Amigos?

Prólogo

O mundo é vasto e repleto de mistérios. Criaturas desconhecidas espreitam nas sombras, desafios surgem a cada esquina, e terras inexploradas aguardam aqueles corajosos o suficiente para desbravá-las.

Neste mundo, aventureiros dedicam suas vidas a proteger os civis das ameaças mágicas. Mas nem todos lutam por justiça. Muitos exploram, caçam e enfrentam o desconhecido apenas pelo lucro, movidos pelos interesses de poderosas guilda.

O mundo é cruel. Humanos e monstros não são tão diferentes: ambos matam, ambos destroem, ambos riem diante da dor alheia. A bondade é um luxo, um fardo que poucos podem carregar. Aqui, a crueldade dita as regras.

No meio desse caos, há aqueles que ainda acreditam.

Amigos que caminham juntos, enfrentando um destino implacável. Mas até quando? O mundo não poupa ninguém. A inocência se desfaz como cinzas ao vento, e a verdade pesa sobre seus ombros.

Sawo, um garoto de apenas 11 anos, carrega um sorriso sincero e olhos verdes cheios de esperança. Seus cabelos loiros brilham sob o sol, e sua presença aquece aqueles ao seu redor. Mas até quando seu brilho resistirá às trevas que o cercam?

Arky, por outro lado, é diferente. Com apenas 9 anos, seus cabelos negros e olhos azuis refletem a fragilidade que carrega. Ele é tímido, hesitante, sempre à sombra dos outros. A sensação de inutilidade o acompanha como um peso invisível, tornando cada passo uma luta contra si mesmo.

Carol é uma menina doce, de olhos verdes brilhantes e longos cabelos loiros que caem suavemente sobre os ombros. Com apenas 11 anos, ela veste um delicado vestido rosa, refletindo sua inocência em um mundo que não a poupará.

Arky, Carol e Sawo enfrentarão provações que abalarão suas mentes e almas. Sempre que a paz parecer ao alcance, será apenas uma ilusão—um breve respiro antes da tempestade. O mal não anuncia sua chegada, não pede permissão para entrar. Ele simplesmente arromba a porta e os arrasta para a escuridão.

Capítulo 1 — Amigos?

A vila de Koro transborda felicidade e harmonia. Seus bosques verdejantes brilham sob a luz do sol, e as árvores radiantes balançam suavemente ao vento. A paisagem é magnífica, um refúgio de paz.

Sawo está sentado na grama, observando o horizonte com um sorriso genuíno. Seus olhos verdes cintilam com a luz do dia.

— Que dia lindo…

De repente, uma menina da mesma idade surge silenciosamente atrás dele e cobre seus olhos com as mãos.

— Adivinha quem é?

Sawo sorri ainda mais, reconhecendo a voz de imediato.

— Carol, haha! Bom dia!

Carol ri e solta as mãos, sentando-se ao lado dele. Eles cresceram juntos na vila e sempre foram grandes amigos.

— Acertou! Bom dia, Sawo! — Ela sorri. Seus longos cabelos loiros brilham ao sol, e seus olhos verdes transmitem uma doçura inconfundível.

O ar está leve e agradável. Os dois compartilham um momento tranquilo, aproveitando a companhia um do outro.

— Você chegou cedo hoje — comenta Carol, arqueando uma sobrancelha. — Sua mãe te colocou para ajudar em casa de novo?

— Pois é... — Sawo suspira, emburrado. — Ela me obrigou a limpar o celeiro. Fiquei fedendo depois daquilo.

Carol arregala os olhos e, em seguida, cai na gargalhada. Ela se joga na grama, incapaz de conter o riso.

— Ei, nem foi tão engraçado assim! — protesta Sawo, tentando segurar a própria risada.

— Desculpa, haha! Eu só... eu não consigo te imaginar limpando cocô de animal! — Carol ri ainda mais, enxugando uma lágrima dos olhos.

— Eca! Eu não quero lembrar disso... — Sawo faz uma careta de nojo e se cheira, arrancando mais risadas de Carol.

De repente, ele se anima com uma ideia.

— Já sei! Vamos para a casa do Arky!

Carol se senta e pisca, intrigada.

— Por quê?

