O apartamento estava mergulhado em silêncio, cortado apenas pelo som abafado dos carros que passavam nas ruas abaixo. Zaria encarava a tela do celular como se esperasse que a resposta de Yuna aparecesse ali de repente, como uma explicação mágica para todo o caos da última semana. Desde a entrevista em que Yuna negara os boatos, a interação entre elas estava estremecida.
Quando as fotos delas entrando no apartamento foram divulgadas, o mundo parecia ter virado de cabeça para baixo. Manchetes, comentários, suposições. Zaria sempre soube que a fama exigia sacrifícios, mas quando o sacrifício começava a tocar algo que ela mal havia começado a construir com Yuna, tudo doía.
O celular vibrou. Era uma mensagem do empresário: “Preciso falar com você."
Zaria chegou à sala da gravadora no início da tarde, usando óculos escuros e uma jaqueta larga demais para sua silhueta. Seu empresário já estava lá, em pé, mãos nos bolsos, expressão séria. Ela sentou-se sem dizer uma palavra.
— Quero te informar que já está tudo acertado com a gravadora. A turnê de shows internacionais foi oficialmente agendada. Nós já estamos preparando o embarque dos instrumentos, equipamentos e equipe. Você viaja amanhã.
— Tão rápido? — ela arqueou a sobrancelha. — Você nem debateu esse desejo de turnê internacional comigo. Essas coisas precisam ser planejadas com antecedência e em comum acordo. Não é uma situação que você simplesmente me comunica.
— Eu fiz isso às pressas pensando no seu bem-estar. Temos um "problema" com a imprensa. Com os fãs. Com a imagem. Com contratos. Você tem um nome a zelar, Zaria. Sua carreira solo está finalmente decolando. Não podemos deixar que manchem tudo isso com especulações sobre sua vida amorosa. Então eu tive que agir em prol de um bem maior, mesmo tendo passado por cima da sua decisão.
Ela bufou, cruzando os braços.
— Eu não sei se estou de acordo com esses métodos. Na próxima, ao menos, fale comigo, antes de marcar uma turnê contínua de um mês inteiro. Você é meu empresário, mas eu ainda tomo as minhas decisões com base na minha vida pessoal também. Tem noção que vou precisar reestruturar toda a minha agenda?
Ele apenas assentiu e olhou para o tablet em mãos.
— A turnê vai passar pela: Tailândia, Japão, Austrália e algumas cidades da Europa. Já está tudo certo. Agenda fechada.
A mudez caiu pesada entre eles.
— Já que não tenho escolha. Vou para casa arrumar as malas.
— Pense como sendo um método estratégico. Vai esfriar os rumores. Vai mudar o foco. As pessoas vão se ocupar com suas performances, com os palcos, com suas letras… Não com quem você está dividindo o travesseiro às onze da noite.
Zaria fechou o semblante, os olhos fixos nele. A forma como ele falava… com uma certeza desconfortável.
— Sabia que a mídia não divulgou o horário em que cheguei no meu apartamento... — ela falou, devagar.
Ele franziu o cenho, tentando não reagir.
— E você acabou de mencionar isso. Como?
O empresário desviou o olhar, antes de forçar um sorriso.
— Estou por dentro de tudo. Meu trabalho é esse. Eu preciso saber de detalhes.
— Detalhes que nem a mídia tem? Eu também li as notícias.
— Zaria, não vamos começar a imaginar coisas. Isso aqui é sobre proteger sua imagem. É só isso. Vai ser bom pra você. Você ama o palco, não ama?
Ela não respondeu. Estava ocupada demais tentando entender o que exatamente estava por trás daquela decisão repentina. Era coincidência demais. Era controle demais. E ele parecia saber mais sobre ela do que deveria.
— Eu não vou me esconder, se é isso que você espera — ela disse enfim, com a voz mais firme. — E se você está pensando que vou abrir mão da Yuna só porque vocês estão desconfortáveis com isso... esquece. Ela é uma pessoa leal e estável na minha vida muito antes de eu ser quem sou hoje. Nos conhecemos quando eu não era ninguém no meio de duzentas meninas.
— Eu não estou pedindo que você abra mão de nada. Só estou pedindo que pense no seu futuro. Um mês. Só isso. Depois a poeira baixa. Você volta com ainda mais força. Vai estar em todas as manchetes, mas pelas razões certas.
Zaria ficou de pé devagar, o coração apertado.
— Só tem uma coisa que você esqueceu — ela disse, olhando-o nos olhos. — Eu sou a razão pela qual essas manchetes existem. E se eu não estiver mais disposta a jogar o jogo do jeito de vocês, talvez o que esteja em risco... seja o que vocês construíram. Não eu.
Ela saiu da sala com passos firmes, mas por dentro sentia tudo desmoronar. Seu coração pulsava em um ritmo doloroso. Um mês. Um mês longe. Um mês sem Yuna.
E, mais do que tudo, um mês sendo silenciada.
Mas ela já estava cansada de silêncios. E seria difícil encarar Yuna com aquela notícia.
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Zaria parou diante da porta da casa de Yuna com o coração disparado. A mão ponderou antes de tocar a campainha. Era como se aquele gesto simples fosse o prenúncio de um gesto definitivo. A brisa noturna soprava fria, mas o que arrepiava sua pele era a ansiedade, não o vento.
