CAPÍTULO 5 – Correntezas e Corrupções (parte 1 de 3)

Parte 1 – O Peso da Água

Os dias seguintes à batalha no orfanato foram calados.

Não por medo. Mas por respeito.

As crianças sabiam, mesmo sem entender. As paredes contavam a história que os adultos ignoravam. A árvore onde Ayarun morreu agora parecia mais viva, mesmo seca.

As folhas rangiam ao vento com sons que lembravam respirações contidas.

Shin, isolado, pouco comia. Pouco falava. Passava horas sentado diante da poça onde plantara a lágrima da maré. A flor azul resplandecia suavemente à noite. Sua fragrância não era doce, mas fresca, como neblina nas margens de um rio.

『Técnica da Maré Demoníaca – Treinamento autorizado』

『Recomenda-se prática em ambientes úmidos. Atenção: corpo ainda em

desenvolvimento.』

No subsolo do orfanato, entre paredes mofadas e canos quebrados, Shin criara seu refúgio. Um espaço de pedra onde a água acumulava em poças sujas, mas perfeitas para cultivo do fluxo interno.

Ali, começou a praticar o primeiro movimento completo: Fluxo Contínuo da Pele.

Não era uma técnica agressiva. Era defensiva. Transformava o Qi do corpo em uma película invisível que desviava ataques através da curvatura do próprio impacto. Mas fundi-la com o Vazio era um desafio.

O Vazio apagava.

A Água redirecionava.

Fundir as duas forças era como tentar ensinar o silêncio a dançar.

Shin tentava. Caía. Suava. Vomitava sangue uma vez.

E o sistema sussurrava:

『Compatibilidade aumentando: 22% → 34% → 48%』

『Desbloqueio parcial: Reflexo de Maré – Ativado』

『Progresso corporal: avançando além do esperado. Cautela recomendada.』

Com o tempo, Shin conseguiu andar com o corpo envolto por um campo invisível.

Quando uma pedra era lançada contra ele, desviava-se sutilmente, como se repelida por um campo d’água.

Mas cada sucesso era seguido por exaustão.

A água exigia continuidade. E o Vazio… devorava.

A harmonia ainda era distante.

A Chegada da Guilda

Quatro dias após o ataque dos mercenários, três homens chegaram à cidade de Rion vestindo mantos cinzentos. Não ostentavam emblemas. Mas seus olhos brilhavam como

aço antigo. Seus passos não deixavam poeira.

A Guilda dos Olhos Cinzentos não enviava tropas. Enviava olhos. E Saren Vehl era o mais afiado entre eles.

Disfarçado como agente de investigação sob ordens do Conselho das Relíquias

Perdidas, Saren visitou o local do combate. Tocou os vestígios de Qi com luvas de seda espiritual. Analisou o fluxo residual da técnica. E sussurrou:

— Vazio. E água. Que combinação rara…

Ajoelhou-se entre as cinzas da explosão espiritual.

— Ayarun… então ainda vives?

Silêncio.

Saren se levantou e caminhou até o orfanato. Pediu entrada como emissário da Guilda — e foi recebido com reverência. Ninguém o reconheceu. Ninguém o questionou.

Seu olhar varreu o pátio. As crianças o evitaram.

Mas uma chamou sua atenção.

Um menino magro. Cabelos escuros. Olhos fundos. Sem aura perceptível, mas… algo vibrava.

Como um lago que engole o som.

— Interessante — murmurou.

Não o abordou. Apenas observou.

Naquela noite, esperou que todos dormissem.

Foi até a árvore.

Ajoelhou-se. E entre as raízes, selou um fragmento espiritual com Qi lunar.

Meia-lua negra. Três pontos. O símbolo da Guarda Silenciosa da Lua Eterna.

— Se fores mesmo quem penso que és… me encontrarás.

E sumiu nas sombras.

A Descoberta

Na manhã seguinte, Shin estava fraco. O treino da madrugada o deixara com tontura e febre espiritual. Caminhava com esforço até a flor de Ayarun quando sentiu algo sob os pés.

As raízes da árvore vibravam levemente.

Ele se ajoelhou.

E viu.

O símbolo.

Meia-lua. Três pontos. Uma marca esquecida.

O sistema reagiu:

『Símbolo de assinatura reconhecido: Família Lunaris. Autenticidade: 99.3%』

『Alerta: presença amigável detectada. Coordenadas marcadas.』

Shin segurou o fragmento como se fosse uma joia viva.

Algo dentro dele sussurrou: Não estás sozinho.

Mas também soube de algo mais importante:

Alguém está observando. E sabe exatamente quem ele é.