— Porque o Arky é mó rico! Ele tem uma banheira quente e um monte de brinquedos.

Os olhos de Carol brilham com a ideia.

— Mas será que o pai dele vai deixar?

— O Arky é legal, só é meio esquisito.

— Disso eu já sei... Mas o pai dele é

meio bravo. Ser chefe da vila e guerreiro ao mesmo tempo não deve ser fácil.

Sawo sorri maliciosamente e segura a mão de Carol.

— Então vamos lá! Ele pediu pra gente ir mais tarde, mas se chegarmos antes, podemos surpreendê-lo.

Carol sorri de volta, entrando na brincadeira.

— Surpreender? Você quer assustar o Arky?

— É claro!

Os dois riem juntos, planejando a pegadinha. Na inocência da infância, tudo ainda parece uma brincadeira.

Casa de Arky

Arky arrumava o quarto com movimentos calmos e cuidadosos. Seu sorriso suave irradiava serenidade.

— Onde eu guardo esse livro? — perguntou a si mesmo, segurando o volume nas mãos enquanto lançava um olhar satisfeito ao quarto impecavelmente organizado.

Lá fora, os pássaros entoavam uma melodia tranquila. Arky fez uma pausa, aproximando-se da janela. Ele fechou os olhos por um instante e sorriu.

— Que dia bonito.

A vista era encantadora: árvores em tons vibrantes, um vasto campo de trigo dourado balançando com o vento, e pequenos pássaros azuis que esvoaçavam perto da janela.

Ao longe, avistou Sawo e Carol correndo juntos, rindo despreocupadamente. Em poucos instantes, eles chegaram à porta de sua casa.

— Sawo e Carol? — Arky abriu um sorriso radiante e desceu rapidamente as escadas para recebê-los.

— Ei, Arky, você está em casa? — chamaram as crianças, animadas.

— Sim! Esperem só um pouquinho. Papai, posso abrir a porta para eles?

Uma voz calma respondeu do escritório:

— Claro, filho, mas façam silêncio. Estou escrevendo para o reino e preciso de concentração.

Arky sorriu ainda mais, iluminado por uma felicidade genuína.

— Obrigado, papai! Nós não vamos atrapalhar.

Ele correu de volta até a porta e abriu-a com entusiasmo.

— Oi, pessoal!

— Bom dia, Arky! — responderam Carol e Sawo, sorridentes.

Arky respirou fundo, mas algo lhe chamou a atenção.

— Que cheiro é esse?

Carol soltou uma risada e apontou para Sawo.

— Ele teve que limpar o celeiro hoje! Ha ha ha!

— Eca! — Arky fez uma careta, mas logo caiu na risada junto com Carol.

— Parem de rir, que saco! — Sawo cruzou os braços, emburrado, embora um sorrisinho escapasse. — Vocês são privilegiados, nunca precisaram lavar nem um prato na vida!

Arky mudou a expressão para uma mais séria e colocou a mão no ombro de Sawo.

— Tem razão, Sawo. Você fez um ótimo trabalho.

— É mesmo — concordou Carol, segurando o riso. — Mas ainda está fedendo!

Os três caíram na gargalhada, a amizade deles transbordando espontaneidade e afeto.

Depois de um tempo, Sawo desviou o olhar, um pouco encabulado.

— Então... Arky, na verdade, a gente veio mais cedo porque... Posso usar a fonte termal da sua casa? A água lá em casa está muito gelada.

Arky não hesitou.

— Claro que pode! Não precisa ficar assim. Eu só vou perguntar pro meu pai, esperem aqui.

Com passos leves, Arky foi até o escritório, onde seu pai ainda escrevia concentrado.

— Papai?

O homem levantou os olhos e sorriu ao ver o filho.

— O que foi, Arky?

— O Sawo ajudou a mãe dele hoje e trabalhou muito. Só que a água da casa dele está muito fria... Ele pode tomar banho aqui?

O pai sorriu com compreensão.

— Claro que pode. Sawo é um bom menino. A Carol também está com vocês?

— Sim, estão os dois lá fora.

— Certo. Depois que ele tomar banho, vocês podem brincar lá em cima. E pergunte se eles querem passar a noite aqui.

