desmascarado

O relógio marcava nove da manhã quando Zaria entrou na sala de reuniões. O espaço parecia sufocante, as janelas fechadas e o cheiro amadeirado do carpete velho impregnando o ar. Kang Joon já a esperava, sentado à cabeceira da longa mesa de madeira. Quando a viu, ergueu os olhos, com a expressão neutra.

Zaria caminhou até o centro da sala, cada passo calculado. Colocou a bolsa sobre a cadeira sem se sentar. Não haveria cordialidades. Não haveria rodeios.

— Eu mandei fazer uma investigação para saber quem é você. — começou, com a voz controlada. — Descobri que é padrasto do Hunter.

Kang manteve o rosto impassível, mas seus dedos se enroscaram levemente nas bordas da cadeira.

— Não associei no início, porque vocês não possuem o mesmo sobrenome. E nunca fui apresentada diretamente aos pais dele. — Zaria continuou, cada palavra cortando o silêncio como uma lâmina afiada. — Mas agora tudo faz sentido. Você estava por trás das fofocas. Estava me monitorando. Manipulando a mídia para criar rumores sobre mim.

Ela deu um passo adiante, seus olhos queimando em contato direto com os dele.

— Você tinha a obrigação de proteger os meus interesses, não me sabotar. — sua voz tremeu, não de medo, mas de indignação. — Por quê?

Por um momento, Kang nada disse. O tique-taque do relógio pareceu preencher a sala.

Então, finalmente, ele falou:

— Você estragou a carreira dele. — disse, a voz baixa e grave. — Hunter é meu filho amado. Mesmo que não seja do meu sangue, é de coração.

Zaria soltou uma risada seca, incrédula.

— Eu não fiz absolutamente nada para destruir ele. — retrucou. — Ele fez aquilo consigo mesmo. Antes de você aparecer na minha vida, eu já estava em um relacionamento abusivo. — seus olhos brilharam de raiva. — Você tomou as dores dele... e invalidou as minhas.

Ela respirou fundo, tentando controlar o tremor que subia pela espinha.

— Você não tinha esse direito. — disse, cada palavra carregada de verdade. — Eu não subornei pessoas para falarem dele nas mídias. Eu nunca manchei o nome dele. Mas você fez isso comigo.

Kang desviou o olhar, encarando a mesa como se pudesse encontrar ali alguma justificativa para seus atos.

— Lamento que tenha sido assim. — disse enfim, a voz vazia. — Mas essa foi a minha forma de fazer justiça.

Zaria cerrou os punhos.

— Justiça? — sua voz saiu num quase grito, mas ela rapidamente se conteve. — Isso é um absurdo. Você se meteu numa história que nunca foi da sua conta. O seu filho "amado" é um abusador, e eu não fui a única vítima. Várias pessoas relataram o que ele fez. Se o senhor compactua com isso, eu não quero tê-lo perto de mim.

O silêncio entre eles se esticou, pesado e opressor.

Zaria se obrigou a relaxar as mãos. Endireitou os ombros. Ela não queria perder o controle — não por ele.

— A partir de hoje, você não é mais meu empresário.

Kang não reagiu. Talvez soubesse que esse momento chegaria.

— Por consideração... — Zaria prosseguiu, o olhar cravado nele — não vou denunciá-lo para a gravadora. Não vou expô-lo pelas violações de contrato, pelas quebras dos termos de confidencialidade, pelas armadilhas que me preparou. Não porque você mereça. — Zaria disse, a voz embargada de tristeza. — Mas porque eu não sou como você. Nem como o Hunter. E não irei perder meu tempo e nem minha saúde mental por causa de vocês. Apenas suma da minha vida e não me procure nunca mais.

O rosto de Kang tremeu por um breve instante — quase imperceptível — ao ouvir isso. Mas ele não pediu desculpas. Nem uma palavra de arrependimento saiu de seus lábios.

Zaria continuou, sentindo-se mais forte a cada frase:

— Eu não vejo prazer em destruir o nome de ninguém. Não preciso vencer ferindo os outros. E é isso que me diferencia de vocês.

Ela recolheu a bolsa, já se preparando para sair, mas parou antes de alcançar a porta.

Virou-se uma última vez, com os olhos frios, e a postura firme como pedra.

— Meus advogados entrarão em contato para formalizar tudo. — anunciou, sua voz inabalável. — Espero que esse seja o nosso último encontro.

Sem esperar resposta, Zaria abriu a porta e saiu, deixando para trás o homem que, por meses, tentou minar não apenas sua carreira, mas sua dignidade.

O corredor parecia mais longo do que nunca. Cada passo que dava era como descascar uma camada da dor que Kang e Hunter haviam causado. Era exaustivo. Era injusto. Mas era necessário.

Quando alcançou a saída do prédio, Zaria parou. Respirou o ar frio da manhã, deixando que a brisa cortasse sua pele e limpasse sua alma.

Ela estava livre.

