Capítulo 2 – O Primeiro Passo

Deitado na cama, eu encarava o teto como se ele fosse me dar respostas. A tela do sistema ainda flutuava diante dos meus olhos. Mas agora, tudo parecia diferente.

RENJI ARATA

Nível: 1

Força: 10 | Agilidade: 8 | Magia: 5 | Resistência: 11

Pontos não distribuídos: 0

Habilidade Única: Transcendência Corpórea (incompleto)

Suspirei.

— Nada impressionante... — murmurei, virando de lado na cama. — Mas melhor do que ser só um saco de pancadas.

Comparado a uma pessoa comum, sim, eu estava acima. Mas comparado aos caçadores de verdade, eu era uma piada. Principalmente porque minha habilidade era física, e todo mundo nesse mundo queria lançar bolas de fogo ou invocar lobos de duas cabeças.

Toquei mentalmente na aba de Habilidades, e outra janela se abriu.

Habilidades Atuais:

Recuperação Acelerada (Passiva) – seu corpo se recupera mais rápido do que o normal.

Instinto de Combate (Ativa) – aumenta sua percepção e reflexos durante o combate.

Meus olhos deslizaram até a última linha, onde piscava uma notificação em cinza-claro:

Habilidade em Desenvolvimento: Corpo Blindado

— Corpo Blindado? — li em voz alta. — Isso... parece útil.

Era só um nome, sem descrição. O sistema adorava esse joguinho de mistério. E eu? Eu estava pronto para descobrir. Eu precisava entender meu poder. Usá-lo. Desafiá-lo.

Peguei o celular no criado-mudo e disquei o número da Associação de Caçadores.

— Alô? Gostaria de agendar uma Dungeon de Teste para classificação individual.

Do outro lado, a atendente foi breve.

— Amanhã às 11h. Ala C, prédio 2. Leve seu documento e prepare-se. A taxa já foi debitada.

— Obrigado!

Anotei tudo num papel velho e o deixei grudado com fita ao lado da cama. Me sentei. Olhei para minhas mãos. Para os calos formados nos treinos inúteis que fazia sozinho em casa.

— Talvez agora eles finalmente sirvam pra algo.

Me levantei e fui até a pequena sala que adaptei como academia. Halteres improvisados com concreto, barras de ferro presas em tijolos, um saco de pancadas furado.

O lugar era tosco... mas era meu templo.

Treinei até tarde. Não para ficar mais forte da noite pro dia. Mas porque meu corpo parecia entender. Aprender. Responder. Cada flexão, cada soco no saco de pancadas fazia algo despertar dentro de mim. Como se, enfim, meu poder estivesse acordando também.

No dia seguinte...

Corri pela casa pegando a mochila, vestindo o uniforme esportivo, checando o celular.

— Bom dia, mãe! — gritei pela cozinha.

Ela estava sentada à mesa, com uma xícara de chá entre as mãos trêmulas. Sorriu fraco.

— Hoje é o dia, né?

— Hoje eu mostro que não sou só mais um.

Ela assentiu, mas havia preocupação no olhar.

— Por que não esperar pelo teste gratuito da associação? É daqui a dois meses…

— Eu não posso esperar. Eu... preciso correr atrás enquanto ainda posso.

Ela sabia. Mesmo sem falar, ela sabia que eu carregava uma ansiedade, um medo de nunca ser reconhecido. E, mais do que isso, o medo de vê-la piorar por não conseguir ajudá-la.

Minha mãe era uma das 10% da população que nunca despertou. Mas pior que isso: ela fazia parte do 1% afetado negativamente pela presença de magia. Ficar perto de um Desperto poderia causar-lhe colapsos, febres, até coma.

— Você vai conseguir, meu filho — disse ela, segurando minha mão. — Só me prometa uma coisa…

— Claro.

— Nunca mude o que você é só porque o mundo te trata como algo menor.

Engoli em seco e saí de casa com aquela frase martelando na cabeça.

No ônibus, ouvi risadinhas conhecidas. Os mesmos idiotas da escola. Os mesmos que riram quando contei que minha habilidade era física.

Mas hoje eu não liguei. Coloquei os fones, aumentei o volume da música e fingi que eles não existiam.

Ao meu lado, um rapaz que dormia acordou subitamente, ergueu uma barra de ferro debaixo do assento e a dobrou com facilidade. Os valentões se calaram na hora.

Curioso, né? O mundo respeita força... quando ela é visível.

Cheguei à Associação de Caçadores. O prédio era imenso, todo revestido de vidro negro. Fui até a recepção, onde uma funcionária digitava sem sequer levantar os olhos.

— Dungeon de Teste. Renji Arata.

— Ala C. Corredor à direita do bebedouro. Sala 3. — disse ela, como uma máquina.

— O teste... como funciona exatamente?

Ela finalmente olhou para mim. Olhos escuros, intensos.

— Você será escaneado. O sistema determinará a dificuldade da dungeon com base nos seus atributos. Nenhuma instrução será dada dentro. Você estará sozinho. Mas seguro. — pausou. — Na medida do possível.

— Alguma chance de mudar o nível durante o teste?

— Só se você romper seus próprios limites. Isso aconteceu duas vezes... desde a criação do sistema. Boa sorte.

— Obrigado...

Caminhei até o corredor indicado. Cada passo ecoava como um tambor no peito. O chão branco, as paredes metálicas, o som distante de portas se fechando. Tudo parecia saído de um laboratório futurista.

Ali... naquele lugar frio... meu coração queimava.

Era chegada a hora.

A porta da Sala 3 se abriu automaticamente.

E meu primeiro desafio como Desperto, enfim, começaria.