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O clima estava nublado, era típico do inverno em São Francisco na Califórnia. Eu gostava de admirar a paisagem pela janela da sala de jantar, um céu meio acinzentado em contraste com as folhas verdes das árvores que cercavam parte da atmosfera. No café da manhã, eu me desligava da conversa pararela dos meus pais, fazia isso a maior parte do tempo. Não era algo pessoal tipo "odeio meus pais", era só que depois que terminava o ensino médio eles sempre entravam em uma discussão sobre o que vou fazer com meu futuro, como se eu não existisse, com se eu não estivesse lá, ou como se eu não pudesse decidir o que eu faria com minha própria vida. Era cansativo, cansativo demais! A primeira pergunta que meu pai fez, quando cheguei na escola após meu último dia de aula foi: 

"- Agora minha garota está pronta para assumir os meus negócios, não é?" 

A minha resposta basicamente foi revirar os olhos e dizer:

"- Obrigada pelas felicitações, pai! Foi realmente ótimo terminar o ensino médio já tendo o resultado de aprovação em Harvard."

Eu não era inteligente mas gostava de estudar, às vezes passando horas estudando por puro entretenimento. Não gostava de sair de casa, não gostava de conversar com minha mãe quando meu pai estava presente, não tinha um animal de estimação pois mamãe era alérgica e eu julgava as pessoas ao meu redor como esnobes e egocêntricas demais para querer estar perto. Eu tinha colegas de classe, mas nunca consegui construir um ciclo duradouro onde pudesse denominar amizade. Costumava ser boa em esportes e me interessava por eles mas sendo filha do meu pai, eu sempre me inscrevia nas aulas como pintura ou costura. Não por que eu queria, mas porque meu pai era um homem machista onde em seu cérebro, que muitas vezes eu via como o tamanho de um caroço de mostarda expressava coisas como "você não acha que isso é coisa de menino?"

Mas acho que ele só não queria que eu fosse bom em algo que ele nunca foi, já ouvi mamãe dizer que ele era uma banana na escola e só conseguiu abrir um bar e obter sucesso com isso porque uma "grande sorte" entregue para ele. Nós não éramos ricos, mas tínhamos uma boa condição financeira. Bebida deliciosa, petiscos e música ruim em conjunto sempre chama atenção de corações partidos e era por isso que os negócios do meu pai iam bem. Eu não tinha uma opinião formada sobre como me sentia em relação ao trabalho dele, eu só detestava quando o bar estava muito cheio e eu tinha que deixar de estudar, correr até lá para dar um apoio ou quando os amigos do meu pai iam visitar-los pós expediente e meu pai bebia junto com eles. A maioria das vezes bebia para passar dos limites, se tornava agressivo e muitas vezes machucava minha mãe. Sendo com palavras, empurrões ou agressões mais sérias.

No outro dia, era sempre a mesma merda. Um pedido de perdão, uma promessa quebrável e lágrimas nos olhos. Era nítido que minha mãe se sentia envergonhada com tal situação, mas nunca entendi porque ela nunca conseguiu deixá-lo. Ele nem era bonito, muitas vezes encontrou ele até porco, minha mãe limpava toda a sujeira que ele fazia. Seja na casa, fisicamente cobrindo com maquiagem ou emocionalmente sempre dizendo que estava tudo bem. Eu odiava aquilo. Odiava estar ali. Odiava aquela situação. Todas as vezes que ouvia a voz dele bêbada ao chegar em casa, a minha vontade era desaparecer ou descer as escadas e arrebentar qualquer coisa na cabeça do meu pai para que ele soltasse minha mãe mas como a boa covarde que sou, só colocava meu fone de ouvido, trancava a porta do quarto e esperava tudo passar.

- Não é verdade, querida? Mamãe me tira da minha submersão.

- Desculpe, mãe. Eu não te ouvi. Assumo envergonhada.

- Disse ao seu pai que caso seja da sua vontade, você pode assumir Harvard. Ela me lançou um olhar solidário.

- Ela não vai fazer isso! Eu passei a vida construindo um império para que meus filhos tomassem de conta quando saísse do ensino médio para que no fim, minha única filha quisesse ir para a faculdade, é isso mesmo? Ele me reprova com um olhar.

Coloquei um sorriso irônico nos lábios e disse:

- Sinto muito por ter sido sua única filha e por frustrar sua expectativa, mas eu realmente não quero me envolver com seu império. Disse império fazendo aspas com os dedos.

Ele apoia os cotovelos sobre a mesa, cruza as mãos me encara com o mesmo olhar severo e me pergunta:

- Então, você quer mesmo ir para Boston? Você quer mesmo ficar a quase oito horas de distância de nós que somos seus pais?

Respirei fundo. A verdade é que quando me inscrevi em Harvard nunca esperei conseguir aprovação, só resolvi fazer a prova por entretenimento e quando entrei no portal e vi o resultado fiquei bastante surpreendente. Eu estava decidindo, embora saiba que não era uma oportunidade que se devesse jogar fora, mas também não queria ficar tão distante dos meus pais, ou pelo menos da minha mãe.

- Pai, eu ainda não decidi. Não sei o que vou fazer, mas não vou levar conta das suas coisas. O encarei de volta.

Dessa vez quem respirou fundo foi ele, colocou uma garfada dos ovos mexidos preparados pela minha mãe na boca e mastigou como se estivesse comendo grama. 

