Capítulo 1 – O começo de tudo

O céu ainda estava escuro quando Mariana sentiu a primeira pontada forte. Lá fora, o vento soprava gelado e insistente, como se soubesse o que tava prestes a acontecer. Dentro da casinha de madeira, no alto do morro, ela tentou respirar fundo, se segurar na beirada da cama, mas a dor vinha em ondas, cada vez mais fortes.

Ela tava sozinha. De novo.

Sete meses atrás, Mariana chegou naquele vilarejo sem dar muitas explicações. Tinha um olhar triste, carregado, mas um jeito gentil com todo mundo. Diziam que ela tinha fugido da capital, que era filha de gente rica. Mas ninguém tinha certeza de nada. O que sabiam era só o que viam: uma barriga crescendo rápido e uma moça que falava pouco.

Mariana sabia que não podia contar a verdade. Não ali, não pra ninguém. Porque se contasse, ela descobriria.

Catarina Montenegro.

Mariana fechou os olhos e o rosto dela apareceu de novo, como um fantasma. A última vez que se viram, Catarina tinha segurado o braço dela com força, sussurrado palavras que ainda queimavam no peito:

— “Você é uma vergonha, Mariana. Essa criança vai ser o fim da sua família. E o seu também.”

Agora, naquela noite fria, o fim parecia estar mesmo perto.

O quarto era pequeno. A vela tremia no canto da mesa, lançando sombras nas paredes. Mariana se deitou como conseguiu, tremendo inteira. As contrações vinham cada vez mais rápidas, sem dar trégua. Ela chorava baixinho, com medo. Medo de morrer ali, sozinha, medo do bebê não resistir. Mas também... medo de Catarina aparecer.

Horas passaram assim. Até que, num grito desesperado, a criança nasceu. Uma menina. Chorando alto, viva. Mariana a pegou nos braços e começou a chorar também.

Florencia..., sussurrou. — Você vai se chamar Florencia.

Era um nome bonito. Mariana pensou que, talvez, se tivesse dado tudo certo, podia ter sido o nome da filha dela com ele... mas isso já não importava. Tudo o que importava agora era aquela menina.

Mas a paz durou pouco.

O rangido da porta fez Mariana se sobressaltar. Ela tentou levantar, mas o corpo não respondia. Estava fraca demais. A maçaneta girou devagar, até a porta se abrir. E ali estava ela.

Catarina.

De preto, como sempre. O rosto sério, sem nenhuma emoção. Caminhou devagar até a cama, olhando Mariana como se fosse um inseto.

— “Eu te avisei”, ela disse. A voz era baixa, mas cortante. — “Você devia ter sumido.”

Mariana abraçou a filha com o pouco de força que restava. Chorava em silêncio. Catarina se aproximou, e ali, naquela madrugada, com só a vela iluminando o rosto dela, acabou tudo.

Não houve gritos. Nem briga. Só o som abafado de um corpo caindo. E o choro do bebê, que continuava.

No dia seguinte, foi Dona Candinha quem encontrou a menina. Ela bateu na porta, ninguém respondeu. Quando entrou, viu Mariana caída no chão e a criança enrolada num pano simples, com os olhos abertos, bem vivos.

— “Meu Deus do céu...”, disse a velha, apavorada. Pegou a menina no colo, com cuidado, e viu que ela ainda respirava.

Chamaram o médico, mas já era tarde pra Mariana. Disseram que foi o parto. Uma tragédia. A polícia nem investigou direito — pobre morrendo de parto, nada de novo.

Mas Dona Candinha sabia.

Ela olhou bem pros olhos da menina e disse:

— “Você não é qualquer uma. Tem coisa aí... você vai dar o que falar nesse mundo, menina. Mesmo que o mundo queira te calar.”

E foi assim que a pequena Florencia sobreviveu à primeira noite da vida dela. Sozinha no mundo. Carregando o nome da mãe, o desprezo dos ricos... e um passado que ainda ia voltar.