[PERSPECTIVA DE ELIAN]
A luz do amanhecer entra pela janela da cobertura, mas eu não me movo. O peso da noite ainda está em mim, como se a escuridão se estendesse para além das horas. O incidente da fenda — o homem que entrou e desapareceu — ainda ecoa em minha mente, distorcendo minha percepção da realidade. Eu não sei se eu vi aquilo, ou se foi apenas uma alucinação. Talvez seja a cidade. Ou talvez seja eu. Eu… eu não sei mais.
Lina aparece na porta do meu apartamento, os cabelos ainda molhados da chuva da noite anterior. Ela não diz nada, mas me olha de um jeito que é impossível de ignorar — como se soubesse o que está acontecendo, como se já tivesse visto isso antes. Ela sempre foi assim, como uma observadora silenciosa. Quando minha irmã desapareceu, Lina foi a única que não tentou me consolar. Ela apenas ficou ao meu lado, sem perguntar, sem falar.
Ela sabia que eu precisava de espaço, e agora ela sabe que não vou conseguir seguir em frente até entender o que aconteceu com minha irmã.
Lina:
“Você viu, não é?”
Eu olho para ela, os olhos pesados, sem saber o que responder. O que eu vi? O homem entrando na fenda? Ou o que aconteceu com minha irmã?
Eu:
“Vi o que?”
Lina:
“Aquele homem. Ele entrou na fenda.”
Ela não parece surpresa. Ela parece cansada, como se estivesse esperando por isso. Como se soubesse que algo assim ia acontecer. E isso só me deixa mais inquieto.
Eu:
“Eu… não sei o que vi.”
Lina:
“Você viu o que eu vi, Elian. Só não quer admitir.”
Ela se aproxima e coloca a mão no meu ombro. Não diz mais nada. Não precisa. O silêncio entre nós é pesado, como um fardo que nenhum de nós sabe carregar.
⸻
[FLASHBACK]
Eu lembro quando minha irmã me falou sobre as fendas pela primeira vez. Eu estava tão jovem, mas ela parecia saber mais do que eu. A luz no seu rosto era diferente, e suas palavras sempre soavam como um aviso velado, mas também uma promessa. Ela me disse que as fendas eram portas para algo maior, algo que ninguém deveria entender completamente, mas ela parecia estar se distanciando da própria compreensão. Não era só a curiosidade dela que a guiava — era a necessidade.
Eu a vi entrar na última fenda. Eu a vi se perder em algo além de mim. E, naquele momento, eu sabia que nunca mais a veria como antes. Eu a perdi, mas… será que ela se perdeu? Ou será que eu fui o único que ainda não entendeu o que aconteceu?
⸻
[PRESENTE – NA CIDADE]
Hoje, as ruas estão mais vazias do que o normal. As pessoas ainda estão perdidas em seus próprios pensamentos, como se estivessem fora de si. Alguns falam para si mesmos, outros simplesmente olham para o nada. As fendas continuam aparecendo de vez em quando, em lugares inesperados, mas ninguém parece entender o que está acontecendo. Como se o tempo estivesse diluindo a realidade e ninguém fosse capaz de acompanhar.
Eu sei que o homem que entrou na fenda — e nunca voltou — não foi o único. Há mais pessoas, mais desaparecimentos, mais coisas que ninguém fala em voz alta. A cidade está cheia de fragmentos de algo maior, algo que está se desintegrando. E, de alguma forma, eu sei que minha irmã fez parte disso. Eu não posso deixar isso passar.
Eu tenho que entender o que aconteceu. Mesmo que eu não saiba se vou conseguir sobreviver a isso.
⸻
[NA ESTAÇÃO DE TREM]
A estação de trem está mais vazia do que o habitual. O som dos trilhos parece distante, como se o mundo estivesse se afastando de mim, de nós. Eu olho ao redor, mas tudo parece… errado. Não há nada de normal aqui. Eu me aproximo da plataforma, onde algumas pessoas estão paradas, olhando fixamente para o vazio. Eu não posso evitar — me pergunto se elas estão vendo o mesmo que eu. Se elas sentem a mesma pressão no ar.
E é quando eu a vejo.
Uma figura está parada ao lado de uma das fendas, uma fenda pequena, mas que pulsa com uma luz intensa. Ela não parece surpresa. Ela não parece assustada. Ela parece como se já estivesse acostumada com isso.
A figura se vira para mim. Ele é alto, com uma capa escura que cobre a maior parte de seu corpo. Quando ele fala, sua voz é baixa, quase imperceptível, mas eu entendo.
Homem (com um sorriso enigmático):
“Você está perdendo tempo, Elian.”
A menção do meu nome me pega de surpresa. Ele sabe quem eu sou? Como? Ele parece tão familiar, mas ao mesmo tempo completamente desconhecido. Antes que eu possa dizer algo, ele se vira e começa a caminhar para a fenda. Sem hesitação, ele entra, desaparecendo na luz.
Eu fico ali, paralisado. Mais uma pessoa desaparecida. Mais um pedaço da realidade que se rompeu e ninguém parece perceber. Mas agora… agora eu sei que isso não vai acabar até que eu encontre respostas. E a única maneira de encontrar essas respostas é seguir o mesmo caminho que minha irmã tomou.