A porta se abriu devagar, revelando Yuna com o rosto limpo, sem maquiagem, vestida com uma camiseta larga e uma calça de moletom. Ela estava linda, mas havia um cansaço em seu olhar que Zaria reconheceu de imediato. Um reflexo do mesmo que via todos os dias ao encarar o próprio espelho.
— Você veio — disse Yuna, surpresa, mas com um tom calmo.
— Eu precisava te ver.
Yuna abriu espaço, e Zaria passou, sentindo o aconchego do lugar invadir seus sentidos. A sala estava levemente iluminada, uma trilha instrumental tocava ao fundo, e havia um cheiro de chá de camomila no ar. Era como se aquele espaço tivesse sido criado para acolher incertezas — e ali estavam elas, duas mulheres à beira de uma decisão que poderia mudar tudo.
Sentaram-se no sofá, uma de frente para a outra, o silêncio preenchendo os espaços entre os olhares.
— O empresário decidiu. A turnê vai acontecer. Um mês fora — Zaria disse, com a voz pesarosa. — Já está tudo organizado: Tailândia, Japão, Europa… Ele nem me perguntou. Só anunciou. Disse que vai ser bom pra mim… que vai ajudar os boatos a cessarem.
Yuna abaixou os olhos, assentindo lentamente.
— Então é isso. Você vai mesmo.
— Eu vim te dizer pessoalmente. Achei que merecia isso.
Elas se viam como duas notas que deveriam estar em harmonia, mas não estavam.
— Talvez a distância faça bem pra gente — Zaria continuou, forçando-se a acreditar nas próprias palavras. — Talvez dê tempo de tudo acalmar, da poeira baixar, das pessoas esquecerem. E… pra mim pensar melhor também.
Yuna respirou fundo, engolindo em seco.
— Você não precisa se justificar, Zaria. Eu entendo. Desde aquela entrevista, estou me sentindo horrível. Dizer que não tem nada entre nós… foi como negar a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos. Tudo o que eu queria era gritar para o mundo que estou com a garota mais incrível que já conheci.
Zaria sentiu os olhos marejarem. A sinceridade de Yuna sempre a desmontava.
— Mas eu também sei que não seria justo com você — ela continuou. — Você acabou de debutar solo, está trilhando seu caminho, construindo algo só seu. Eu não posso ser um obstáculo nisso. Eu não quero ser.
Zaria abaixou o olhar, lutando contra o nó na garganta.
— Não é você o problema, Yuna. É tudo ao redor. É o medo. Medo do julgamento, de falhar, de ver tudo que eu construí desmoronar. Eu… eu não sei se estou pronta para enfrentar o mundo com você. Não por falta de vontade. Mas por não saber se consigo carregar tudo isso agora. Você sabe que ainda estou fragilizada depois do meu último relacionamento. Eu me tornei uma pessoa tão insegura. E tenho medo de enfrentar certas situações.
Yuna estendeu a mão e tocou a dela com carinho.
— Eu não te culpo. Nem por um segundo. Quando te conheci, você ainda era uma menina cheia de sonhos. Agora está realizando cada um deles, mesmo que com obstáculos no caminho. Eu te admiro por isso. E te amo ainda mais por ser tão corajosa, mesmo quando tem medo.
Zaria sentiu uma lágrima escorrer, mas sorriu com tristeza.
— Você merece alguém que esteja inteira ao seu lado. Não alguém que te ame pela metade, com medo de mostrar ao mundo.
— Então talvez seja bom esse tempo longe — Yuna respondeu com serenidade. — Porque, coincidência ou não, eu também vou ficar fora do radar por um tempo.
Zaria a olhou, curiosa.
— Como assim?
— Aceitei o papel principal na série que te falei. As gravações começam semana que vem, e vão ocupar minha agenda nos próximos 3 meses. Vai ser um projeto intenso, fora de Seul a maior parte do tempo. Não sei por que demorei tanto pra aceitar… talvez eu estivesse esperando por você.
Zaria apertou a mão de Yuna entre as suas.
— Parece que o universo resolveu separar a gente de novo.
— Talvez não seja uma separação… só um intervalo — disse Yuna, com um sorriso doce. — Às vezes, o amor também precisa de espaço pra respirar. Se for verdadeiro, ele sobrevive. E volta mais forte.
Zaria encostou a testa na dela, fechando os olhos por um instante.
— Eu não quero te perder.
— Então não me perca. Me guarde com você durante esse tempo. Em uma canção, num pensamento, numa lembrança boa. Eu estarei fazendo o mesmo.
Ficaram ali, apenas sentindo a presença uma da outra, como se o silêncio fosse a única forma possível de expressar o que sentiam. Era um breve adeus, mas também uma promessa, com laços ainda entrelaçados. Elas se beijaram profundamente e se abraçaram apertado.
Ao se levantar para ir embora, Zaria olhou uma última vez para Yuna, que continuava sentada no sofá, os olhos brilhando entre tristeza e esperança.
— Cuide-se, tá bom? — Zaria disse, com a voz embargada.
— Você também, meu amor. E quando voltar… eu te encontro. Onde quer que esteja.
Zaria assentiu, contendo as lágrimas, e saiu pela porta com o coração apertado, mas com uma centelha de esperança guardada no peito.
Talvez a distância realmente fosse necessária.
Mas o amor… o amor ainda estava vivo.