Entre o silêncio e a neve

Enquanto isso, Jiwon caminhava em silêncio, as lágrimas embaçando sua visão e o frio cortando sua pele como agulhas finas.

Sentou-se em um dos bancos frios da praça de Gwangalli, parecendo ainda menor diante da imensidão cinzenta do céu. Abraçava os próprios braços, encolhida, como se quisesse desaparecer do mundo.

Com a cabeça baixa e o coração apertado, os pensamentos giravam em turbilhão, pesados e desordenados.

O tempo parecia ter parado. Tudo o que ela ouvia era sua respiração trêmula e o som distante das ondas quebrando suavemente na praia.

De repente, passos lentos e firmes se aproximaram. O som das solas contra o chão úmido ecoou suavemente até parar diante dela. Uma sombra cobriu seu corpo, e uma voz baixa, gentil, quebrou o silêncio.

— Está frio demais para ficar sem proteção — disse ele, estendendo um copo de café quente.

Jiwon ergueu os olhos devagar. Por um segundo, ela apenas observou o contorno do rosto à sua frente, tentando acreditar. Quando seus olhares se encontraram, os olhos dele carregavam uma ternura antiga, familiar, como se estivessem esperando por aquele momento há muito tempo.

Era Park Seojun.

No instante em que seus olhares se cruzaram, o tempo parece suspenso. O mundo, por um breve momento, parou de girar.

O céu, antes cinzento, começou a derramar os primeiros flocos da estação. A neve caiu com delicadeza, como se o universo tivesse escolhido aquele exato segundo para presentear os dois com algo sagrado.

Os flocos pousaram suavemente sobre os cabelos de Jiwon, alguns derretendo contra sua pele quente, outros ficando presos como enfeites brancos. No cabelo de Seojun, a neve acumulava-se devagar, criando uma moldura sutil ao redor de seu rosto sereno.

Eles não se moviam. Apenas se olhavam — como se o frio do mundo lá fora não existisse, como se o que sentiam naquele momento fosse o único calor necessário.

Era a primeira neve do ano.

E parecia ter vindo só para eles.

Sob a dança silenciosa dos flocos, havia algo invisível pairando no ar — algo mais forte que palavras, mais profundo que qualquer gesto. Como uma lembrança esquecida que insistia em despertar, como uma promessa não dita, selada pelo toque gelado da neve e o calor secreto de dois corações prestes a se reconhecer.

A neve continuava a cair em silêncio, como se o tempo tivesse decidido parar para observá-los. Cada floco parecia tocar o chão com delicadeza, quase respeitando o espaço sagrado entre os dois.

Jiwon segurava o copo de café com as duas mãos, ainda trêmulas — não pelo frio, mas pela presença inesperada à sua frente.

Park Seojun abriu um guarda-chuva sobre os dois e sentou-se ao lado dela, sem dizer uma palavra. Seu casaco escuro contrastava com os tons suaves do céu, e seu perfume discreto se misturava ao cheiro quente do café recém-passado.

Por um momento, nenhum dos dois disse nada.

Jiwon desviou o olhar, tentando encontrar algo comum no horizonte. Mas tudo nela gritava que aquele instante era tudo, menos comum.

— Você sempre foge para a neve quando está triste? — ele disse com um sorriso leve, olhando para o mar à frente.

A pergunta a fez sorrir, mesmo contra a própria vontade. Era a primeira vez em dias que sorria sem sentir uma breve tensão — algo que só acontecia quando estava com sua amiga.

— É a primeira vez que vejo a neve cair assim… — murmurou Jiwon, com a voz baixa, quase se misturando ao vento, com as mãos abertas, esperando a neve cair. — Parece que o mundo desacelera.

Seojun assentiu, os olhos ainda fixos nas ondas distantes.

— Talvez por isso ela seja tão mágica. A neve não tem pressa. Ela só... cai. E espera que a gente perceba.

Jiwon abraçou o próprio corpo, estremecendo com o frio que começava a se intensificar. O vento que vinha do mar trazia um arrepio incômodo, cortando a leveza daquele momento.

Seojun observou e, sem dizer nada, tirou calmamente sua blusa de frio. Em seguida, entregou o guarda-chuva a ela.

— Segura aqui um instante — disse, com uma voz tranquila.

