[PERSPECTIVA DE ELIAN]
O dia amanhece cinza. A luz da manhã não consegue atravessar as nuvens pesadas, e a cidade parece estar em suspensão, como se o tempo tivesse parado para assistir o que vai acontecer a seguir. A chuva parou, mas o peso no ar ainda permanece, e a sensação de que algo está errado, muito errado, cresce a cada minuto.
Eu caminho pelas ruas, agora mais vazias do que antes. O silêncio é perturbador, como se as vozes das pessoas estivessem sendo engolidas, uma por uma. Eu vejo, no entanto, alguns rostos familiares, mas… são como fantasmas. Eles não me veem. Eles não me reconhecem. Estão perdidos. Dissociados. Como se a realidade estivesse desmoronando ao redor deles, mas eles não tivessem forças para reagir.
Eu vejo Lina mais uma vez, de longe. Ela está parada na esquina, olhando fixamente para o céu, como se estivesse esperando algo. Ou alguém. Eu me aproximo, mas antes que eu consiga falar, ela se vira, como se soubesse que eu estava ali.
Lina:
“Você está mais distante do que antes. Está perdendo mais pedaços de você.”
Eu fico em silêncio por um momento. Lina sempre foi direta, sem rodeios, mas suas palavras… sempre têm um peso que eu não sei como carregar.
Eu:
“Eu estou tentando entender o que está acontecendo. Eu não… sei mais o que é real.”
Ela me olha com uma expressão que mistura preocupação e algo mais. Compreensão.
Lina:
“Você não pode fazer isso sozinho, Elian. O que aconteceu com sua irmã, o que aconteceu com você… tudo isso tem um propósito. Mas você precisa deixar que alguém te ajude a entender.”
Eu não posso dizer o que estou pensando. Eu não posso contar a Lina que tenho a sensação de que minha irmã não se foi. Que, de alguma forma, ela ainda está por aqui, dentro dessas fendas. Mas… eu não posso me deixar levar por essa esperança. Se eu me perder nisso, eu vou desaparecer também.
Eu:
“Eu preciso ir atrás disso, Lina. Eu não posso parar.”
Ela não diz nada, mas eu posso ver nos seus olhos que ela sabe o que estou prestes a fazer. Sabe que, se eu continuar nesse caminho, não há volta. Mas ela me deixa ir, silenciosa, como sempre.
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[FLASHBACK]
A memória de minha irmã é algo que constantemente me assombra. Eu lembro da primeira vez que ela falou sobre as fendas. Ela estava tão calma, como se tivesse visto o futuro e soubesse o que estava prestes a acontecer. Eu tentei entender, mas ela nunca me explicou tudo. Ela apenas me disse:
Minha irmã:
“As fendas são portas para tudo, Elian. Não são como portais normais. Elas são algo… diferente. Elas podem te levar ao seu pior medo, ou ao maior de seus desejos. Você pode se perder, ou se encontrar. Só depende de como você as vê.”
Eu sempre pensei que ela estivesse apenas brincando, como quando éramos crianças e inventávamos histórias para fugir da realidade. Mas agora eu sei que ela sabia o que estava falando. Ela sabia que as fendas eram mais do que simples portais. Elas são fendas na própria alma. E de alguma forma, ela atravessou uma delas, deixando algo de si para trás.
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[PRESENTE – NA CIDADE]
Enquanto caminho pela cidade, algo começa a mudar. As fendas, que antes eram pequenas fissuras nas paredes ou brechas no ar, agora estão mais evidentes, mais fortes. Eu vejo uma delas à frente, iluminando a rua como uma chama fria. A cidade ao redor dela está distorcida, como se o espaço estivesse sendo puxado para dentro dessa fenda. As sombras das pessoas que passam por mim se alongam, se distorcem, e eu vejo um homem parado ao lado da fenda, olhando para dentro dela, como se tivesse sido atraído por alguma força invisível.
Eu me aproximo, mas algo na atmosfera me deixa desconfortável. O homem não está mais sozinho. Ele começa a murmurar palavras, palavras que eu não entendo, e então ele entra na fenda. Ele desaparece tão rapidamente quanto apareceu, como se o ar ao redor de sua figura tivesse se desfeito. E o que me assusta mais é o eco de sua voz, que fica no ar, como um fantasma que ainda ecoa na minha mente.
Homem (ecoando):
“Eu… encontrei… a… verdade…”
Eu não sei o que isso significa, mas sinto que, em algum lugar, ele não está falando apenas para ele. Ele está falando para todos nós. Ele encontrou algo. Algo que eu ainda não entendo, mas que de alguma forma… já me chama. Chama todos nós.
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[O ENCONTRO NA FENDA]
Eu me aproximo da fenda com cautela. Há algo mais ali, algo que me observa, algo que quer que eu entre. Eu sei disso. O ar se torna espesso, como se o tempo estivesse se arrastando, e, por um momento, a cidade inteira parece ter parado. Eu coloco a mão na borda da fenda. Ela pulsa sob minha pele, fria e intensa, como se estivesse viva, esperando por mim.
Eu hesito. Será que devo entrar? Eu já vi o que acontece com aqueles que desaparecem, mas, ao mesmo tempo, a sensação de que algo dentro de mim está sendo chamado me domina. Eu não sei o que vou encontrar, mas sei que, de alguma forma, a verdade sobre minha irmã, sobre as fendas, está ali dentro.
Eu fecho os olhos e dou o primeiro passo.