Arky arregalou os olhos, surpreso e feliz.

— Obrigado, papai! Vou perguntar! Até mais tarde!

Ele voltou correndo para a porta, com um sorriso tão grande que mal cabia no rosto. O pai observou o filho à distância e deixou escapar um sorriso cheio de ternura.

Então, ele olhou para um retrato pendurado na parede. A pintura mostrava uma mulher de beleza delicada.

— Agatha... Nosso menino está bem. — Sua voz carregava saudade e alegria ao mesmo tempo, enquanto seus olhos refletiam o amor por aquela memória distante.

Fonte Termal

Arky, Carol e Sawo estavam na fonte termal, brincando enquanto tomavam banho. A água morna envolvia os três em uma nuvem de vapor leve, e o som de risos ecoava pelo ambiente.

— Arky, seu pai é muito legal.

Ele parece sério, mas é bem gentil — comentou Sawo com entusiasmo.

Arky sorriu de leve antes de responder:

— Eu sei… Ele só diz pra não se apegar muito às coisas, porque, um dia, tudo vai embora.

Seu tom era pensativo, quase triste, e o ambiente ficou em silêncio por um instante.

— Esquece isso! Seu pai é incrível! Ele é o chefe da vila, um guerreiro e um herói! — disse Carol, interrompendo o clima pesado com seu jeito direto.

Arky riu baixinho.

— A Carol tem razão — acrescentou Sawo. — Mas que tal se a gente desse um passeio depois?

— Pode ser! Ainda é de manhã. Ah, lembrei de uma coisa: meu pai disse que vocês podem passar a noite aqui. Vocês querem?

— Sério? — Os olhos de Carol e Sawo se arregalaram, e eles trocaram olhares empolgados.

— Eu vou perguntar pra minha mãe! — exclamou Sawo, levantando-se rápido.

— Eu também! A gente já volta, espera aí! — disse Carol, correndo logo atrás dele.

Arky observou os dois saírem com um sorriso no rosto. Ele soltou uma risada suave e, por um momento, ficou ali sozinho, olhando para o céu e depois para sua casa.

— Papai, você é tão estranho… Não se apegar demais? — murmurou, pensativo.

Então, seu sorriso voltou, mais brilhante desta vez.

— Você é incrível.

De noite

Arky, Carol e Sawo brincavam animadamente no quarto, rindo e se divertindo. Depois de um dia inteiro de brincadeiras, desde cedo pela manhã até as 19h50, o cansaço começou a pesar.

— Eu tô com sono... — murmurou Carol, bocejando. Seus olhos verdes piscavam devagar, e sua voz soava sonolenta.

Sawo riu e apontou para ela.

— Tá parecendo um bebê desse jeito!

— Para com isso! A gente brincou o dia todo... e eu ainda sou pequena, tá? — resmungou Carol, cruzando os braços e fingindo estar brava.

Arky bocejou em seguida, tentando disfarçar. Sawo o encarou, surpreso.

— Ué, Arky? Você também?

— Desculpa... eu sempre durmo cedo.

— Arky deu um sorriso envergonhado e, sem dizer mais nada, deitou-se ao lado de Carol.

Sawo olhou para os dois e suspirou, derrotado.

— Tá, tá... acho que vou dormir também... — Quando ele se virou novamente, percebeu que Carol e Arky já haviam caído no sono. — Essas crianças…

Ele sorriu, os cobriu com o cobertor e foi até o banheiro. Ao sair, deu de cara com o pai de Arky.

— Sawo? — perguntou o homem, surpreso.

— Senhor Carlos? Boa noite. — Sawo ajeitou o cabelo com um gesto rápido. — Onde fica o banheiro, por favor?

— Ali no final do corredor. Os outros já estão dormindo?

— Sim, apagaram rápido. Eu também já tô indo dormir. — Sawo deu um sorriso cansado.

Carlos assentiu, com um olhar gentil.

— Cuide bem deles, Sawo. O Arky admira muito você... ele não tem muitos amigos. Então, por favor, cuide dele.

Sawo piscou, surpreso, mas logo sorriu.

— Pode deixar, senhor Carlos. O Arky é meu melhor amigo. Sempre vou cuidar dele.

Carlos sorriu de volta.

