armadilha

O relógio no canto da sala marcava sete da noite, mas o escritório parecia preso em uma bolha de tensão. Zaria arrumou a alça da bolsa no ombro, olhando de relance para o empresário, que revisava papéis em sua mesa com uma expressão despreocupada.

Ou fingia estar despreocupado.

Zaria sentiu o peso do celular em sua mão, como se fosse uma arma. Respirou fundo e discou o número já gravado em sua memória. O toque ecoou apenas uma vez antes de ser atendido.

— Alô? — a voz de Yuna soou baixa do outro lado da linha.

Zaria fingiu um sorriso que não chegava aos olhos e respondeu com o tom mais casual que conseguiu forçar.

— Oi, J. — ela disse, propositalmente suave. — Então... está de pé para hoje?

Do outro lado da sala, o sr. Kang não ergueu os olhos, mas Zaria notou o leve movimento dos dedos dele, pausando momentaneamente sobre os papéis. Um pequeno indício de que ele estava, sim, ouvindo.

Yuna entendeu o recado imediatamente e entrou no jogo.

— Claro. Estou ansiosa pra te ver. — Yuna respondeu, sua voz carregando exatamente a medida certa de carinho e expectativa.

Zaria andou até a janela, como se buscando privacidade, mas posicionando-se de forma que sua voz ainda pudesse ser ouvida, mesmo sem querer. A atuação precisava ser sutil, mas clara o suficiente para que Kang captasse.

— Ótimo. — Zaria continuou, com um risinho. — Eu pensei naquele café perto da Hannam-dong. Você sabe, o que tem aquele terraço bonito.

Ela viu, pelo reflexo no vidro, Kang erguer os olhos brevemente. Um segundo apenas, mas suficiente.

— Perfeito. — Yuna respondeu, seguindo o roteiro. — Me manda mensagem quando estiver chegando.

Zaria abaixou a voz, como quem compartilha um segredo íntimo.

— Eu estou saindo agora. Mal posso esperar pra te ver.

Ela finalizou a chamada com um suspiro propositalmente sonhador, guardando o celular na bolsa com um pequeno sorriso. Quando se virou, encontrou Kang já fingindo novamente estar mergulhado no trabalho.

Zaria limpou a garganta.

— Vou sair agora. Não precisa me esperar.

— Ah, claro. — Sr. Kang disse, sem levantar a cabeça. — Aproveite sua noite.

Zaria apenas assentiu e saiu, sentindo o peso dos olhos dele em suas costas no momento em que cruzava a porta.

A primeira isca estava lançada.

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A noite em Seul estava fresca, com uma leve brisa carregando o cheiro de terra molhada pelas ruas iluminadas. Zaria seguiu o caminho combinado, seu coração martelando no peito em uma mistura de nervosismo e adrenalina.

No café escolhido, Jiwon já a esperava.

Ele estava sentado em uma mesa discreta do lado de fora, com um boné enfiado na cabeça e óculos escuros, mesmo no horário estranho para usá-los — uma tentativa inútil de disfarce que, de certa forma, chamava ainda mais atenção.

Era exatamente o que eles queriam.

Quando Zaria se aproximou, Jiwon levantou-se, como se estivesse ansioso para vê-la, e a cumprimentou com um sorriso exagerado, estendendo a mão para segurá-la de forma afetada.

Os flashes surgiram quase instantaneamente.

Câmeras escondidas entre arbustos, atrás de carros estacionados. Fotógrafos camuflados que haviam sido "avisados". Zaria não tinha mais dúvidas, o Sr. Kang era a pessoa que avisava os paparazzis.

Jiwon, seguindo o plano, puxou a cadeira para Zaria, sentando-se em frente a ela com uma expressão absolutamente encantada.

— Sua teoria estava correta. Ele realmente está por trás disso — Jiwon falou baixinho.

Zaria manteve o sorriso no rosto, respondendo enquanto fingia mexer no cardápio.

— Ele estava ouvindo. Tenho certeza que pensou que eu encontraria a Yuna e avisou os fotógrafos.

Jiwon assentiu, disfarçando com um gole de café.

— Ótimo. — ele disse. — Então agora é esperar. Os rumores vão começar a circular logo mais. Resolvemos duas pendências de uma vez.

Zaria se recostou na cadeira, observando discretamente ao redor. Algumas pessoas tiravam fotos de longe, outras apenas cochichavam apontando para eles. O suficiente para criar burburinho.

Mas, ainda assim, ela sentia uma pontada incômoda no peito.

Era errado. Ela sabia disso. Usar Jiwon para iniciar boatos, mentir para o público, tudo para proteger algo que deveria ser tão simples quanto amar alguém. Mas naquela realidade, naquela Coreia conservadora e cruel, não havia espaço para ingenuidade.

— Está tudo bem? — Jiwon perguntou, notando o olhar distante dela.

Zaria piscou, voltando para o momento.

— Estou. Só... queria que fosse diferente.

Jiwon sorriu de um jeito compreensivo.

— Logo vai ser. — ele disse. — Vocês só precisam aguentar um pouco mais.

Ela assentiu, agradecida pela compreensão dele.

O jantar seguiu como o planejado: risadas, olhares trocados, gestos carinhosos encenados. Tudo registrado pelas lentes escondidas ao redor.

Depois de uma hora, Zaria se levantou com Jiwon, e ele a acompanhou até um táxi, selando a cena com um abraço apertado e demorado.

Os flashes pipocaram outra vez.

Antes de entrar no carro, Zaria olhou para trás.

Tinha certeza de que, em algum lugar, o Sr. Kang estava observando. Ou, no mínimo, receberia as fotos muito em breve.

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No caminho de volta para casa, Zaria encostou a cabeça no vidro da janela do táxi, deixando que a cidade iluminada passasse borrada diante de seus olhos.

O telefone vibrou em seu bolso. Era uma mensagem de Yuna:

"Yuna ❤️: Você foi incrível. Estou aqui, esperando por você. Consegui uma folga."

Zaria sorriu, sentindo a tensão escoar um pouco de seus ombros.

Yuna era sua casa.

E juntas, enfrentariam o que viesse.