Antes que ela entendesse o motivo, ele lançou a blusa sobre seus ombros, envolvendo-a com um gesto inesperadamente íntimo.

Jiwon ficou sem reação por um momento. A gentileza a pegou de surpresa. O coração dela acelerou sem permissão.

— Obrigada... — disse baixinho, apertando a blusa contra o corpo. — Mas não precisa... você vai passar frio.

Ele deu um leve sorriso, os olhos fixos nela.

— Eu aguento — respondeu, simples. — E você precisa mais do que eu agora.

Enquanto segurava o café quente nas mãos, tentando se aquecer, Jiwon sentiu o olhar dele sobre ela. Intenso, mas sereno. Como se estivesse tentando decifrá-la sem pressa.

Desviou os olhos, desconcertada, o rosto levemente corado pelo frio.

— Então... o que você faz aqui sozinha? — ele perguntou, como quem não queria invadir, apenas se aproximar.

Ela hesitou antes de responder, ainda envolvida pelo calor recém-recebido.

— Nada... hoje só... só respirando.

Ele assentiu, respeitando o silêncio que veio em seguida. E então, como se lembrasse de algo, Jiwon deliberadamente voltou os olhos.

— A rosa... — murmurou. — A que você me deu no primeiro dia de aula... Por que fez aquilo?

Seojun inclinou a cabeça levemente, como quem reviveu a cena em sua mente.

— Não teve um motivo específico — disse com um sorriso tranquilo. — Só achei que gostasse de flores.

Ela o encarou por um segundo a mais, tocada pelas palavras simples, mas sinceras.

— Eu gosto de rosas — confessou, com um leve sorriso.

Ele devolveu o sorriso.

— Que bom saber.

O silêncio se instalou novamente, mas dessa vez era leve, confortável. Como uma pausa entre notas musicais, necessária para que a melodia continue.

— E você, Jiwon... — ele falou, com cuidado — sempre morou em Busan?

Ela demorou um segundo antes de responder, como se tentasse se lembrar de algo que sempre escapava.

— Desde os dez anos, sim... Antes disso... — ela hesitou, olhando para o mar à frente. — Não lembro de muita coisa, na verdade. Minha infância antes disso é um borrão.

Seojun não respondeu imediatamente.

Mas sua expressão mudou.

Foi sutil — um leve aperto nos olhos, um músculo que se tenciona na mandíbula, quase imperceptível. Mas estava lá.

Por um instante, o olhar dele não estava mais no presente.

Era como se algo dentro dele tivesse sido ativado.

Mas, em vez de questioná-la, ele desviou o olhar para o horizonte e assentiu lentamente, com um sorriso contido e uma expressão difícil de decifrar.

— Entendo... — disse, baixo, como se estivesse falando consigo mesmo.

Jiwon o observou de canto de olho. Aquela reação fez franzir levemente a testa. Por quê? O que havia naquela frase simples que parecia tê-lo abalado por dentro?

Mas Seojun rapidamente retomou o tom leve.

— Bom, ainda bem que tem boas lembranças a partir daí, né?

Ela sorriu, embora ainda sentisse uma pontada de estranhamento. Era como se algo tivesse sido fechado dentro dele, por um segundo, antes de se recompor.

O mistério ficou no ar — não gritante, mas presente. Como uma brisa gelada que passa e arrepia a pele antes de desaparecer.

Quando o café chegou ao fim, Jiwon ficou ali, apenas com as mãos envoltas no copo vazio, aproveitando o último calor que restava.

— Já está tarde... — ela murmurou, erguendo os olhos para o céu, enquanto a neve seguia caindo, delicada.

Seojun se levantou junto a ela, ajeitando a alça do guarda-chuva.

— Eu te acompanho — disse com naturalidade, mas firme.

Ela hesitou. Seu coração acelerou por motivos que não sabia nomear, mas a mente logo foi mais forte.

— Obrigada, mas... não é necessário, eu não moro longe daqui.

Jiwon começou a tirar o casaco que havia colocado sobre os ombros minutos antes.

— Obrigada por isso, mas... acho melhor você ficar com ele. Vai passar frio.

Ele fez menção de recusa.

— Pode usar até chegar em casa. Tá nevando mais forte.

— Não, sério... — ela insistiu, estendendo o casaco de volta. — Eu agradeço muito, mas essa que estou está ótima.