— Só Carlos, está bem? Não precisa do “senhor”.

— Tudo bem, Carlos. Boa noite. — Sawo acenou e seguiu de volta para o quarto.

— Boa noite, Sawo.

Enquanto subia as escadas, Carlos ainda o observava com um ar satisfeito.

De volta ao quarto, Sawo deitou-se ao lado dos amigos. Ele ficou em silêncio por um momento, encarando o teto enquanto pensava:

— Carlos é uma boa pessoa...

A senhorita Agatha... Eu não sei muito sobre ela, mas sei que era uma boa mãe. Ouvi dizer que ela desapareceu há muito tempo... Não importa o que aconteça, vou proteger o Arky. Nunca vou abandoná-lo.

Quando ele já estava quase dormindo, sentiu Carol e Arky se mexerem. Eles o abraçaram de repente, meio sonolentos.

— Boa noite, Sawo... — sussurrou Arky com a voz abafada.

— Vai dormir logo... — murmurou Carol, bocejando.

Sawo riu baixinho e fechou os olhos.

— Tá bom... boa noite, amigos.

A noite estava tranquila. O dia havia sido ótimo e cheio de alegria.

A noite enfim chega ao seu ápice. Todos adormecem.

"Esse final já era esperado. Você sabia que essa hora chegaria... O mundo não é bonito para sempre. Quando olhamos fundo o suficiente, vemos o quão podres as coisas podem ser."

Sawo dormia profundamente, mas um som estranho o despertou. Gritos podiam ser ouvidos do lado de fora. Ele piscou algumas vezes, confuso e ainda sonolento.

— O quê...? — murmurou, esfregando os olhos.

Foi então que percebeu Arky e Carol perto da porta. Eles estavam segurando a maçaneta com força, tremendo, embora nada ainda estivesse tentando abri-la.

— Arky... Carol? O que vocês estão fazendo? — perguntou Sawo, tentando entender a situação.

— Sawo, fala baixo... — sussurrou Arky, a voz trêmula e carregada de medo.

Sawo sentiu um arrepio subir pela espinha.

— O que tem lá fora?

Antes que Arky pudesse responder, Carol começou a respirar rapidamente, entrando em pânico. Ela estava em transe, os olhos arregalados e sem foco.

— Carol? — Sawo chamou, preocupado, mas ela parecia não ouvi-lo.

Arky tentou espiar pela fresta da porta, e o que viu fez seu coração disparar: um homem gordo e de pele esverdeada vasculhava a casa, rindo de forma macabra. Ele era grande e deformado, com olhos cruéis e um sorriso assustador.

— Eu tô com fome... cadê vocês, pequeninos? O titio não vai machucar vocês... só um pouquinho... — a voz do goblin era grotesca, grossa e arrastada, quase gorgolejante.

Arky recuou, em pânico. O monstro estava procurando por eles.

Sawo ainda tentava entender o que estava acontecendo. Ele foi até a janela e olhou para fora. O que viu o deixou gelado: soldados lutavam desesperadamente contra uma horda de goblins. Casas estavam em chamas, e o campo verdejante havia se transformado em um campo de destruição e caos.

— Isso... isso é um ataque goblin? — Ele começou a tremer ao compreender o perigo.

Ao ver o estado de Arky e Carol, ele tomou uma decisão.

— Precisamos fugir. — Sua voz soou firme, embora seu coração estivesse batendo rápido.

Carol e Arky o encararam, chocados.

— Fugir? Você é louco? — Arky sussurrou, furioso.

— Pensa, Arky! Se ficarmos aqui, vamos ser encontrados! Seu pai está lá fora lutando. Temos que chegar até ele. E minha mãe também está lá fora! Eu não posso ficar aqui parado! — Sawo falou com urgência, tentando convencê-los.

Antes que pudessem discutir mais, a porta se abriu com um estrondo. O goblin gordo estava ali, ocupando o batente. Ele tinha mais de dois metros de altura, com pele verde e um rosto grotesco, parecido com o de um porco.

— Corram! — gritou Sawo.

Sem pensar duas vezes, ele se jogou em cima do goblin, cravando os dedos nos olhos da criatura. O goblin gritou em agonia, enquanto Carol e Arky aproveitavam a chance para fugir.

