendo que devo confiar em você?
Ele sorriu de canto, sem responder.
Quando entramos na sala de reuniões, o clima mudou.
O ar era denso de tensão. Uma mesa imensa de madeira escura dominava o centro, cercada de homens e mulheres poderosos. Alguns políticos que eu reconhecia da TV, outros que nunca vi, mas que tinham o olhar de quem movia o país sem precisar aparecer.
No centro, sentado à cabeceira, estava o Ministro da Justiça, Augusto Lemos. Um homem de meia-idade, cabelos grisalhos, olhar cortante. Ele levantou quando me viu.
— Princesa Isabela, finalmente entre nós — disse, sem sorrir. — Sente-se, por favor.
Eu deslizei para a cadeira reservada a mim, com Henrique posicionando-se atrás, como se já fosse meu conselheiro não-oficial.
O Ministro ajeitou os papéis à sua frente.
— Vou ser direto. As terras que pertenciam à Coroa — antigas fazendas e propriedades históricas — estão prestes a ser vendidas a investidores estrangeiros. O decreto que protege essas terras só pode ser renovado por alguém da linhagem real.
Ele me encarou.
— Você.
Pela lei e pela Constituição, você é a única que pode assinar o bloqueio da venda e assumir a administração desse patrimônio.
Minhas mãos gelaram. Eu não sabia nada de terras, política ou leis. Eu era uma garota comum até ontem.
Rafael pigarreou e sussurrou perto de mim:
— Isso vale bilhões. E poder político. Se você assinar, assume uma responsabilidade imensa.
Olhei ao redor. Alguns rostos esperavam ansiosos minha decisão. Outros, frios, quase desafiadores.
Henrique apenas me observava, expressão neutra.
Eu respirei fundo.
Era isso. Meu primeiro ato como princesa.
Eu me virei para o Ministro.
— Eu… Eu preciso de um tempo para analisar os documentos — minha voz soou firme, mesmo que por dentro eu estivesse tremendo. — Não vou assinar nada que não entenda completamente.
Um leve burburinho percorreu a sala. Alguns pareciam surpresos. Outros irritados.
Henrique, atrás de mim, sorriu satisfeito. A primeira jogada era minha.
Ele se inclinou e murmurou baixinho, quase como se fosse um segredo só nosso:
— Muito bem, princesa… você acaba de mostrar que não é uma marionete.
Meu coração disparou.
Talvez eu realmente pudesse jogar esse jogo.
Mas a pergunta era… a que preço?