Havia um toque de timidez em sua voz, e os olhos evitavam os dele.

Seojun aceitou o casaco de volta devagar, sem discutir.

— Tudo bem — disse com serenidade. — Mas então, pelo menos, leve isso.

Ele segurava o guarda-chuva aberto sobre os dois, protegendo-os da neve que caía suavemente. Fez um gesto suave com a mão, ainda segurando o guarda-chuva sobre ela.

— Fica com ele. Vai continuar nevando. Não quero que volte para casa doente.

Ela segurou o guarda-chuva com cuidado, surpresa pela gentileza dele — e mais ainda por sentir o coração acelerar novamente com aquele cuidado.

— Mas e você?

— Eu já chamei um táxi — respondeu, com um leve sorriso. — Ele tá vindo ali.

De fato, os faróis surgiam ao longe, iluminando a neve tênue no ar.

Ela sorriu, sem saber como agradecer.

— Obrigada... por hoje.

— Cuide-se, Jiwon.

Ela concordou, segurando o guarda-chuva como se fosse algo valioso.

Quando se virou para ir embora, sentiu-se diferente. Mais leve. Mais confusa.

Seojun a observou até ela sumir na curva da rua.

Ele ficou ali por alguns segundos a mais, com o olhar fixo no caminho por onde ela havia ido.

Dentro de si, uma certeza começava a se solidificar.

A voz dela. A expressão ao falar da infância esquecida. Era ela. Tinha que ser.

A porta do táxi se abriu e ele entrou em silêncio.

Enquanto o carro partia, ele olhou pela janela, e seus olhos escureceram com uma mistura de esperança e dor contida.

“Você está viva...”, pensou. “E eu te encontrei.”

Mas não era hora de dizer isso.

Ainda não.

A neve caía com mais intensidade agora, cobrindo a rua com uma delicadeza quase poética. O som dos passos de Jiwon era abafado pela camada branca, enquanto ela se aproximava da casa, segurando o guarda-chuva que Seojun havia insistido em lhe dar.

Apesar do frio, seu peito estava aquecido — não apenas pelo café que ainda sentia no estômago, mas pela gentileza inesperada do professor, pelas palavras trocadas, pelos olhares. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela a deixava inquieta. A lembrança de sua própria confissão — a de que não se lembrava da infância antes dos dez anos — e a expressão que Seojun fez logo depois... Um silêncio estranho pairou entre eles naquele momento, deixando-o indecifrável.

Ela balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos.

Foi quando virou a esquina e avistou Minjae, parado na calçada em frente à casa. Estava com as mãos nos bolsos e os olhos fixos na direção de onde ela vinha. Ao vê-la, caminhou em sua direção, sem dizer uma palavra.

— Minjae...? — ela murmurou, surpresa.

Ele não respondeu imediatamente. Com o cenho franzido e o olhar sério, retirou o próprio blusão — grosso, escuro, com o cheiro leve de algo familiar — e, sem pedir permissão, envolveu os ombros dela com o tecido quente.

— Você vai acabar doente andando por aí nessa neve — disse com a voz baixa, mas firme.

Jiwon segurou o guarda-chuva com mais força, o coração acelerado diante da atitude.

— Minjae... eu tô bem — ela tentou dizer, quase como uma sugestão. — Não precisava...

— Precisava, sim — ele a interrompeu, com um olhar que não permitia discussão.

Ela engoliu em seco, sem saber como reagir.

— Estava preocupado com você — continuou ele, agora mais calmo. — Eu sinto muito pelo que aconteceu mais cedo... o que minha mãe fez...

Jiwon abaixou o olhar, sentindo um peso estranho no peito.

— Tudo bem... só não quero falar sobre isso agora, por favor.

Minjae assentiu suavemente, respeitando o silêncio dela.

— Vamos entrar. Você tá tremendo.

Minjae estendeu a mão para Jiwon, que, hesitante, a segurou. Os dois caminharam em direção à casa, em silêncio, lado a lado, com passos lentos e corações acelerados.

A noite os envolvia como um manto espesso, e a neve que começava a cair discretamente parecia querer apagar, por um instante, todas as dores do dia.

Eles não sabiam, mas aquela seria a última noite em que tudo ainda estaria como antes.