Entre o Despertar e a Dúvida

Jiwon ainda sentia o gosto do beijo nos lábios. O seu coração batia acelerado, e a mente girava como se estivesse num redemoinho. O silêncio que se seguiu ao toque dos lábios de Minjae parecia durar uma eternidade.

— Eu... Minjae, isso não deveria ter acontecido.

Ele franziu o cenho, confuso.

— Como assim?

— Estou confusa. Isso... isso não faz sentido. — Ela passou a mão pelos cabelos, nervosa. — É melhor a gente esquecer o que aconteceu, por favor.

Minjae permaneceu imóvel por um instante. Depois, deu um passo à frente, com um olhar profundo, carregado de algo difícil de nomear.

— Esquecer? Como posso esquecer o que é real para mim desde o primeiro dia em que te vi?

Ela ficou em silêncio, o coração batendo mais forte.

— Jiwon… — A sua voz soava firme, mas doce. — Eu te amo. Sempre amei. Só estava esperando o momento certo. Isso entre a gente… é o destino. Você não percebeu? A gente se completa de um jeito que ninguém mais consegue. Sou a única pessoa que entende a verdade. — Falou, segurando as suas mãos.

Jiwon abaixou as mãos lentamente, sem saber como reagir.

— Você pode não entender agora, mas um dia vai ver que ninguém vai cuidar de você como eu cuido. Ninguém vai te amar como eu amo.

Ele disse isso com tanta segurança, tanta certeza, que era difícil questionar.

— Eu só queria que você parasse de fugir do que já é nosso. Mas tudo bem. Se precisar de tempo... vou dar.

Ele virou lentamente, andou até a porta do quarto e parou por um segundo antes de sair.

— Só... não demore muito, tá? O mundo lá fora adora tirar da gente aquilo que a gente mais ama.

E então saiu, deixando Jiwon ali, em silêncio, o peito apertado e a mente girando.

Ela levou a mão aos lábios, ainda sentindo o peso de tudo o que acabara de acontecer.

“Como pude permitir que isso acontecesse?”

Na manhã seguinte, Jiwon percebeu uma luz suave entrando pelas frestas da cortina. Por um segundo, pensou que tudo havia sido um sonho — o pesadelo, o abraço… o beijo.

Mas, quando virou o rosto e viu o moletom de Minjae jogado na poltrona, a lembrança voltou como um soco no estômago.

Suspirou fundo, tentando evitar o turbilhão de sentimentos. Levantou-se devagar, vestiu uma roupa simples e desceu as escadas em silêncio. A casa estava estranhamente quieta. Ela quase acreditou que Minjae havia saído cedo.

Mas ele estava na cozinha.

— Bom dia — disse ele, virando-se com uma xícara de café na mão e um sorriso leve no rosto, como se nada tivesse acontecido.

— Bom dia — respondeu ela, tentando parecer natural, mas sem conseguir encará-lo por muito tempo.

— Fiz café e torradas, do jeito que você gosta — disse ele, com um tom gentil, quase cuidadoso demais.

Ela apenas assentiu, sentando-se à mesa. O silêncio entre os dois era diferente agora. Não era desconfortável… era denso, carregado.

Minjae foi sentar-se à frente dela.

— Dormiu bem?

— Mais ou menos. — Ela mordeu a torrada, evitando contato visual.

Ele a observou-a por alguns segundos, depois olhou de lado.

— Sobre ontem... você estava assustada. Eu entendo. Mas eu só fiz o que senti.

Ela finalmente o encarou, o olhar vacilante.

— Minjae... não sei se consigo fingir que nada aconteceu, mas também não sei o que pensar. Foi tudo muito confuso.

Ele moveu-se um pouco, apoiando os cotovelos na mesa.

— Jiwon... às vezes a gente não precisa entender de imediato. Só sentir. É confiável. Estou aqui. Sempre estive. E você sabe disso.

As suas palavras soavam doces, mas ecoavam na mente dela com um peso estranho. Como se estivesse envolvida em algo maior do que podia decifrar.

Ela apenas concordou lentamente, mas seu interior clamava por espaço. Por esclarecimento.

Na escola, mais tarde naquele dia, ela se encontrou com Soyeon no corredor.

— Você tá com uma cara péssima — disse a amiga, preocupada. — O que aconteceu?

Jiwon hesitou. Depois deu um sorriso fraco.

— Só... uma noite difícil.

— Pesadelos outra vez?

Ela confirmou com a cabeça.

— Sim… — disse, olhando para o chão. Temeu contar para a amiga o que realmente havia acontecido por conhecê-la bem demais.

Soyeon a puxou pelo braço, levando-a para um canto mais reservado.

— O que foi esse pesadelo? — perguntou a amiga.

— Então... — Jiwon começou, mas foi interrompida quando Dohyun passou os braços pelo pescoço dela e de Soyeon, arrastando ambas para a sala.

Logo em seguida, Minjae entrou com seus amigos populares. Ao ver Soyeon agarrada ao pescoço de Jiwon, o seu olhar se tornou visivelmente enciumado.

O professor substituto, Park Seojun, entrou logo depois na sala, e Jiwon tentou, a todo custo, evitar olhar na sua direção. A lembrança do que acontecera fazia o seu rosto arder. Soyeon percebeu e, curiosa, perguntou o que houve. Jiwon respondeu, baixinho:

— Depois eu explico.

