“Silêncio na Chuva”
[PERSPECTIVA DE ELIAN]
A chuva bate forte no vidro da janela, mas não importa. O som da água se misturando ao vento é abafado, distante, como se fosse outro mundo. Eu olho para a cidade lá embaixo, sem realmente vê-la, como se a cena fosse um cenário em que eu estivesse preso, incapaz de sair. Nunca saí.
Ela me deixou aqui, no silêncio da chuva.
O edifício onde estou é uma velha estrutura, sem vida, sem alma. Eu costumo vir para esse lugar, uma espécie de refúgio, quando preciso pensar. E agora, é onde me encontro — novamente.
O som de sua voz invade a minha mente, como um eco suave, mas que arranha a alma. “Eu consegui. Estou livre agora.”
Eu fecho os olhos por um momento. Não quero ouvir isso de novo. Não agora. Não quando a dor ainda é fresca. Mas as palavras não me deixam, como se estivessem gravadas dentro de mim, naquelas memórias que tento enterrar. Não sei o que aconteceu com ela. Não sei por que ela se foi. Não sei se quero saber.
Mas ainda assim, eu lembro. Eu consegui. Estou livre agora. Não sei se queria que ela estivesse livre, mas o que me resta? Não posso fazer nada. Não posso fazer mais nada.
Me viro e dou alguns passos pela cobertura, ainda escutando a chuva bater incessante nas janelas. Está tudo tão quieto, mas é um silêncio que grita. A cidade nunca está quieta, mas agora… está. Algo está errado. Eu sei. Eu sinto.
⸻
[FLASHBACK]
O calor daquele dia ainda me queima a pele. Eu não sabia o que estava acontecendo até ser tarde demais. Ela estava lá, na minha frente, no centro da rua. Olhei para ela, e ela… olhou para mim. O sorriso no rosto dela, tão tranquilo, tão sereno, não parecia real.
Foi então que aconteceu.
Uma explosão de luz, uma onda de ruído sem som, um golpe que me cegou antes que eu pudesse entender. Eu a vi se afastando de mim, mas ela não estava indo para lugar nenhum. Ela estava indo para dentro da luz. E a luz a engoliu. Não houve gritos, não houve palavras. Apenas a explosão silenciosa que despedaçou o tempo.
E depois… não havia mais nada. Ela sumiu. E eu fiquei ali, parado, com os ecos daquilo reverberando dentro de mim.
⸻
[PRESENTE – NA COBERTURA]
Eu respiro profundamente e volto à realidade. A cidade está diferente, mas não sei dizer por quê. Olho pela janela, e o mundo à minha frente se distorce um pouco, como se a própria existência estivesse se fragmentando. Não é uma sensação nova. Fenômenos estranhos começaram a se tornar cada vez mais comuns. Pessoas falam sozinhas nas ruas, e alguns têm apagões, como se a mente delas estivesse se desconectando da realidade.
Eu não sou o único que percebe isso. As ruas estão mais silenciosas do que deveriam. Mais vazias. Como se todo mundo estivesse se afastando de alguma coisa, mas ninguém sabe o que é. E é difícil respirar em uma cidade que, de repente, parece um peso no peito.
A chuva não para. E, mais uma vez, vejo os reflexos na janela. As pessoas lá embaixo, suas sombras se movendo lentamente, se perdendo na multidão. Algumas delas… ficam estáticas. Apenas olhando para o nada. Alguns murmuram palavras que não consigo entender.
Eu me afasto da janela, o cheiro de metal da chuva me incomodando. Meus passos ecoam pela cobertura vazia. Minha mente começa a correr, como um relógio descontrolado. O que aconteceu com minha irmã? Onde ela foi? O que era aquela luz? O que realmente aconteceu?
E é então que a porta da entrada da cobertura estala, um som de algo se movendo. Eu olho para o corredor. Uma fenda aparece, onde não deveria estar. A porta que se abre não é como qualquer outra. Ela brilha com uma luz fria, cinza, que parece sugar toda a energia da casa. Como se o ar ao redor estivesse sendo dilacerado.
É uma abertura para um outro lugar, outro tempo. Eu sei disso, por algum motivo que não consigo explicar. Algo me chama para dentro dela.
Eu vou até a porta, cauteloso. Quando a atravesso, sinto uma pressão no peito, como se eu estivesse sendo puxado para fora de mim mesmo. Um homem aparece na minha visão periférica, saindo da estação de trem que fica na esquina. Ele olha para a fenda, hesita por um segundo… e então, entra.
E nunca mais volta.
O ar se torna ainda mais pesado, e eu percebo. Eu vi isso antes. Em sua memória. Na memória de minha irmã. Ela entrou nesse lugar também.
Eu não sei se devo seguir. Eu não sei se posso. Mas o que é que eu sou, se não uma memória perdida, esperando para ser entendida?
⸻
O som da chuva continua, mas algo no ar, algo que antes estava subentendido, se torna claro: a cidade está mudando. E eu estou no centro disso tudo, tentando entender, tentando sobreviver a um mundo que não reconheço mais.