Parte 4 — O Dono no Escuro

Anna acordou com o sol ainda tímido invadindo as frestas da janela. Um peso estranho no peito fazia seu coração bater diferente — mais rápido, mais inquieto. Naquela manhã, algo parecia ter mudado no ar, um silêncio que falava, uma sombra que se movia sem ser vista. Ela se virou lentamente, os olhos ainda grudados na escuridão tênue do quarto, tentando entender de onde vinha aquele desconforto que não lhe dava sossego.

A rotina parecia a mesma, mas ela sentia uma presença invisível, um olhar que não se afastava. O bairro continuava modesto, os vizinhos ainda cumprimentavam com a mesma cordialidade, e o vento levava os sons costumeiros das ruas. Mesmo assim, Anna não conseguia afastar a sensação de que alguém estava ali, observando cada movimento, cada gesto seu.

Sentou-se na cama, as mãos tremendo levemente. Passou os dedos pelo rosto, tentando espantar o medo que se enroscava em sua garganta. “Estou exagerando,” pensou, mas a dúvida já lhe corria nas veias como um veneno silencioso. No espelho do banheiro, ela demorou mais que o normal para encarar o próprio reflexo — aquela jovem de olhos castanhos claros, que carregava no olhar uma mistura de esperança e desgaste, parecia agora uma desconhecida, como se a escuridão tivesse invadido não só o quarto, mas também sua alma.

Enquanto preparava o café, a mente de Anna divagava, os pensamentos presos em uma teia invisível. A festa da noite anterior ainda pulsava em sua memória — as luzes, os risos, o glamour distante daquele mundo que ela nunca imaginara tocar. O convite de Léo ecoava como uma promessa e uma ameaça. Ela sabia que aquele emprego temporário poderia ser a faísca que mudaria seu caminho, mas a inquietação dentro dela crescia, alimentada por aquela presença que a fazia se sentir tão pequena e exposta.

---

Do outro lado da cidade, em um apartamento escuro e luxuoso, Rafael deixava cair no chão a taça de champanhe meio cheia. Seu corpo, ainda quente e suado, mal podia disfarçar o êxtase recente, mas sua mente já não estava na mulher que acabara de satisfazer. Seus dedos ainda sentiam o toque dela, a pele macia, mas seus pensamentos voltavam, sempre voltavam, para Anna.

Ele se deitou na cama com uma respiração pesada, os olhos fitando o teto como se ele pudesse responder às suas inquietações. A imagem de Anna aparecia em sua mente com clareza dolorosa — o jeito como ela caminhava, o sorriso tímido, os olhos que pareciam esconder tanto e ao mesmo tempo pedir para ser salva. Aquela obsessão crescia, sufocava, dominava. Ele não podia tirá-la da cabeça, nem por um segundo.

Rafael se lembrou da festa, da mulher que o procurara depois que o barulho e a música diminuíram. Ela era linda, sedutora, envolvente, e no calor do momento, ele se entregou. Mas mesmo naquele encontro, seus pensamentos eram traidores — em vez de sentir prazer, sentia culpa, inquietação, como se aquela entrega fosse uma traição à imagem de Anna que dominava sua mente.

“Ela é minha,” ele murmurou para si mesmo no silêncio do quarto, os olhos brilhando de uma possessividade feroz. “Ela é só minha.”

O ciúme invadiu seu peito como uma chama ardente. Só de imaginar que outro homem poderia sequer olhar para ela, falar com ela, ele sentia uma raiva quase irracional. Rafael, homem da máfia, acostumado a controlar tudo e todos, se via impotente diante daquela vontade cruel e obsessiva. Não queria que Anna soubesse, não ainda. Mas também não podia se afastar.

---

Na manhã seguinte, Anna tentou seguir sua rotina como sempre, mas cada barulho, cada sombra parecia um aviso. No trabalho, ela servia os clientes com o sorriso costumeiro, mas sua cabeça estava longe, os olhos sempre buscando, desconfiados. O bairro parecia mais fechado, como se todos guardassem um segredo que ela não podia entender.

Quando alguém batia na porta do quarto dela, ela se assustava, mesmo que fosse só o vento. Naquela tarde, ao voltar da lanchonete, sentiu um arrepio estranho ao atravessar uma rua deserta. Virou a cabeça de repente, como esperando ver alguém — mas só havia silêncio e o movimento das folhas ao vento.

“Você está se tornando paranoica,” repetia para si mesma, tentando afastar o medo. Mas, à noite, ao fechar as janelas, trancando cada porta, a sensação só aumentava. Ela sentou na cama, as mãos entrelaçadas, olhando para a sombra que a luz do poste projetava na parede.

Era como se um olhar invisível atravessasse as paredes, a seguisse, a vigiava. E a ideia de que ela não estava sozinha a fazia sentir-se ao mesmo tempo protegida e ameaçada, como uma presa que não sabe se tem um protetor ou um predador.

---

Rafael não dormia. Não conseguia. A imagem de Anna dominava cada pensamento, cada impulso. Ele sabia onde ela morava, o caminho que fazia para o trabalho, o horário que ela chegava e saía. Como um dono zeloso, ele começava a vigiar de longe, a controlar tudo sem que ela soubesse.

Ele sentia um prazer doentio ao imaginar ela sendo só dele, mesmo que ainda estivesse distante, inalcançável. Qualquer coisa que fugisse ao seu controle o enfurecia — uma conversa com um homem, um sorriso para um estranho, uma atitude que ele não entendia.

Naquela noite, depois da festa, Rafael tivera sexo com outra mulher. Ela era linda, excitante, mas seu corpo não respondia plenamente. A mente de Rafael estava longe, em outro lugar. Ele fechava os olhos e via Anna, seu rosto iluminado por uma luz tênue, seus olhos grandes, sua boca entreaberta.

Mesmo no prazer, ele sentia um vazio. A mulher ao lado parecia um mero objeto, um distração sem importância. Rafael desejava algo muito mais profundo, obsessivo e exclusivo: Anna.

“Ela será minha. Só minha,” ele repetia, o tom ficando mais sombrio, mais possessivo.

---

No dia seguinte, Anna percebeu algo estranho: seu olhar parecia encontrar sombras que não estavam ali, passos que não ecoavam. A sensação de estar sendo observada se tornou mais forte, mais palpável. Ela sentia que alguém acompanhava seus movimentos, que a espreitava sem ser visto.

Naquela tarde, ao abrir a janela para arejar o quarto, uma sombra rápida passou do lado de fora, um vulto que desapareceu tão rápido quanto apareceu. O coração de Anna disparou, e um calafrio percorreu sua espinha.

Ela fechou a janela com força, olhando ao redor, tensa. O silêncio era pesado, carregado de uma presença invisível. Ela tentou se convencer de que eram apenas seus medos, mas no fundo sabia que algo estava errado — muito errado.

---

Enquanto Anna lutava para entender aquela nova realidade, Rafael observava tudo de longe, escondido nas sombras da noite, como um dono que cuida de sua posse. Seu ciúme era uma fera que crescia a cada minuto, e sua possessividade, um fogo que não podia mais controlar.

O que ele não sabia era que essa obsessão estava criando um jogo perigoso, em que ele e Anna eram peças de um tabuleiro invisível — um jogo que poderia mudar para sempre o destino dos dois.

E naquela noite, enquanto Anna se deitava, exausta, sentindo o peso da vigília invisível, ela teve a certeza — alguém estava observando. Não era apenas medo ou imaginação. Era real. E estava muito perto.