anthony

— Acorda, já são 6 horas.

Escuto meu pai me chamando. Acho que é a primeira vez que ele me acorda. Estranho.

— Eu não tenho aula hoje, pai... — murmuro.

Ele sabe disso. Só quer me ver fora de casa.

Então eu tomo banho e vou embora. Era uma vizinhança qualquer, sabe? Daquelas que têm uma taberna na esquina, uns vinte cachorros caramelos soltos pela rua, um barzinho cheio de velhos bêbados... Um lugar que meu pai frequenta com frequência — pra variar.

E claro, a clássica casa abandonada. Lar de drogados, cracudos de merda. Eles sempre mexem comigo quando passo por lá, dizendo merdas tipo:

— Não olha assim pra gente, Anthony.

— Sua mãe já foi daqui...

— Logo, logo teu pai vem com a gente...

Como se aquele velho fosse gastar dinheiro com qualquer coisa além de corote.

Logo de cara, vejo ambulâncias voando como se fossem carros de Fórmula 1.

— Que estranho... Pra que tanto alarme? — penso, confuso. — As revoltas já acabaram...

Atrás de mim, escuto passos e um grito:

— ANTHONYYYY!

É aquela menina de estatura duvidosa, me olhando com um sorriso idiota no rosto. Sempre foi assim. Eu adoro isso.

— Não grita assim, idiota. — falo, rindo, e logo aperto suas bochechas pálidas. Essa pirralha parece um vampiro.

— Por que você tá no meio da rua falando sozinho no MEIO DE UMA PANDEMIA?!

Ela fala rindo, e irritantemente me faz sorrir também.

— Pandemia? Isso é mentira, Anna. Você é tão inocente. Tá bem na cara que isso não existe de verdade. Quero dizer… que tipo de vírus faz você morder alguém?

— Vamos lá, Anthony... todos os noticiários estão dizendo que isso tá acontecendo. E literalmente tem um MONTE de ambulâncias na rua!

— Ah, vai... é meio impossi—

Um grito alto corta minha frase. Vem do terreno abandonado.

Anna se encolhe, nervosa.

— A gente não devia ir lá?

— Claro que não, idiota. Tá cheio de doido lá. Não quero sair furado daquele lugar, sabe? Além do mais, é completamente normal alguém morrer por lá. Aqueles caras fazem de tudo por um raio de felicidade.

Falo, irritado com a ideia idiota. É por isso que os idiotas dos filmes morrem tão rápido.

— Vamos pro campinho de areia. O jogo é às 10. Se a gente for agora, chega a tempo. Eu definitivamente não quero ficar por perto de casa.

O terreno abandonado fica literalmente ao lado. Um porre.

— Ok, então. Mas vamos comer alguma coisa quando a gente chegar lá, Anthony. Você tá muito magrelo. Não consigo nem te abraçar direito! Tenho medo de te apertar e você explodir.

Ela diz rindo alto, como uma completa idiota.

— Só vamo logo, Anna.

Respondo, segurando a risada.

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Chegando no campinho, vejo dois times de caras de meia-idade jogando futebol. Eles levam isso surpreendentemente a sério — tá até com clima de briga ali no meio. Meio engraçado, na real.

Anna vê uma barraca de pastel e me encara com aquele olhar de cima pra baixo, como se me obrigasse a comprar um pra ela.

— Tá, tá, eu vou comprar...

Me aproximo da barraca e falo com o senhor que a gerencia. Ele parece triste, cabisbaixo... acho que é porque o bairro ficou bem vazio depois que anunciaram a tal pandemia.

— Opa, me vê dois pastéis: um de carne e um de queijo.

Anna, atrás de mim, sorri com aquele olhar de aprovação. Eu sempre acerto os sabores dela. Nunca vi alguém tão viciada em queijo na vida.

O senhor se anima de repente.

— Bom dia, rapaz. É pra já. Pode se sentar ali na mesa, por favor. As pessoas quase não vêm mais aqui...

Dá pra ver que ele ficou feliz só por ter cliente. E claro, começa a puxar assunto:

— Enfim, garoto... quer um suco pra acompanhar? Aumenta só dois reais, mas o copo é grande!

Vejo os olhos dele brilhando com uma ganância disfarçada. Esse velho realmente acha que vou pagar dois reais a mais por um suco? Tá querendo se fazer de esperto.

— Quero não, senhor. — respondo seco.

Antes que ele retruque, escuto vindo do campinho um barulho ensurdecedor.

Eu conheço bem aquele som.

Era um tiro.