Um Treino, Dois Espiões e Três Problemas

A manhã seguia ensolarada em Levia, com uma brisa morna passando pelas praças e vielas. Após a breve conversa com Kaia, Katiel e Eli seguiram em silêncio até uma das áreas abertas da cidade: o Campo de Treino Sul, uma zona pública usada por aventureiros e guerreiros entre os combates.

— Vinte minutos. Sem truques — disse Eli, já puxando as adagas prateadas.

— Pode deixar. Só treino limpo — respondeu Katiel, girando os ombros.

Eles começaram com movimentos básicos, testando tempo de reação e ângulos de ataque. Katiel usava sua habilidade Refinamento Físico Natural para manter o corpo ágil e concentrado, e suas respostas aos golpes da Eli estavam mais rápidas do que nunca. Seu domínio sobre os próprios movimentos crescia a cada dia, mesmo sem mana.

Por sua vez, Eli parecia uma sombra viva, desaparecendo e surgindo com investidas rápidas e precisas. Katiel mal conseguia acompanhar, mas estava longe de ser superado. A troca se estendeu com trocas de golpes rápidas, quase coreografadas, mas reais demais para parecer ensaio.

— Você está melhor — disse Eli após um contra-ataque bem-sucedido.

— Tenho bons oponentes ultimamente.

Vinte minutos depois, os dois pararam, ofegantes mas satisfeitos.

— Pronto pra mais?

— Só depois de comer alguma coisa.

Seguiram então para uma das ruas de barracas no centro de Levia, onde o cheiro de frutas caramelizadas e carne assada preenchia o ar. Katiel estava escolhendo entre um espeto de drako-defumado ou um bolinho de ervas azuis quando parou de repente.

— Hm?

— O que foi agora?

— Olha ali... é a Kaia?

Eli seguiu seu olhar — e viu.

Kaia caminhava pela calçada, sorridente, de mãos dadas com um rapaz de aparência jovem e nobre, vestindo roupas simples mas de bom corte. Estavam em clima leve, parando em várias barracas, compartilhando petiscos, rindo e conversando com naturalidade.

— Isso... parece um encontro — disse Katiel, surpreso.

— Nenhuma das nossas contas — resmungou Eli, virando-se para ir embora.

— Mas... quem será aquele cara?

— Katiel...

— Vai que é alguém perigoso? Você sabe que ela vive se metendo com gente estranha.

Eli revirou os olhos, mas parou.

— Só até a próxima esquina — disse ela, derrotada. — Depois disso, nada mais.

Assim, os dois começaram a seguir discretamente Kaia e o garoto por entre as barracas e becos. Viram eles parando em uma loja de colares de mana, em uma tenda de bebidas doces e depois caminhando até um pequeno jardim urbano, onde se sentaram juntos em um banco sombreado.

— Você reconhece ele? — perguntou Katiel em voz baixa.

— Não... mas ele não parece um cidadão comum — murmurou Eli. — Talvez algum filho de nobre...?

Antes que pudessem teorizar mais, uma voz irônica os pegou de surpresa por trás:

— Espiando os outros a essa hora do dia? Achei que fossem mais discretos.

Ambos se viraram. Kaia estava ali, atrás deles, braços cruzados e expressão divertida. O garoto não estava mais à vista — provavelmente ainda no jardim, ou ela havia se separado momentaneamente.

— K-Kaia?! — Katiel quase pulou.

— Vocês são tão barulhentos que até uma ave cega notaria — disse ela, rindo. — Pelo menos deviam ter comprado algo pra disfarçar.

— Então você sabia? — murmurou Eli, sem esconder o aborrecimento.

— Claro que sim. Vocês estavam me seguindo com a sutileza de um Golem bêbado.

Kaia então sorriu com mais doçura.

— E antes que perguntem, o nome dele é Nero. Ele é o meu... meio noivo, tecnicamente.

— Meio noivo? — repetiu Katiel, confuso.

— Um arranjo de família. É uma longa história — disse ela, desviando o olhar com naturalidade. — Mas não se preocupem, não é nada oficial ainda. Só estamos... reavaliando a situação.

Katiel e Eli trocaram olhares. Ele claramente não sabia como reagir, e Eli já parecia arrependida de tudo.

— Vocês têm um dia de descanso. Usem ele melhor do que me seguir pelas ruas como dois detetives de feira.

Ela se virou com elegância e caminhou de volta pela rua movimentada, sumindo entre as tendas e feitiços flutuantes.

Katiel soltou o ar, coçando a cabeça.

— Acho que a gente mereceu isso.

— Eu te avisei — disse Eli, seca.

Eles então voltaram à barraca anterior, comprando dois espetinhos e se sentando sob uma sombra para comer.

Mesmo nos dias de descanso, Levia ainda era cheia de surpresas.

E, de alguma forma... isso também era parte da aventura.