Mesmo que a liberdade tivesse um preço alto, mesmo que cicatrizes invisíveis ainda ardessem em sua pele, ela sabia que havia feito a escolha certa.

Não vingança.

Justiça.

A justiça que vem da verdade, da dignidade, da integridade.

Zaria caminhou para longe, sem olhar para trás. O futuro era dela. E não haveria mais ninguém manipulando seus passos.

Nunca mais.

Ela caminhou até o carro estacionado na frente do prédio de luxo, seu motorista a aguardava. Pediu que ele a levasse ao endereço de sempre.

Com um gesto rápido, pegou o celular e enviou uma mensagem curta:

“Zaria❤️: Estou a caminho.”

Yuna respondeu quase de imediato:

“Yuna❤️: Estou te esperando.”

As palavras simples, cheias de paciência, atravessaram a armadura que Zaria tentava manter. Cada quilômetro percorrido parecia desfazer um pouco da tensão em seu peito.

Quando o motorista estacionou em frente à mansão de Yuna, ela sentiu o coração disparar — não de medo, mas de um anseio desesperado por algo seguro, algo real.

Ela subiu os degraus da escada de acesso. Quando bateu à porta, não precisou esperar.

Yuna abriu quase no mesmo instante.

— Oi... — disse ela, com um sorriso pequeno e acolhedor.

Zaria tentou sorrir de volta, mas o esforço foi fraco. Yuna não disse nada. Apenas a puxou suavemente pela mão para dentro, fechando a porta atrás delas.

O cheiro familiar de lavanda e chá verde pairava no ar. A luz suave iluminava o ambiente, tornando tudo aconchegante, calmo. Era como entrar num refúgio secreto, longe do mundo cruel lá fora. Cloud dormia tranquilamente em sua pequena caminha no canto.

Sem dizer nada, Yuna a envolveu num abraço.

Zaria resistiu por um segundo, teimosa, ainda se segurando para não desabar. Mas o calor dos braços dela, a segurança daquele toque... eram demais. As lágrimas vieram, deslizando pelas bochechas.

Yuna não a soltou.

Apenas a abraçou mais forte, como se pudesse colar cada pedaço partido que Kang havia quebrado.

— Você está segura agora, amor — murmurou Yuna contra seus cabelos. — Eu estou aqui.

Zaria fechou os olhos e se permitiu. Permitiu sentir. Permitiu ser fraca. Permitiu chorar.

Depois de longos minutos, quando o choro cessou e tudo o que restava era uma respiração entrecortada, Yuna a puxou gentilmente para o sofá.

Sem romper o contato, apenas a mantendo perto, ela sussurrou:

— Quer me contar?

Zaria estava exausta. Mas sabia que, com Yuna, podia ser verdadeira.

— Ele... — começou, a voz rouca. — Kang. Ele admitiu. Disse que fez tudo para se vingar por causa do Hunter.

Yuna não reagiu com raiva ou choque. Apenas apertou sua mão, sinalizando que estava ouvindo.

— Disse que era "justiça". — Zaria deixou escapar uma risada amarga. — Como se destruir a minha vida fosse algum tipo de reparação.

Yuna franziu os lábios, os olhos brilhando com uma indignação silenciosa.

— Você foi incrível. — disse baixinho. — Em colocar um fim nisso.

Zaria a olhou.

— Eu me sinto... suja. — confessou. — Como se ter permitido que ele se aproximasse já fosse culpa minha.

— Não é. — Yuna respondeu. — Você confiou. Isso não é um erro. O erro é deles, amor. Não seu. Você não tinha como saber quem era aquele homem de fato.

Zaria abaixou a cabeça, os olhos fixos nas mãos entrelaçadas nas dela.

— Eu queria ser mais forte. — sussurrou.

Yuna sorriu com ternura.

— Você é a pessoa mais forte que eu conheço. Só por ter aguentado tudo isso.

Zaria ergueu o olhar, surpresa pela certeza nas palavras dela.

Yuna acariciou sua bochecha, afastando uma mecha de cabelo grudada pelo choro.

— Força não é nunca cair. — disse, com suavidade. — É levantar, mesmo quando tudo em você dói.

Zaria fechou os olhos, absorvendo cada palavra como bálsamo para sua alma machucada.

— Você nunca mais vai passar por isso sozinha. — Yuna prometeu, sua voz como uma âncora firme. — Eu estou com você. E sempre vou estar.

Zaria inclinou a testa contra o ombro dela, buscando aquele calor que só Yuna sabia oferecer.

— Obrigada por ficar do meu lado — murmurou, sincera, quebrada e, ao mesmo tempo, renascendo.

Yuna beijou o topo da cabeça dela com delicadeza.

— Sempre, vida. Sempre.

Naquele pequeno sofá, no silêncio acolhedor dos braços de Yuna, Zaria soube que não precisava mais lutar sozinha.

Ela podia simplesmente... descansar.

Finalmente.