Episódio 42 — Ecos do Passado
Narrado por Isabel
Dizem que ser mãe muda tudo. E muda mesmo.
Mas ser mãe dos filhos do homem que partiu seu coração… é como viver entre dois mundos. O do amor e o da dor.
Acordei com o som leve da risada dos meus filhos. Leonardo Júnior e Lara. Meus gêmeos. Duas metades do mesmo milagre que mudou minha vida para sempre.
Olhei pela janela do nosso quarto em Luanda, onde agora moramos. A brisa da manhã trazia cheiro de terra molhada, e uma tranquilidade rara. Mas meu coração… nunca conheceu descanso.
— Mamãe, o papai vai vir hoje? — Lara me perguntou com os olhos brilhando.
Engoli seco. Como dizer a uma criança que o pai dela é uma figura complicada?
— Talvez, minha flor — respondi, acariciando seus cachos.
Já fazia um ano desde que Leonardo descobriu que tinha filhos. E mesmo depois da tempestade, ele decidiu se reaproximar. Lentamente. Como quem pisa em cacos de vidro.
Ele vinha nos visitar, fazia questão de estar presente. Mas o que ele não sabia... é que meu coração ainda doía cada vez que ele sorria. Porque aquele sorriso tinha sido a minha perdição anos atrás.
No café da manhã, enquanto os gêmeos riam com seus desenhos animados, recebi uma mensagem.
Leonardo:
Posso passar aí hoje? Quero levá-los para passear.
Respirei fundo.
Eu:
Pode sim. Eles vão amar.
A verdade? Parte de mim também ficava feliz. Ver Leonardo com os filhos era como descobrir um lado dele que eu nunca imaginei. Atencioso. Carinhoso. Até bobo.
Mas toda vez que ele ia embora... o vazio voltava.
Mais tarde, ele chegou. Camisa branca, calça escura, aquele perfume que sempre me desarmava. Os olhos dele encontraram os meus, e por um segundo, o tempo parou.
— Oi, Isa.
— Oi, Léo.
Foi estranho. Íntimo e distante ao mesmo tempo.
Os gêmeos correram até ele, gritando:
— Papai!!!
Leonardo se ajoelhou e os abraçou com tanta ternura que meu coração se apertou.
— Meus campeões! Como vocês estão?
— Muito bem! — disse Júnior. — Vamos no parque?
— Vamos sim! A mamãe vai também?
Eles me olharam com expectativa. Eu hesitei.
— Eu... posso ir, se quiserem.
— Queremos! — gritaram juntos.
Leonardo sorriu.
— Então vamos todos.
O parque estava cheio. Risos de crianças, o cheiro de pipoca, o som de um carrinho de algodão doce passando.
Vi Leonardo empurrando Lara no balanço enquanto Júnior corria atrás das pombas.
Era tudo tão... familiar. Como se fôssemos uma família normal. Como se nada tivesse acontecido no passado. Como se ele nunca tivesse me trocado, nunca tivesse me ferido.
Ele veio até mim, sentando no banco ao meu lado.
— Eles são incríveis, Isa.
— São sim.
— Obrigado... por ser uma mãe maravilhosa pra eles.
Olhei para ele. Sinceridade no olhar. E culpa.
— Fiz o que qualquer mãe faria.
— Não. Você fez muito mais.
O silêncio entre nós falou alto. Mas era um silêncio confortável. De quem ainda tem tanto a dizer, mas não sabe por onde começar.
— Isabel... — ele disse, finalmente. — Você me perdoou?
Essa pergunta me acertou como um soco.
Demorei. Olhei para os nossos filhos. Para o homem ao meu lado. Para mim mesma.
— Eu não sei se perdoei... completamente. Mas estou tentando.
Ele assentiu, com os olhos marejados.
— Eu te amo, Isa. Sempre amei. Só fui burro demais pra entender isso antes.
Olhei para ele, surpresa. Meu coração pulou. Eu queria dizer algo, qualquer coisa. Mas as palavras sumiram.
Os gêmeos voltaram correndo.
— Mamãe! Papai! Vamos tirar uma foto!
Talvez aquele momento fosse o começo de uma nova chance. Ou talvez só um capítulo bonito de uma história confusa. Mas ali, sentada com meus filhos no colo e o homem que ainda mexia comigo ao meu lado, eu senti... esperança.
E isso, para mim, já era tudo.