EPISÓDIO 39 – Entre a filha e o coração
Narrado por Isabela
A noite foi longa. E fria.
Não pelo clima, mas pelo vazio ao meu lado. O travesseiro continuava intacto. Eu me recusava a ocupar a cama de casal, ainda que meu coração gritasse por ele.
Leonardo. O homem que me tirava do sério, do eixo, da razão... e do meu juízo.
E agora, o mesmo homem que revelou ter uma filha de quatro anos.
Abri os olhos ao amanhecer. O sol entrava pelas cortinas como se quisesse iluminar o caos que era meu coração. Levantei-me, vesti meu roupão e fui até a varanda. Lá embaixo, Leonardo regava as plantas do jardim como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse acabado de explodir uma bomba na minha vida.
Peguei o celular. Três mensagens da Clara:
“Amiga, você está bem?”
“Saiu outra matéria sobre a filha do seu marido.”
“Quer que eu vá aí?”
Suspirei. Respondi apenas: “Depois te ligo.”
Eu precisava respirar.
E também precisava saber mais sobre Lara.
Desci as escadas devagar. Leonardo me viu, deixou o regador de lado e veio até mim.
— Bom dia — ele disse, com a voz baixa, como quem teme a rejeição.
— Bom dia — respondi, seca.
— Dormiu bem?
— Você acha mesmo?
Ele suspirou, passando a mão no cabelo. Estava mais abatido do que nunca.
— Isabela, sei que foi um choque. Eu devia ter contado antes.
— Você devia ter confiado em mim — rebati.
Silêncio.
— Quero conhecer sua filha.
Ele ergueu os olhos, surpreso.
— Sério?
— Sim. Não por você. Mas por ela. Ela não tem culpa da sua covardia.
Ele assentiu.
— Eu posso marcar com a avó dela. Elas moram num sítio aqui perto, longe da mídia. Ela vai gostar de te conhecer. Fala de mim o tempo todo, mesmo que a gente se veja pouco.
— Imagino por quê.
— Isabela...
— Não, Leonardo. Agora é tarde pra justificativas. Eu só quero que essa visita seja real. Nada de encenação. Nada de marketing. Nada de esconder a verdade.
— Prometo.
**
Horas depois, já estávamos a caminho.
O carro preto deslizou pela estrada de terra até chegarmos a uma casinha charmosa e bem cuidada. Um jardim cheio de flores. Uma senhora de cabelos brancos nos esperava no portão com uma criança tímida ao lado.
— Aquela é a Lara? — perguntei, com a voz embargada.
— Sim.
Ela tinha o mesmo olhar dele. Um castanho escuro que parecia absorver o mundo. Usava um vestidinho azul e segurava forte na mão da avó.
Descemos do carro. Leonardo se aproximou devagar.
— Oi, minha pequena! — disse ele, sorrindo.
Ela correu até ele. Abraçou-o com força.
— Papai!
Meu coração estremeceu. Nunca o vi tão emocionado. Seus olhos marejaram, e ele a levantou no ar como se o mundo inteiro coubesse naquele momento.
— Essa é a Isabela — disse ele, apontando para mim.
Lara me olhou com curiosidade. Depois, sorriu.
— Você é bonita.
Sorri de volta.
— Você também. Muito.
Ela veio até mim e, com toda a inocência do mundo, segurou minha mão.
— Você vai ser minha mamãe também?
Não soube o que responder. Meus olhos se encheram d’água. Leonardo notou e colocou a mão no meu ombro.
— Vamos conversar sobre isso, pequena.
— Eu quero! — ela insistiu, sorrindo.
Passamos a tarde ali. Brincamos, almoçamos juntos, e pela primeira vez eu vi Leonardo sendo pai de verdade. Sem máscaras. Sem frieza. Um homem carinhoso, protetor, risonho.
Um homem... que talvez estivesse mudando.
**
No caminho de volta, dentro do carro, ele segurou minha mão.
— Obrigado por isso, Isa.
— Não fiz por você.
— Eu sei. Mas agradeço mesmo assim.
Olhei pela janela, tentando conter o turbilhão.
— Ela é linda. Merece saber que é amada.
— Você também.
Virei para ele.
— Não confunda as coisas.
— Eu só estou dizendo que... ainda te amo. Mesmo que você me odeie agora.
Fiquei em silêncio. Parte de mim queria gritar que sentia o mesmo. A outra parte queria fugir.
— Vai demorar pra confiar em você de novo.
— Eu posso esperar — ele disse, com sinceridade. — Mas não vou desistir.
O carro seguiu em frente, e junto dele, meu coração... ainda em dúvida, mas com uma semente de esperança.