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A sensação de alívio ao receber o email tomou conta de mim, eu estava contando os minutos para que Carl saísse para trabalhar para eu descer as escadas e contar para minha mãe a novidade para planejarmos a nossa fuga. Resolvo estudar para que o tempo passe mais rápido, leio sobre Toronto, a faculdade, faço uma pesquisa sobre hotéis e casas, estava tão ansiosa que não pude deixar para pequisar isso com a mamãe ao lado. Após o almoço, Carl anuncia que vai sair mais cedo para se reunir com os funcionários dele. Ajudo mamãe com a louça e quando escuto o barulho do escapamento do fusca saindo da garagem e se distanciando aos poucos, olho para mamãe que está limpando a mesa com um pano umidecido com álcool e digo:

- Mãe? O que acha de morar em Toronto?

Ela me olha sorrindo e diz:

- Não me diga que.. 

- Sim, mãe! Recebi o email hoje. Vamos planejar nossa nova vida? 

- Temos que ser discreta! Carl, não pode desconfiar de nada, acho que ele seria capaz até de nos matar.

Olho pra ela assustada sem entender e apenas digo:

- Oook! Descrição.

Subimos para meu quarto, olhamos passagem para depois do dia seguinte o valor estava bastante alto mas minha mãe disse que ja estava preparada para isso. Mas que eu deveria comprar as passagens no meu cartão para que ela pagasse a fatura como todo mês, já que meu cartão diferente do de minha mãe não era vinculada a conta e Carl. Tinhamos pouco tempo, teríamos que deixar algumas coisas para trás e levar somente o essencial e teríamos que fazer isso amanhã no período em que Carl fosse trabalhar.

Deixamos tudo pronto, as passagens e as reservas em uma pousada para que pudesse dormir ao chegar e nos organizar na nossa nova cidade. Eu estava ansiosa, queria mesmo sair daquela casa, daquele ambiente, da nojeira de Carl e o melhor, levar minha mãe comigo. Ela havia mudado de ideia e sei que houve um motivo embora eu ainda não soubesse, mas um dia teria tempo para conversar sobre isso com ela. Ao finalizarmos o que era preciso mamãe confessou: 

- Blair, estou com medo.

- Vai dar tudo certo, mãe. Quando chegarmos lá vamos conseguir um emprego, uma casa para nós e talvez você até encontre uma pessoa. Digo tentando anima-la.

- Eu? Sua mãe já está velha, queirda! Mas torço para que você encontre algúem bom e que te tire um pouco de casa e te faça socializar mais.

- Mãe.. Reviro os olhos.

- Não quero que perca sua juventude como eu perdi, você deve aproveitar..

- Mãe, pra que vou namorar se nem penso em casar?

- Beijar na boca é saudável, só não pode se empolgar e acabar engravidando.

- Que isso, mãe!

Ela dá uma gargalhada, me olha com o olhar brilhante e diz:

- Você sabia que nunca me casei?

- Ué, mas e você e o papai?

- Nós só moramos juntos mas ele nunca me pediu em casamento e acho que eu nunca aceitaria.

Isso explicava muita coisa.

- Mas por quê decidiu morar junto com ele então? Mãe, ele é péssimo.

- Porquê engravidei e nunca quis compartilhar essa responsalidade com meus pais.

Fiquei confusa, meus avós jamais se negariam a ajudá-la.

- Como assim, mãe?

Escutamos a porta abrindo, Carl havia chegado mais cedo então ela sussurou:

- Um dia te conto minha história.

- Será que ele bebeu?

- Amor? Escutamos Carl chamar da escada, mamãe revirou os olhos e respondeu num tom de voz mais alto que o normal:

- Oii? Já estou descendo!

Não fiz questão de ir cumprimenta-lo, mas pelo tom de voz sabia que ele não estava bêbado. Li mais alguns capítulos do meu livro de cabeceira e pude escutar mamãe dizendo:

- Eu acho que ela pode fazer o que quiser, Carl! Ela quem tem que decidir o que vai fazer.

Não dei tanta atenção ao assunto, sei bem que ele estava tentando convencer minha mãe a apoia-lo para que eu tomasse de conta do bar dele. A noite passa rápido após, o jantar tomo um banho quente, organizo uma lista em meu celular sobre o que vou levar e me preparo para dormir.

No outro dia, nossa rotina foi completamente normal até Carl sair para trabalhar. Após isso, mamãe e eu corremos para nossos quartos para deixarmos nossas coisas separadas para que no dia seguinte colocaríamos apenas em nossa mala e partiríamos para sempre. Termino de separar minhas coisas e vou até o quarte de mamãe que está dobrando um vestido amarelo então pergunto:

- Mãe, você foi feliz em algum momento com meu pai?

Ela para, reflete um pouco e diz:

- Não, Blair. O seu pai sempre foi uma pedra no meu sapato.

- Não entendo porquê quis morar com ele ao invés de ficar com meus avós, acho que você seria mais feliz.

