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Gelei. Mamãe que estava desacordada sobre o estilhaço de cacos de vidro, usava um hobby na cor azul tiffani, uma calça de algodão molenga não estampava sangue embora fosse perceptível que ela estava bastante machucada. Uma das pantufas dela ainda estava no pé, em meio ao desespero não consegui localizar a outra, mas isso não importava, jamais importaria. Eu só preciso ver que minha mãe estava bem e me certificar de que aqueles olhos azuis ainda estavam vivos.

Corro rapidamente sem me importar com os vidros cortando a pele fina dos meus pés, não me importo nem mesmo quando o sinto algo perfurar meu joelho ao colocar a cabeça de minha mãe em meu colo tirando toda a sua cabeleira de seu rosto e sinto seu coração batendo, suspiro de colapso. Observo alguns cortes em sua bochecha, um olho arrocheado, um corte nos lábios inferiores e outro corte próximo ao cabelo na testa. Sinto pena de minha mãe, eu a chamo três vezes e ela não responde.

Coloco o rosto de mamãe novamente no chão com cuidado, procurei pelo álcool que geralmente fica guardado embaixo do armário da pia, coloquei um pouco em uma de minhas mãos e aproximo o líquido transparente perto de suas narinas. Aos poucos minha mãe vai torcendo o rosto, empurra minha mão com gentileza e abre os olhos vagarosamente, com a voz fraca diz:

- Blair? Você está bem?

Ela era o ser humano mais explêndido do mundo. 

- Eu que devo te perguntar isso. Tento parecer calma mas sei que minha raiva está deixando rastros.

Eu ajudo a levantar e sentar com as costas encostadas no armário, me sento ao lado dela e digo: 

- Precisa ir ao hospital.

- Não posso! Eles vão investigar e irão saber que sofro agressões.

- Por Deus, mãe! Por quanto tempo você vai apoiar o que ele faz?

- Blair.. Ela usa o tom de reprovação com a voz ainda fraca.

Reviro os olhos e torno a questiona-la:

- Qual é o motivo? Por quê ele faz isso com você?

Ela está nitidamente cansada, respira e diz:

- Geralmente quando ele chega bêbado, quer falar com você, quer te ver. Eu não sei o que passa na cabeça dele..

Eu a encaro espantada e declaro:

- Blair, eu sou sua mãe. O que espera que eu faça?

Fizemos um breve silêncio, eu não pude acreditar que toda aquela situação era porque ela tinha medo de fazer algo comigo. Carl, meu pai, não merecia minha mãe. Ele era feio, eu não tinha nada dele, era completamente diferente de nós, nunca entendi porque minha mãe escolheu se casar com ele. Sem me olhar, com a voz fraca e determinada ela diz:

- Blair, preciso que você se inscreva em outra faculdade.

Sem entender, suspiro dizendo:

- Me dá um motivo.

- Nós vamos embora! Mas ele não pode saber de nada.

- E como faremos isso? Digo com o rosto iluminado.

- Tenho uma poupança com o dinheiro da pensão do seu avô guardado, nunca usei um centavo, seu pai não sabe. Quando conseguir aprovação em outra faculdade vamos embora, sem avisar. Sinto muito querida, não podemos ir para Harvard, pois lá será o primeiro lugar que ele vai nos procurar.

Eu olho para ela sorrindo, não sei o que a fez mudar de ideia, mas estou agradecida e digo:

- Quando foi que pensou nisso tudo?

- Todas as noites. Ela declara.

Eu ajudo a levantar e sirvo de apoio para que ela vá ao banheiro, ajudo a retirar o hobby e a calça, o corpo apresenta alguns hematomas, ela para diante do espelho e se encara por alguns minutos, conseguíamos ouvir os roncos de Carl vindo do quarto ao lado, ainda se encarando no espelho ela diz:

- Eu estou um fiasco.

Observando seu corpo branco e magro, olhando o reflexo no espelho, percebo que ela está cansada, aparenta um envelhecimento, uma cara sofrida e algumas cicatrizes, e continua:

- Mas não estou morta. Ao me olhar, abre um sorriso sem graça.

Ela toma uma ducha morna, estou em silêncio sentada no vaso, limpando o ferimento do meu joelho, me questionei o que a fez mudar de ideia, mas seja lá o que tenha sido, eu estava feliz e grata, não via a hora de sair de perto de Carl, de tirar minha mãe de lá e de esquecer tudo o que vinha acontecendo no último ano, eu faria todas as provas possíveis para conseguir uma aprovação, todas aquelas que eu ainda não havia feito.

- Blair, você se importa de me acolher em seu quarto hoje? 

Ela sabia que eu jamais diria não mas era educada demais só para ir.

- Claro que não. Você em breve nunca mais vai precisar dormir ao lado dele.

Ela desliga o chuveiro, se enrola em uma toalha e eu acompanha até meu quarto. Pego um pijama e entrego a ela, tranco a porta, nos deitamos e ela me abraça, antes de dormir diz:

- Você é a coisa mais preciosa que tenho.

Demoro muito para dormir, fico observando seu rosto machucado, as pequenas rugas envolta dos olhos dando sinais, eu nunca disse a ela, mas ela também era a coisa mais preciosa que eu tinha.

Quando acordo sinto o cheiro de bacon, minha mãe já havia levantado, levanto correndo, lavo o rosto rapidamente na pia do banheiro e desço as escadas, me deparo com a mamãe ainda de pijama e sem maquiagem, o que era novo para mim. Geralmente, quando eu descia as escadas, ela já estava com uma roupa impecável e uma maquiagem bem feita. Noto a ausência de Carl.

- Bom dia, mãe! Dou um beijo em seu rosto com cuidado.

- Que bom dia diferente. Ela sorri.

- Onde ele está?

- Não sei, quando acordei ele já não estava.

- E como você está? Os machucados?

- Tomei uns analgésicos, Blair. Não se preocupe tanto.

A porta da sala abre, Carl entra com um buquê de flores, caminha até minha mãe se ajoelha e diz:

- Me desculpe! Eu estava fora de mim.

Sinto meu sangue ferver, era tão vergonhoso toda aquela cena, como se as flores mudassem o que aconteceu na noite passada, eliminando os hematomas dela, ou reformando o caráter dele. Explodi:

- Não adianta pedir perdão se não vai mudar.

-Blair! Mamãe me repreende, segurando as flores que Carl entrega a ela e me lança um olhar de melhores amigas meio que: ''disfarça''.

Carl se levanta, segura minhas duas mãos e diz:

- Me perdoe também, Blair. Sei que passei dos limites e entendo a sua raiva.

Eu o encaro, penso no que minha mãe me disse noite passada, puxo minhas mãos e não digo uma palavra, saio de perto dele. Reprimo toda a minha raiva, sei que se pudesse enfiar cada flor daquela em sua boca, eu faria. Tomo meu café contemplando a paisagem da janela me desligando da conversa forçada deles dois, sentindo meu sangue ferver. Após finalizar o café da manhã, subo as escadas e vou para meu quarto, pego meu celular e há uma notificação de um novo email da Universidade de Toronto. Eu sempre sonhei em conhecer o Canadá, para mim era um dos lugares mais lindos do mundo, limpo e organizado e foi por isso que também escolhi fazer a prova. Passei os olhos no email rapidamente e encontrei a palavra procurada: aprovada.