O tempo se fragmentava em golpes, esquivas e o fedor acre de carne putrefata. Klaus já não sentia o próprio corpo com clareza. Seus braços, pernas, até o pulsar do coração pareciam distantes, reduzidos a meros instrumentos de sobrevivência. A marreta em suas mãos, porém, era real — pesada, sólida, uma extensão de sua determinação inabalável de sair vivo daquela masmorra infernal. Ele perdera a conta de quantos vermes esmagara. O chão alaranjado, antes coberto por uma vegetação rasteira e musgosa, transformara-se numa lama grotesca: gosma viscosa, membros retorcidos de criaturas, fluido ácido que borbulhava ao corroer a terra em buracos fumegantes. Cada golpe era um craque seco, seguido pelo avanço imediato de outro monstro. Seus músculos ardiam em protesto, as roupas ensopadas de suor e carniça grudavam na pele, e sua mente, exausta, implorava por um instante de trégua. Mas o instinto gritava mais alto: sobreviva.
A masmorra não perdoava. Vermes rastejavam da vegetação alta, seus corpos marrons e segmentados refletindo a luz esverdeada das paredes rochosas. Klaus girava a marreta em arcos amplos, esmagando um, dois, às vezes três de uma vez. O impacto reverberava em seus ossos, cada golpe mais custoso que o anterior. O ar estava denso, saturado pelo cheiro metálico de sangue de monstro e pelo vapor corrosivo que irritava seus pulmões. Ele tossiu, o peito apertado, mas não podia parar. Parar era morrer. Seus olhos ardiam com o suor que escorria da testa, embaçando a visão. Ainda assim, ele continuava — esquivando, batendo, avançando, num ciclo mecânico de violência e desespero.
Então, algo mudou. Um arrepio gelado percorreu sua espinha, uma sensação que não vinha da visão, nem da audição, nem do toque. Era algo mais profundo, um alerta primal que disparou em sua mente como um trovão silencioso. Sem saber por quê, Klaus rolou para trás, o movimento puro, instintivo, urgente. BOOM! O impacto sacudiu o solo, levantando uma nuvem de poeira e fragmentos de vegetação. Algo colidira exatamente onde ele estava — pesado, rápido, diferente. Ele se levantou, ofegante, e viu.
Era um verme, mas não como os outros. Seu corpo afilado, quase serpentino, pulsava sob a luz esverdeada, coberto por uma pele avermelhada que lembrava barro tingido de sangue fresco. Enquanto os vermes terrestres tinham uma tonalidade opaca, marrom como terra seca, este se destacava, vibrante, como se fosse forjado em ferro oxidado. Mas o que fez Klaus congelar, o coração disparando, foram as asas. Duas membranas elásticas, translúcidas, batiam freneticamente, levantando rajadas de poeira e respingos de gosma. A criatura pairava no ar, os olhos negros fixos nele, um predador espreitando sua presa com uma inteligência perturbadora.
— Um... um verme voador?! — A voz de Klaus saiu rouca, quase engolida pelo pânico. O suor frio escorria por sua têmpora, misturando-se ao sangue seco em seu rosto. Ele não sabia o que era mais absurdo: a existência de asas naquele monstro ou o fato de seu corpo ter reagido antes mesmo de percebê-lo.
O verme emitiu um som agudo e seco, como o estourar de uma bolha de lama fervente, e alçou voo. Era rápido — rápido demais. Cortou o ar como uma flecha viva, as asas zumbindo em um vruuum que ecoava nas paredes da masmorra. Klaus ergueu a marreta, tentando prever a trajetória, mas o monstro era imprevisível. Ele desviou por milímetros, o vento da investida quase o derrubando. O chão tremeu com o impacto do verme contra uma rocha próxima, que se partiu em pedaços. Klaus engoliu em seco. Aquele não era um inimigo que ele podia enfrentar no braço.
Enquanto tentava acompanhar o verme voador, a masmorra intensificou seu ataque. Dezenas de vermes terrestres emergiam da vegetação, rastejando, correndo, suas mandíbulas estalando com fome. Klaus sentiu sua mente se dividir. Uma parte tentava decifrar o padrão do monstro alado, buscando uma fraqueza, um momento de vulnerabilidade. A outra continuava a luta no chão — girando a marreta, esmagando cabeças, pulando para evitar mordidas, esquivando jatos de ácido que queimavam o ar. Cada movimento era uma batalha contra a exaustão. Seus braços tremiam, a marreta parecia pesar o dobro, e seus pulmões lutavam para puxar o ar fétido.
Foi então que ele percebeu. Aquele instinto que o fizera rolar para trás ainda vibrava dentro dele, nebuloso, mas mais claro agora, como uma chama recém-acesa. A pulseira mágica em seu pulso cintilou discretamente, gravando sua evolução: Sexto Sentido: F-. Um novo poder, uma vantagem mínima, mas vital. Ele não teve tempo para comemorar. Outro rasante veio, e Klaus se jogou ao chão no último segundo, sentindo o vento cortante nas costas. O verme errara por pouco, suas asas zumbindo enquanto subia novamente, reposicionando-se para o próximo ataque.
— Maldito... — Klaus cuspiu as palavras, os dentes cerrados. Ele precisava de uma estratégia, de um momento para pensar, mas a masmorra não lhe dava esse luxo. Os vermes terrestres avançavam em ondas, o céu escondia um predador incansável, e o ar estava carregado de ácido, poeira e desespero. A marreta, agora escorregadia com sangue e gosma, parecia uma âncora puxando-o para baixo. Cada golpe era uma luta contra o próprio corpo, cada esquiva um teste de sua vontade.
Klaus rolava, batia, gritava, sobrevivendo por pura teimosia. Mas, no fundo, ele sabia: o verdadeiro desafio não estava no chão, com os vermes que ele já aprendera a enfrentar. Estava acima, voando, esperando o momento perfeito para atacar. E ele não tinha certeza se teria forças — ou tempo — para vencer.