Quando o sinal tocou, anunciando o fim da aula, os alunos começaram a se levantar e a empilhar os livros com pressa. Jiwon juntou as suas coisas quando ouviu o seu nome ser chamado.

— Jiwon, você pode ficar um instante? — disse o professor Park Seojun, enquanto organizava alguns papéis sobre a mesa.

O pedido chamou a atenção de todos na sala. Alguns alunos lançaram olhares curiosos e, entre eles, Minjae observava em silêncio, a mandíbula discretamente tensa.

Jiwon parou ao lado da carteira, os dedos apertando as alças da mochila.

Quando os últimos estudantes saíram e o barulho no corredor começou a diminuir, o professor caminhou até ela com um sorriso contido.

— Queria saber se você está bem — disse ele, com um tom de voz gentil. — Ontem você desapareceu, e eu… fiquei um pouco preocupado.

Ela baixou o olhar, sem saber onde enfiar a vergonha. Ainda lembrava daquele momento constrangedor.

— Desculpe por aquilo — murmurou. — Eu... acabei encontrando um amigo no caminho, ele insistiu em me levar para casa. Eu deveria ter avisado… não quis deixá-lo preocupado.

Park Seojun a observou por um segundo a mais, como se procurasse a verdade por trás das palavras.

— Tudo bem. Só queria ter certeza de que você está bem.

Ele então abriu uma bolsa de couro que levava sempre consigo, tirando de dentro uma rosa vermelha, envolta num pequeno papel celofane. A flor parecia fresca, recém-colhida.

Estendeu para ela com delicadeza.

— Para você. — A voz saiu serena, mas havia algo escondido naquele gesto, uma expectativa não dita.

Jiwon olhou para a rosa, surpresa. Por um momento, congelou. O que aquilo significava? Era um gesto de carinho? Ou… algo mais?

— Obrigada... — murmurou, pegando a rosa sem saber o que fazer com ela. Tentou sorrir, mas o constrangimento era evidente.

Sem querer alimentar perguntas ou olhares especulativos pelos corredores, ela guardou rapidamente a rosa dentro da mochila, com cuidado para não amassá-la.

— Bom... até logo. — Fez uma reverência discreta e saiu da sala às pressas.

Enquanto caminhava pelo corredor, sentia a flor dentro da mochila como um lembrete silencioso de tudo o que ficava cada vez mais confuso em sua vida.

E, atrás dela, Park Seojun parou por alguns instantes, com um olhar pensativo — como se esperasse algo diferente daquele acontecimento.

Já em casa, Jiwon estava no seu quarto, tentando colocar os pensamentos em ordem. O silêncio parecia mais alto do que nunca.

Minjae não havia dito nada desde que chegara — estaria a dar espaço para ela? Ou teria desistido daquilo que era possível? Sua mãe nunca a aceitaria, e viver à sombra da mulher que a atormentava não fazia parte dos seus planos.

Deitou-se na cama, fitando o teto por alguns instantes. Tudo parecia confuso e, então, como se puxada por um fio invisível, lembrou-se da rosa.

Levantou-se devagar e abriu a mochila. Lá estava ela: uma flor vermelha, ainda intacta, envolta no celofane. O seu olhar fixou-se na cor intensa das sensações. Por que o professor dera aquilo? Aquilo não era... estranho?

Se alguém visse, o que pensariam? Um professor entregando uma rosa a uma aluna. E ela aceitou sem entender o motivo. O gesto, antes apenas esquisito, agora parecia carregado de algo que ela não sabia nomear.

Segurou a flor com delicadeza, aproximando-a do rosto. Quando aspirou o perfume suave, algo mudou.

Uma onda de calor percorreu o seu corpo e, de repente, um estalo dentro da mente. Uma imagem piscou em sua cabeça: uma rosa vermelha numa mão diferente. A mão de uma criança e um sorriso que ela não conseguia ver no rosto.

— O que…? — sussurrou, cambaleando.

Mais ‘flashes’: uma boneca caída no chão, um espelho quebrado, alguém gritando o seu nome. Tudo tão rápido, tão confuso. Ela tentou se segurar na quina da cama, mas suas pernas fraquejaram.

O mundo girou.

E então, tudo ficou preto.

No andar de baixo, Minjae finaliza os detalhes de um jantar simples, mas feito com cuidado. Olhava para a escada de tempos em tempos, esperando que ela aparecesse. Quando o silêncio persistiu, limpou as mãos no pano da cozinha e subiu.

Parou diante da porta do quarto e bateu levemente.

— Jiwon? A comida tá pronta...

Nenhuma resposta.

Bateu novamente, agora com mais força.

— Jiwon?

O seu peito apertou. Algo estava errado.

Girou a maçaneta devagar. A porta não estava trancada. Abriu-a com cautela… e congelou ao ver o corpo dela caído no chão, uma flor vermelha ainda apertada entre os dedos.

— JIWON! — gritou, correndo até ela, o coração disparado.

Ajoelhou-se ao seu lado, tentando despertá-la, os olhos arregalados de puro pânico.

— Ei, fala comigo! ACORDA, por favor…!