O som de golpes secos e passos firmes preenchia o pequeno campo de treino da vila.
Leo observava de longe, de braços cruzados, o suor escorrendo pela testa enquanto Aaron e Milo trocavam estocadas com lanças improvisadas. Erwin girava em volta deles, buscando brechas, e Sarah, mais afastada, treinava sozinha com uma espada curta, seus movimentos precisos demais para a idade.
O olhar de Leo era sério. Calculava cada gesto, cada reação, como se estivesse observando não crianças, mas soldados em formação. Eles estavam crescendo… rápido demais.
— Você está quieto demais, Leo. Tá me assustando. — disse Galan, se aproximando.
Leo não respondeu de imediato. Ainda focava em Sarah, que acabara de finalizar um giro veloz com a lâmina.
— A gente matou um Escarlate, Galan. — disse, por fim.
O silêncio caiu pesado entre eles.
— Vão nos considerar traidores.
Galan respirou fundo. Seus olhos acompanharam os passos firmes de Aaron no treino.
— Nenhum dos meus filhos pensou nisso… mas você sim.
Leo apenas o encarou, a seriedade firme nos olhos.
— Eles estavam em Kalden devido aos Draverns — explicou Galan. — Não podiam sair de lá. Krail quebrou as ordens. Saiu quando não podia. Isso torna ele um traidor. E o Império não protege traidores.
Ele fez uma pausa.
— É por isso que ninguém foi nos salvar. Não podiam. As regras são frias… mas são claras.
Leo ainda olhava os irmãos. O peso no peito parecia menor, mas ainda presente.
— Krail… ele era forte — continuou Galan. — Muito forte. Acima do nível dois, com certeza. Não era pra ser derrotado por qualquer um.
Virou-se para Leo, desconfiado.
— Espera aí… naquele nosso treino, você não tava lutando sério, né, seu pilantra?
Leo finalmente esboçou um sorriso e deu uma risada abafada.
— É, velhote… acho que já tô te alcançando.
Sem esperar resposta, Leo se afastou calmamente, caminhando em direção aos irmãos que ainda treinavam. Sarah notou sua presença e parou, limpando o suor da testa com o antebraço. Aaron virou a cabeça, sorrindo ao ver o irmão mais velho se aproximar.
Ficaram ali, juntos, rindo, trocando provocações leves. Leo os corrigia nos movimentos, mostrava técnicas, guiava como um mentor.
Galan ficou para trás, sentado em uma pedra, os olhos fixos no grupo.
— Na idade dele… — murmurou para si mesmo — eu mal sabia erguer uma espada sem derrubar tudo ao redor.
Cruzou os braços, deixando escapar uma risada curta.
— E os outros dois… Aaron e Sarah… já conseguem durar alguns segundos. Mais do que muitos soldados da linha de frente.
Sacudiu a cabeça, derrotado pela realidade.
— Tô mesmo ficando velho… — sussurrou, olhando para as mãos, antes tão firmes. — E esses moleques… estão crescendo rápido demais.
Olhou o céu, deixando os pensamentos se perderem entre as nuvens.
Ali, sozinho, Galan sentiu pela primeira vez o peso do tempo — e a certeza de que o futuro que se aproximava… viria mais cedo do que esperava.
O som ritmado de passos, giros de lâminas e respiração ofegante preenchia o pátio de terra batida. Leo observava em silêncio, encostado numa árvore, com os olhos apertados e o cenho levemente franzido.
Aaron atacava com sua lança improvisada, enquanto Sarah desviava com leveza e revidava com a espada curta. Os movimentos ainda tinham falhas, mas algo ali... chamava a atenção de Leo.
Ele deu um passo à frente e assobiou levemente.
Os dois pararam e o encararam, suados e curiosos.
— Vocês perceberam? — perguntou Leo, com um tom baixo. — No combate com o Krail... vocês dois viram coisas antes de acontecerem.
Aaron piscou.
— Hein?
Leo se aproximou mais, cruzando os braços.
— Sarah... você atacou ele no ponto exato. Onde doía. Mesmo que não tenha derrubado, você travou ele por um segundo. Foi o tempo que precisamos.
Sarah desviou o olhar, pensativa.
— Eu só... senti que era ali — murmurou.
Leo assentiu, virando-se para Aaron.
— E você. Aquela flecha que ela disparou… você se abaixou antes de ouvir. Nem olhou. Só abaixou.
Aaron franziu a testa, surpreso. — É… foi automático.
Leo olhou para os dois. Falou devagar, escolhendo as palavras.
— Isso é... Visão. Aquilo que o Kael me ensinou. Lembra? Quando a gente treinava, eu tentava explicar. Que era como sentir o mundo em silêncio, enxergar antes de acontecer.
Sarah abriu a boca, mas não disse nada. Estava absorvendo.
— Não é algo que você "aprende", como um golpe — continuou Leo. — É algo que... acende. E nos treinos, até os gêmeos começaram a demonstrar sinais. Mas vocês dois... estão quase tocando isso de verdade. Talvez porque lutaram comigo. Ou porque... bom, porque são vocês.
Houve um silêncio breve. Aaron coçou a cabeça, desconfortável.
— Então... você tá dizendo que somos especiais?
Leo deu um leve sorriso.
— Tô dizendo que algo despertou. E que a gente tem que cuidar disso. Treinar. Entender. Porque... se até um cara como o Krail foi vencido com isso, imagina o que vem depois.
Sarah firmou os pés no chão, olhos brilhando.
— Então vamos continuar. Não dá pra parar agora.
Leo olhou para os dois, e por um instante, sentiu o que Kael talvez tivesse sentido ao olhar pra ele.
Um fio estava sendo passado adiante.
Talvez ele fosse novo demais. Talvez ainda nem entendesse o tamanho disso.Mas naquele instante, viu algo claro:
Eles estavam crescendo juntos.