sua causa

Capítulo 4 – Sua Causa

Vejo ele.

Sendo devorado.

Milhões de coisas passam pela minha cabeça. Mas sair agora seria suicídio.

Se eu der um passo lá fora, eu e a Anna viramos comida. Aposto que já tem dezenas daqueles mordedores filhos da puta esperando.

Mas aqui dentro… só tem um.

E ele tá ocupado se empanturrando da carne daquele velho miserável.

A decisão já estava tomada antes mesmo de pensar.

— Anna, se esconde no meu quarto.

Ela me olha. E eu vejo. Ela entende.

Ela sabe exatamente o que eu vou fazer.

Tô tremendo.

Não faço ideia de como lutar.

Mas aprendi a me defender.

Corro até a sala, onde escondi a faca — caso um dia precisasse... me proteger.

Agarro a lâmina e avanço.

Me jogo em cima do monstro e finco a faca no peito dele.

Ele cai.

E eu caio junto, por cima.

Fico ali, encarando aqueles olhos brancos.

Sem alma.

Sem dor.

Só fome.

Interrompi a refeição dele.

Mas... nada acontece. A faca no peito não faz diferença nenhuma.

É zumbi. Igual nos filmes.

Só morre com golpe na cabeça.

Me ajoelho sobre o tronco dele. Ele se debate com força, grunhindo, tentando escapar.

Arranco a faca do peito.

E com tudo que tenho...

Cravo no olho dele.

O corpo se agita por um segundo. Depois para.

Encosto na parede, ofegante.

...

Olho pro corpo do meu pai. Ou o que sobrou dele.

Se isso é mesmo um apocalipse zumbi... ele vai voltar. Mas sinceramente?

Ele já tá irreconhecível.

O rosto... não tem mais mandíbula.

A garganta foi completamente dilacerada.

É isso.

Ele morreu assim.

Morreu como viveu: deixando o caos pra trás.

Mas ele não vai me oferecer perigo.

Me levanto e vou direto pro meu quarto.

Preciso ver a Anna.

Antes de abrir a porta, aviso em voz baixa:

— Anna, sou eu.

Ela abre de uma vez e pula em mim, chorando.

Como quando a gente era criança.

Eu abraço ela com força.

Mas... por que eu não consigo chorar como ela?

Mesmo depois de tudo. Mesmo agora.

Ele era um filho da puta. E eu não consigo derramar uma lágrima sequer.

Só sinto... alívio.

Porque eu sabia.

Sabia que ele nunca ia aceitar a Anna nessa casa.

Então... talvez o esfaqueado não fosse o assassino.

Talvez...

Fosse ele.

— A gente precisa trancar tudo isso — digo, ainda ofegante.

— Eu não quero ter o mesmo destino que ele, sabe?

Anna apenas balança a cabeça. A gente se entende.

E dessa vez, o silêncio é mais seguro do que qualquer palavra.

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Ponto de Vista: Anna

Chego na casa do Anthony e vejo.

O pai dele.

Ou... o que sobrou dele.

Eu sempre soube que o pai do Anthony era um problema.

Ele vivia aparecendo com hematomas, cortes, o rosto machucado... e cada vez mais magro.

Por um tempo, achei que ele passava fome.

Mas agora entendo — talvez ele evitasse comer só pra não ficar tanto tempo em casa.

E agora... o grande alcoólatra estava ali.

Morto.

Sendo devorado.

Irreconhecível.

Eu tava prestes a sugerir que a gente corresse, se escondesse, fizesse qualquer coisa...

Mas antes que eu falasse, ele olhou pra mim e disse:

— Anna, se esconde no meu quarto.

A voz dele parecia firme. Quase adulta.

Mas as mãos dele... tremiam.

Ele estava com medo.

Mesmo assim, foi enfrentar aquela coisa sozinho.

E eu...

Eu obedeci.

O que mais eu poderia fazer?

Eu me conheço. Eu não ia conseguir fazer nada.

Eu sei que é patético, mas eu não ia me perdoar se virasse um peso morto pra ele.

Fico ali, ouvindo os sons. Grunhidos.

Barulhos de luta.

E então ele aparece.

Aquele garoto de corpo magro, com uma faca ensanguentada na mão.

Anthony.

Meu...

Eu nem sei mais o que ele é pra mim.

Mas a única coisa que eu sei fazer é correr até ele.

E chorar.

Chorar.

E não soltar ele nunca mais.