Claro! Aqui está
Episódio 19 – Verdades em Silêncio
Naquela noite, a mansão estava silenciosa, como se até as paredes estivessem segurando a respiração. Depois do jantar, Leonardo subiu direto para o quarto. Eu demorei. Andei pelo corredor como quem foge de algo — ou talvez de si mesma.
Mas, no fim, fui até ele.
A porta estava entreaberta, e a luz do abajur deixava o ambiente dourado. Leonardo estava sentado na ponta da cama, segurando uma fotografia. A mesma que encontrei naquela caixa misteriosa. Diana. Jovem. Grávida. Sorridente. Tão diferente da imagem que conheci dela através das palavras frias dele.
— Posso entrar? — perguntei, minha voz quase um sussurro.
Ele assentiu sem olhar para mim.
— Eu achava que tinha enterrado tudo isso. Mas o passado é uma coisa teimosa, Isabela. Ele sempre volta.
Fechei a porta atrás de mim e me aproximei devagar. Sentei ao lado dele, respeitando o espaço que ainda existia entre nós.
— Ela foi seu grande amor? — arrisquei.
Leonardo suspirou, os olhos fixos na imagem.
— Não sei se era amor... Mas eu acreditava que sim. Ela era tudo o que meus pais odiavam. E isso me fazia querer ficar com ela ainda mais. Era paixão, rebeldia... talvez ego. Mas quando ela me contou sobre a gravidez, eu senti medo. Um medo que me dominou.
Ele virou a foto e mostrou a data escrita atrás. Treze anos atrás. O tempo que ele passou se escondendo disso.
— E o que aconteceu? — perguntei.
— Minha família ofereceu dinheiro. Muito. E ela... sumiu. Nunca mais soube dela. Até agora.
Ficamos em silêncio. Um silêncio pesado, mas necessário. Às vezes, a dor não precisa ser dita — ela só precisa ser compartilhada.
— Você não precisa passar por isso sozinho, Leonardo.
Foi então que ele me olhou. E havia algo diferente nos olhos dele. Vulnerabilidade. Confiança. E um tipo de dor que eu reconheci.
— Você é a única pessoa que me escuta sem me julgar. Por que?
Engoli em seco.
— Porque eu também tenho feridas que ninguém vê. E talvez... talvez a gente se entenda justamente por isso.
Ele tocou meu rosto com a ponta dos dedos. Um gesto leve, como se tivesse medo que eu desaparecesse.
— Você é a única coisa que eu não posso perder, Isabela.
Meu coração disparou. Porque, no fundo, mesmo com toda a dor e a confusão, eu sentia o mesmo. Mas não disse nada. Só encostei minha testa na dele, fechando os olhos.
Foi a primeira vez que dormimos abraçados. Sem contratos, sem promessas. Só dois corações tentando respirar no mesmo ritmo.
Acordei com a luz da manhã tocando meu rosto. Leonardo ainda dormia, os braços ao meu redor. Por um segundo, achei que tudo tinha sido um sonho.
Mas então vi o envelope.
Estava sob a porta. Branco. Sem remetente.
Levantei devagar para não acordá-lo e o abri com cuidado.
Dentro, uma foto.
Diana.
Num hospital. Sentada numa cadeira de rodas. Olhar distante. Mas... viva.
Atrás da imagem, um bilhete escrito à mão:
“A verdade está viva. Mas ela sangra. Cuidado com o próximo passo.”
Meu corpo inteiro gelou. Eu não sabia se aquilo era uma ameaça ou um aviso.
Desci correndo as escadas e voltei ao quarto. Leonardo estava acordado, sentado na cama. Quando viu meu rosto, franziu a testa.
— O que aconteceu?
Entreguei a foto e o bilhete.
Ele empalideceu.
— Isso é recente. Ela... ela está viva.
— E alguém está nos observando.
Leonardo levantou e pegou o telefone. Ligou para os seguranças, pediu reforço, rastreamento de câmeras, tudo. Mas eu sabia que aquilo não era o tipo de ameaça que se impede com seguranças. Era algo mais profundo. Era o passado cobrando a conta.
— Quem te entregou isso? — ele perguntou.
— Não sei. Estava na porta quando acordei.
Ele olhou de novo a foto. A imagem mostrava um hospital simples, com uma placa quase ilegível ao fundo. Mas o nome era reconhecível: Clínica Santa Brígida. Ficava numa cidade a três horas dali.
— Vamos até lá — disse ele, firme. — Agora.
Assenti.
Durante a viagem, nenhum de nós falou muito. Mas a tensão entre nós era palpável. Como se estivéssemos prestes a abrir uma porta que, uma vez aberta, nunca mais se fecharia.
Chegamos ao hospital no meio da tarde. Era pequeno, discreto, quase esquecido pelo tempo. O tipo de lugar onde verdades se escondem.
Mostramos a foto à recepcionista. Leonardo usou seu nome e poder, e logo fomos levados a um andar mais reservado.
A enfermeira nos atendeu com um olhar tenso.
— Sim, temos uma paciente que bate com essa imagem. Foi internada há dois anos, em coma. Acordou recentemente. Não se lembra de nada. Não tem documentos. Foi registrada como "Paciente Sem Nome".
— Podemos vê-la? — Leonardo perguntou, com a voz trêmula.
— Claro. Mas... não esperem reconhecimento. Ela não fala muito. Parece viver num mundo próprio.
Seguimos por um corredor silencioso até um quarto isolado.
E lá estava ela.
Diana.
Magérrima. Com os olhos vazios. Mas... era ela.
Leonardo deu um passo à frente. As mãos tremendo.
— Diana... sou eu. Leonardo.
Ela piscou devagar. Nos encarou com dificuldade. E então, num fio de voz, murmurou:
— Quem são vocês?
Meu coração se partiu.
Ela não se lembrava.
Na volta, Leonardo ficou em silêncio absoluto. Quando chegamos em casa, ele subiu direto. No quarto, encontrei um novo envelope sobre o travesseiro.
Dentro, o contrato do nosso casamento.
Rasgado ao meio.
E junto, um bilhete:
“Agora você é mais do que minha esposa. É minha verdade.”
Segurei o papel com força. E naquele momento, tive certeza: minha vida nunca mais seria a mesma.