Termino de comer meus cereais, peço lincença aos meus pais e subo as escadas, vou para meu quarto e verifico meu celular, havia uma nova mensagem, abro o aplicativo e leio dando mais atenção do que deveria:

"Qual é, Blair? Vai mesmo ficar sem falar comigo? Foi só uma brincadeira, eu só queria manter nossa amizade."

Matthew estava delirando. Não era possível que esse babaca não me deixasse em paz nem mesmo após um mês depois do ocorrido e com uma semana depois do fim do ensino médio. Eu não sei que tipo de bruxaria esse maldito havia feito para conseguir meu número mas depois de se espalhar para toda a escola a inverdade de que havíamos transado e eu nem era aquilo tudo, manter um coleguismo seria loucura. Não respondo Matthew, não vale a pena. Apenas bloqueie o número excluído do meu aplicativo.

Passo o resto do dia no quarto lendo artigos científicos sobre alimentos, desço para fazer minhas refeições e retorno ao meu quarto. Gosto do meu quarto, embora ele ainda tenha as paredes pintadas de rosa bebê. Detesto rosa, mas gosto do contraste que a cor da madeira maciça dos movimentos causa no ambiente. 

Meu pai sai para trabalhar às 17hrs, então desço as escadas e vejo minha mãe sentada na sala de jantar no lugar que eu costumo sentar, com uma xícara nas mãos apreciando a paisagem que se deixa ser vista pela janela.

- Oi mãe. Digo sorrindo para ela.

Ela abre um sorriso tímido, sei que quer me falar alguma coisa. Vou até o armário branco com portas amareladas, pego uma xícara, sirvo um pouco de chá sem saber qual o sabor e me sento ao seu lado na mesa de seis cadeiras.

- Eu queria o mesmo que você fosse para Harvard, Blair.

- Vocês só falam disso agora. Me torno impassível

- Sou sua mãe, você não acha que existe um motivo para eu querer você longe daqui? Ou você acha que realmente me sinto feliz pensando em ter você a quase nove horas de distância?

Reflito, eu sei o porquê mas quero que ela tenha coragem de me dizer para que eu tenha certeza de que ela não é tão ingênua.

- E qual é o motivo?

Ela segura minha mão, sinto as mãos geladas e macias, sem me olhar diz:

- Você acha que eu não percebi o quanto estou infeliz nesta casa? Quando você estudava, fazia aulas complementares todos os dias. Será que você gosta tanto de estudar? Blair, saia dessa casa e procure ser feliz em outro lugar.

- E por quê você também não pode fazer isso? Vamos, mãe. A gente não precisa dele. Podemos arrumar um emprego, alugar uma casa, ajeitar nossas coisas, depois abrimos um comércio.

- Blair, ele não deixaria a gente em paz! As coisas não são simples assim.

- São sim, mãe! É só a gente se organizar e ir! Mãe, eu odeio o que ele faz com você! Odeio! Ódeio ver você se maquiando como uma boneca para esconder o que ele faz. Ver você limpando toda a sujeira dele. Eu simplesmente odeio. Desabafo. Respiro fundo e controle as lágrimas que quase saem.

Ela me olha com lágrimas nos olhos e diz:

- Então, por quê quer se manter aqui e esperar que ele faça com você, o que faz comigo?

- Ele não seria capaz de encostar em mim.

Ela me lança um olhar marejado dizendo que a ingênua sou eu em pensar desta forma.

- Não quero deixar você aqui.

- Blair, você não pode me salvar, mas pode salvar a mesma coisa. Ela diz sorrindo de maneira amorosa como sempre faz.

Encaro a janela, então ela muda de assunto e começa a falar sobre como somos parecidos. Eu não concordo tanto. Minha mãe é uma pessoa mais doce e gentil que já conheci em toda a minha vida. Uma mulher limpa, amorosa, carrega consigo uma majestade digna da corte real. Delicada em tudo o que faz, educada, vaidosa e eu sou apenas eu. Meu cabelo longo castanho escuro entra em contraste com minha pele branca e meus olhos azuis, fisicamente éramos bem parecidos mas os olhos da minha mãe era o que mais gostava nela. Eram sempre tão expressivos, imersos, azuis como o oceano, tinham um brilho capaz de ofuscar qualquer treva. Ela passando por tudo, sem dizer uma única palavra, o corpo deixava evidente a marca da infelicidade dela mas os olhos estavam sempre vivos, felizes, emitindo amor.

Depois de passar um bom tempo conversando com minha mãe, sinto meu coração quentinho, subo as escadas, tomo um banho rápido, coloco meu pijama e me deito em minha cama, rindo da boa sensação que sinto quando passo um tempo sozinha com ela. Escuto a porta da casa se abrir e logo depois, a voz embolada do meu pai. Ele estava bêbado. A minha felicidade vai embora tão rápido como a água que escorre pelo ralo quando tomamos banho. Eu já sei o que vai acontecer, levanto, tranco a porta e coloco meus fones de ouvido. Eu nunca sei porque eles brigam, ou porque ele bate nela mas seja qual pelo motivo nada justifica o que ele faz com minha mãe.

Não tenho certeza se cochilei ou apenas tive um devaneio, mas sinto a energia da casa e ela me parece calma. Levanto abro a porta do quarto, escudo o ronco do meu pai, caminho até a porta do quarto e o vejo desmaiado na cama deles mas não vejo minha mãe. Caminho rápido até o banheiro e ela também não está. Desço as escadas correndo, passo pela sala e não a vejo. Entro na cozinha, acendo a luz e me assusto, há muitos vidros quebrados no chão e junto deles vejo sangue e minha mãe desmaiada.