O seu desespero

[O Sonho]

A noite estava silenciosa. Em um pequeno quarto de madeira, Leo, agora com seis anos, revirava-se sob o cobertor fino. Seu rosto franzido, banhado por gotas de suor, denunciava o pesadelo.

Fragmentos de memórias voltavam com força. A chuva. O sangue. A voz do soldado. O rosto frio do homem que sorriu após matar seus pais. E o olhar desesperado de Galan tentando salvá-lo.

Leo se sentou na cama, ofegante. Seus olhos varreram o quarto como se esperassem encontrar alguém ali. Mas não havia nada, apenas sombras.

Ele respirou fundo. Aqueles pesadelos vinham toda semana. E toda semana ele acordava com aquele peso no peito.

[O Café da Manhã e a História dos Heróis]

Ainda era cedo quando ele saiu do quarto. A casa cheirava a lenha e mingau quente. Na sala, os filhos de Galan brincavam animadamente, cada um com seu jeito distinto, enquanto esperavam o pai começar a história.

Milo, o mais novo, tinha apenas quatro anos. Com seus cabelos castanhos bagunçados e olhos curiosos, ele pulava na cadeira, tentando chamar atenção.

Lucas, com oito anos, era o mais falante e agitado do grupo, sempre inventando brincadeiras e rindo alto.

Erwin e Daren, gêmeos de sete anos, tinham personalidades opostas. Erwin era extrovertido e brincalhão, fazendo caretas para tentar animar Leo, enquanto Daren era mais reservado e observador, ficando em silêncio enquanto ouvia atento.

Sarah, com cinco anos, era um ano mais nova que Leo. Tímida e doce, ela tinha cabelos loiros trançados e um sorriso que escondia a inocência da infância, observando Leo com curiosidade.

Galan, sentado em sua cadeira de madeira, sorriu levemente para os filhos e assentiu.

— Há muito tempo, o mundo estava mergulhado em trevas. O país Asha foi devastado pelo reino inimigo, Draverns, que destruiu nossas cidades e matou muitos de nossos irmãos. Mas quatro heróis, de diferentes origens e forças, se levantaram para combater a destruição que o império de Draverns trouxe.

As crianças ouviam com atenção, olhos arregalados.

— E então… após repelirem os inimigos, os quatro heróis lendários fundaram os Quatro Clãs Sagrados. Cada clã herdou uma Marca Mágica única que se manifesta nos descendentes e concede poder. Eles eram os heróis que salvaram Asha da destruição, e com a vitória, cada um fundou um clã com a missão de proteger a paz. As Marcas mágicas – Escarlate, Safira, Âmbar e Ébano – foram legadas a seus descendentes.

Leo sentiu um peso no coração ao ouvir essas palavras.

— Mas o que aconteceu depois? — perguntou uma das crianças, curiosa.

Galan olhou para as crianças, hesitando. O olhar dele se perdeu no fogo da lareira, como se estivesse ponderando as palavras que seguiram. Ele estava receoso de continuar. O silêncio se alongou.

Foi então que a voz de Leo, séria e clara, preencheu o espaço:

— Depois, o Clã Escarlate, o mais poderoso entre eles, guiado pela sede de poder, traiu os outros. Em uma noite sangrenta, os clãs rivais foram caçados e exterminados. Os poucos sobreviventes dos clãs rivais se refugiaram nas sombras, caçados como criminosos. Qualquer um com a marca morrerá, essa é a lei do Grande Clã.

Os meninos disseram que esse final era chato e saíram para brincar lá fora, enquanto Leo ficava parado, com um olhar vazio e cheio de dor.

Galan olhou para Leo, com um olhar pesaroso.

— Isso… é algo que vocês vão entender melhor quando forem mais velhos.

Leo abaixou a cabeça. As lembranças vinham à tona com aquela história.

[A Conversa com Galan]

Depois que todos saíram, Galan e Leo ficaram sozinhos à mesa. A lareira estalava baixinho.

— Leo… você é uma criança forte. Mais forte do que pensa. — Galan disse, a voz carregada de tristeza.

Leo não respondeu. Apenas encarava a madeira queimada.

— Mas essa tristeza… esse rancor… se você não largar isso, vai te destruir. Você merece viver… ser feliz, brincar, crescer… como meus filhos.

Leo levantou os olhos, mas sua expressão era fria.

— Eles não viram o que vi. Não perderam como eu perdi.

Galan se levantou e se ajoelhou à frente de Leo.

— Eu só quero que você tenha escolha. Que o ódio não dite quem você será.

Leo se levantou, os olhos cheios d’água, mas com uma determinação silenciosa, e saiu correndo da casa.

[A Decisão]

Do lado de fora, Leo viu os filhos de Galan brincando com galhos de madeira, duelando como cavaleiros.

— Peguei você! — gritou Lucas, rindo alto.

Leo os observou por alguns segundos. Cada passo, cada golpe. Era tolo, mas… era ali que tudo começava.

De repente, uma figura passou correndo ao lado dele. Era Sarah, a filha de Galan. Ela sorriu timidamente ao ver Leo.

— Leo, o que está fazendo aqui sozinho? — perguntou ela, curiosa e inocente, mas sem saber da profundidade do que ele estava passando.

Leo a observou rapidamente, sem responder, e logo se afastou. Sarah ficou ali por um tempo, olhando-o de longe, mas logo voltou a brincar com os outros.

Ele caminhou até o fundo da casa, pegou um galho pesado e segurou como se fosse uma espada. Fechou os olhos e lembrou do rosto do soldado. Da dor. Da voz de sua mãe.

Abriu os olhos.

Com os pés firmes na terra úmida, ele deu o primeiro golpe no ar. Depois outro. E outro.

Sem técnica. Só raiva. Mas com cada golpe, o choro virou fôlego, e a dor virou movimento.

Ele sabia o que precisava fazer.

— Eu vou me fortalecer. Forte o bastante para nunca mais ver alguém morrer na minha frente… — murmurou.

A chuva voltou a cair.

Mas Leo não parou.