CAPÍTULO 5 – Correntezas e Corrupções (parte 2 de 3)

Parte 2 – O Descompasso do Silêncio e da Água

No subsolo escuro do orfanato, onde fungos cresciam entre rachaduras e ratos passavam

por corredores esquecidos, Shin treinava em silêncio.

Mas algo estava errado.

A Técnica da Maré Demoníaca exigia continuidade, movimento, elasticidade. Já o

Vazio exigia cancelamento, desaparecimento, ruído zero. Quando Shin fundia os dois, criava um Qi instável que o sistema começava a chamar de “Qi Quebrado”.

『Aviso: Incompatibilidade parcial detectada. Pressão espiritual excedendo os limites

do corpo infantil.』

『Sintomas: Sangramento interno leve. Fadiga neural. Distorção de percepção temporal.』

Mesmo assim, Shin insistia.

Em sua mente, Ayarun ainda se curvava diante da lança cinzenta. A flor azul ainda

pulsava. O símbolo da meia-lua permanecia marcado dentro do peito.

Durante as sessões mais intensas, o tempo parecia parar. Às vezes, Shin pensava estar

meditando por minutos — e acordava horas depois.

Em uma noite particularmente pesada, conseguiu executar com sucesso um movimento de transição entre as duas técnicas:

Fluxo Silencioso — uma adaptação incompleta que permitia ativar a proteção da Maré sem emitir qualquer assinatura espiritual perceptível.

O sistema respondeu:

『Técnica híbrida registrada: Fluxo Silencioso (nível 0 – em desenvolvimento)』

『Afinidade com fusão Vazio/Água: 62%. Nova via de cultivo detectada: Caminho do

Oceano Sombrio.』

Mas o preço foi alto. Sangue nos olhos. Um dos meridianos rachou. E por horas, não

conseguia se mover.

Ao acordar, encontrou uma pequena fruta medicinal diante de si.

Não havia ninguém por perto.

Mas ele sabia.

Saren o observava.

O Apagador de Rastos

Enquanto Shin lutava em silêncio, Saren se movia nas sombras de Rion como um ator

silencioso. Tinha nome falso, credencial oficial da Guilda dos Olhos Cinzentos e uma

postura de burocrata investigativo.

Três investigadores de campo haviam sido enviados para revisar a morte dos

cultivadores mercenários. Dois eram leais à Guilda. O terceiro… não era.

O homem chamava-se Rhan Seoryun. Estava ligado indiretamente à Família Sangvrael e desconfiava que técnicas do culto estivessem ressurgindo.

Saren o observava em silêncio. Nunca o confrontava. Mas constantemente apagava os rastros que Rhan seguia.

Durante a manhã, Rhan investigava a árvore no pátio do orfanato. Saren, à noite,

apagava os resquícios espirituais.

Durante o dia, Rhan recolhia traços de Qi negro nos corredores.

À noite, Saren os substituía por traços de técnicas menores — como se tudo tivesse sido um conflito entre gangues locais.

Em pouco tempo, a investigação oficial foi declarada inconclusiva.

Saren, em seu relatório, disse:

— “Restos de técnicas do submundo, não relacionadas ao Culto. Invasores eliminados

por outra facção desconhecida. Recomenda-se encerrar caso localmente.”

Na calada da noite, queimou o relatório verdadeiro. O que dizia:

— “Técnica híbrida de Vazio e Água detectada. Usuário: criança. Possível herdeiro do Sistema. Proteção necessária.”

A Chave da Lua

Em sua terceira noite após descobrir o símbolo, Shin usou o sistema para analisá-lo.

『Símbolo da Lua Silenciosa: Artefato espiritual da Família Lunaris』

『Função: Chave sensorial. Pode ativar dispositivos lunares selados ou transmitir

memórias espirituais codificadas.』

O sistema permaneceu silencioso por um tempo.

E então, como se ativado por uma combinação específica de Qi, revelou:

『Fragmento de memória registrado. Deseja acessá-lo?』

Shin hesitou.

Sim.

A imagem que surgiu em sua mente era tênue — uma mulher de longos cabelos

brancos, olhos prateados, e uma voz doce como névoa noturna.

— Se um dia vires este símbolo… saiba que nem tudo foi perdido. A Lua observa o

Vazio. E uma criança da noite ainda pode caminhar sob nossa luz.

A imagem sumiu.

Shin não entendeu tudo. Mas compreendeu uma coisa: havia alguém que sabia quem ele

era. E essa pessoa não era inimiga.