Capítulo 1 - A mulher e o Tolo

Capítulo 1 – A Mulher e o Tolo

Narrado por Abigail

Os montes do Carmelo estavam dourados sob a luz do entardecer. O vento soprava com suavidade sobre os campos ondulantes, e o balido das ovelhas se misturava ao farfalhar das oliveiras. Era uma terra de abundância. A beleza do Carmelo era quase como um suspiro de Deus sobre a terra — fértil, tranquila, serena.

Eu nasci e cresci nesse lugar. Mesmo depois de adulta, ainda me perdia nos tons verdes que desciam pelas encostas e no céu que se tingia de púrpura todas as tardes. Era ali que minha alma buscava refúgio, quando o mundo dentro da minha casa se tornava mais seco que o deserto de Judá.

Fui dada como esposa a Nabal, um homem rico e poderoso entre os moradores do Carmelo. Seu nome era conhecido por todos — por sua riqueza... e por sua grosseria. Os servos o temiam. Os pastores o evitavam. E mesmo os estrangeiros diziam: "Cuidado com a casa de Nabal."

Seu nome significava “insensato”, e por muito tempo tentei ignorar o peso disso. “Talvez mude”, eu pensava. “Talvez com tempo... com paciência...” Mas o tempo não amolece corações de pedra.

Ele era um homem de voz alta e coração pequeno. Tratava os servos com desprezo, não tolerava conselhos e considerava-se sábio aos próprios olhos. Seu orgulho era tão vasto quanto suas terras.

Eu, Abigail, significo "alegria do pai". Meu pai costumava dizer que meu nome trazia esperança, e que eu seria luz na escuridão. Mas nem sempre a luz encontra espaço para brilhar.

Casar-me com Nabal não foi escolha minha. Poucas mulheres têm escolhas. Mas mesmo assim, decidi não amargar. Carregava em mim o temor ao Deus de Israel, e sabia que minha dignidade vinha Dele. E por isso, em meio às muralhas frias da casa de Nabal, eu aprendi a ser firme, silenciosa, sábia.

Cuidava dos servos. Organizava os banquetes. Honrava meu marido em público, mesmo que em silêncio, por dentro, eu sangrasse.

Alguns diziam que eu era bela. Mas aprendi cedo que a beleza atrai, mas não protege. O que me sustentava era a prudência. E era ela que, sem que Nabal soubesse, mantinha sua casa em ordem.

Naquela época, nossos pastores saíam com os rebanhos por semanas. Era comum que encontrassem ladrões ou animais selvagens. Mas naquele ano, ouvimos algo diferente: um grupo de homens no deserto estava protegendo nossos servos. Cuidavam do rebanho como se fosse deles. Um nome começou a ecoar entre os boatos: Davi.

E ali, entre o sussurro dos servos e as brisas do Carmelo, começou a se desenhar a linha tênue entre a vida e a morte, entre a sabedoria e a ruína.

Mas eu ainda não sabia disso.

Apenas seguia… cuidando da casa de um tolo, em uma terra cheia de beleza, tentando não permitir que a dureza dele apagasse a paz que eu via em cada amanhecer.