Ela senta na cama, me olha e começa suspirando:

- No ensino médio, quando conheci seu pai, desde o primeiro momento ele sempre se demonstrou apaixonado por mim. Eu nunca dei bola pra ele, não fazia meu tipo e eu gostava de um carinha legal na época, o nome dele era Mateo. Nós eramos amigos, flertavamos, estavamos sempre juntos, todos os nossos amigos falavam que ele também gostava de mim. Um dia, teve uma festa na casa de uma colega minha.. lembro que troquei algumas palavras com seu pai e fiquei esperando Mateo. Não sei o que aconteceu, eu não havia bebido, estava apenas segurando um copo com água nas mãos, mas fiquei exageradamente tonta, meio que perdi os sentidos. Resolvi ir para um quarto, na esperança de melhorar e conseguir ir pra casa já que Mateo não havia aparecido. Pouco tempo depois, Carl entrou no quarto e me forçou a ficar com ele. - Ela deu um sorriso sem graça - Eu tentei gritar é claro mas o som estava alto demais ou não quiseram me ajudar. Na semana seguinte, Mateo se afastou de mim..acho que porquê escutou os boatos de que Carl e eu ficamos, ele só nunca soube a verdade. Duas semanas depois, descobri que você estava a caminho, então criei toda a coragem e fui falar com seu pai, após evita-lo todos os dias depois do que aconteceu e disse pra ele, que ele assumiria as consequencias dos atos dele. Assumiria você, assumiria um relacionamento comigo e que se ele não fizesse, eu o denunciaria. Ele nunca poderia se envolver com a polícia por conta do sobrenome do seu avô que na época era um político importante. Ele havia estaguinado a minha vida, mas eu jamais deixaria ele seguir a vida como se nada tivesse acontecido, ele também seria infeliz morando junto com uma mulher que nunca o amou e sempre enfatizou isso.

Sinto um peso em minhas costas, tudo o que eu acreditava era uma mentira, minha mãe era uma excelente atriz e agora sentia muito mais nojo de Carl, respiro fundo, sem digerir o que escutei e pergunto:

- E Mateo?

- Depois de se afastar de mim e do seu pai assumir um namoro comigo, ele nunca mais nem me olhou, nunca conseguiu nem me dizer o que sentia ou se sentia.

- Mãe, por toda minha vida.. achei que a sua história com meu pai era diferente. Não seria mais fácil, esquecer tudo e seguir sendo feliz com outra pessoa?

- Blair, até seria mais fácil mas eu não poderia deixa-lo sendo feliz..se eu o denunciasse, ele receberia uma pena, pagaria por ela, com o tempo me esqueceria e a vida ia seguir. Enquanto eu, teria que lidar com o trauma, com a perda do Mateo, te criar sozinha, ser julgada pelo seus avós a quem eu morria de medo de decepcionar .. se ele era apaixonado por mim a ponto de fazer o que fez, ele teria que assumir os atos dele.

- Não foi difícil pra você me amar? Tipo, ele violentou você e eu sou consequência disso.

- Eu confesso que nos primeiros meses, eu pensava em dar você para a adoção.. mas quando senti você me chutar pela primeira vez pensei comigo mesma "ela não tem culpa e eu jamais vou deixa-la carregar o peso dos atos dessa cara". Quando você nasceu e logo me olhou, eu vi que não se parecia nada com ele pensei "você é minha, somente minha". Você nunca foi o difícil, difícil foi sustentar por muito tempo um relacionamento sem amor.

- Mãe e como você.. tipo.. consegue dormir com ele?

- Quando decidimos morar juntos, você ja tinha um ano.. então a mais ou menos dezesseis anos que só durmo na mesma cama.

- Tipo, vocês nunca..

- Nunca! Ele dá os pulos dele, sabe? Não é como se eu me importasse.

Era a coisa mais estranha do mundo, era impossível acreditar no que eu estava ouvindo.

- Mas e você?

- Bom, eu tenho um .. alívio. Ela ri consigo mesma e continua - Gosto de chama-lo assim, nos vemos quando as coisas apertam. 

Ruborizo e ela diz:

- A vida pode ser muito louca, Blair. E ás vezes você só precisa seguir o roteiro.

- Por quê mudou de ideia? De ir embora? Você se negou muitas vezes antes de aceitar.

- Tenho medo do que ele pode fazer. Quando o chatageei dizendo que ele teria que assumir os atos dele ou eu contaria tudo para a polícia e que sujaria o nome da família dele a ponto de prejudicar seu avô, ele disse que faria o que eu quisesse mas desde que eu não me arrependesse pois ele jamais me deixaria viver em paz carregando esse segredo. Então, meio que nos prendemos um ao outro. Me dediquei em ser uma boa esposa na medida do possível, me deidiquei a cuidar da casa e é isso. Mudei de ideia porquê assim como você, eu também preciso me dar a chance de tentar ser feliz e sei que se eu não for, você não vai. E isso só me leva a acreditar que as agressões vão piorar ou podem chegar até você.

- Você é muito forte, mãe! Eu jamais conseguiria ser como você.

Ela se levanta, da um beijo em meu rosto e diz:

- Eu não mudaria nada. Hoje sou feliz só por ter um filha como você.

Ela olha em volta do quarto e diz: 

- Bom, minhas coisas estão prontas e as suas..? Tudo pronto?

Concordo com a cabeça.

O dia passa rápido assim como a noite, após o jantar subo as escadas e sinto o corpo pesar, tomo um banho quente, me jogo na cama com o pijama usado na noite anterior e choro por quase duas horas. Era inacreditável que tudo o que eu via entre meus pais era uma atuação de minha mãe, acho que até mesmo de Carl pois ele certamente não amava mais minha mãe. As encenações após as agressões, era um pedido de desculpa carregado de medo dela denuncia-lo. Foi por isso que ela nunca o denunciou, se o denunciasse quebraria o suposto acordo entre eles. Ele a assumiu, me assumiu e estava com ela, fazendo seguir sua parte e ela deveria seguir com sua palavra também. 

O motivo do meu choro era o sofrimento de minha mãe, ela era graciosa demais para passar por tudo aquilo. Merecia alguém bom para ela, alguém que mostrasse que ela tinha um grande valor e Carl, nunca poderia ser essa pessoa.