— Sawo, sai daí! — eles gritaram, desesperados.

Mas Sawo não desistiu. Ele usou toda a força que tinha furando os olhos do goblin e o empurrando para em direção à janela.

— Morre, seu lixo! — rugiu ele.

O goblin, cego e desequilibrado, tropeçou e caiu do segundo andar. Seu corpo atingiu o chão com um som seco, e ele não se levantou mais.

Sawo respirava com dificuldade, o coração disparado. Ele olhou para Carol e Arky, que agora estavam menos assustados.

— Vamos fugir... — disse ele, tentando esconder o medo, mas suas mãos ainda tremiam.

Carol segurou a mão dele com força.

— Vamos.

Arky colocou a mão no ombro de Sawo.

— Obrigado... eu não tava pensando direito antes.

Eles respiraram fundo, tentando se acalmar.

— Acho que seu pai pulou para ajudar as pessoas quando tudo começou — disse Sawo. — Mas os goblins o impediram de voltar.

— Faz sentido... mas sair assim vai ser perigoso — respondeu Arky, ainda preocupado.

Carol olhou em volta e sugeriu:

— E se a gente for pelos fundos?

— Boa ideia... tomara que não tenha nenhum goblin lá.

Com cuidado, as três crianças saíram pelos fundos. Felizmente, nenhum monstro estava à espera. Por enquanto, estavam a salvo.

— Arky, Carol... eu preciso encontrar minha mãe. — Sawo parecia aflito, a voz tremendo levemente.

Arky e Carol trocaram olhares. Eles já sabiam o que provavelmente tinha acontecido, mas não sabiam como dizer a verdade.

— E se... — Arky começou, hesitante. — E se ela já tiver…

— Ela tá bem! — interrompeu Sawo, quase gritando. Ele sabia que talvez ela já estivesse morta, mas não suportava essa possibilidade.

Carol tentou amenizar a tensão.

— Minha mãe deve ter resgatado a sua, Sawo. Ela sempre anda com guardas. Provavelmente veio até o vilarejo para ajudar as pessoas.

Sawo encarou Carol. Ele queria muito acreditar naquilo, mas sabia que não era verdade. A mãe de Carol jamais arriscaria a vida pelos outros. E o pai de Arky provavelmente estava lutando longe demais para ajudar agora.

— É... vocês têm razão... — respondeu Sawo, tentando sorrir, mas o sorriso saiu vazio e quebrado, como se algo dentro dele tivesse morrido.

Carol se aproximou e o abraçou.

— Ela tá bem... Vamos continuar.

Eles voltaram a caminhar. Enquanto andavam com cuidado entre os escombros, Arky olhou para a vila destruída e arregalou os olhos.

— Ali! Meu pai! — apontou ele, vendo Carlos lutando sozinho contra vários goblins. — Vamos, ele pode nos salvar!

— Mas cuidado! Ainda podem ter monstros! — alertou Sawo, preocupado.

Sem pensar duas vezes, Arky correu na direção do pai. A cada passo, algo apertava seu peito, como se uma sensação de arrependimento e medo começasse a crescer dentro dele, mas ele não entendia o porquê.

— Papai! — gritou Arky, chegando perto.

Carlos se virou e viu o filho. Seus olhos se arregalaram de pavor.

— Arky, foge daqui! Agora! — gritou ele, enquanto segurava um goblin e o empurrava para longe com a espada.

— Papai, tô com medo! — choramingou Arky, tremendo.

— Onde estão seus amigos?

Arky olhou para trás... e foi quando tudo aconteceu.

— Sawo, cuidado! — gritou Carol, desesperada.

Sawo havia parado no meio do caminho. Seu olhar estava fixo em algo no chão, e seus olhos se encheram de lágrimas. Ali, entre as chamas e o sangue que manchava o chão, estava o corpo de sua mãe, cortado ao meio.

Ele paralisou. O choque o atingiu como uma parede de gelo. Seu coração parecia que ia parar.

— Sawo! — gritou Arky, mas Sawo não reagiu.

De repente, um goblin surgiu das sombras, com dentes afiados e um olhar cruel, avançando para devorá-lo.

Sawo continuava imóvel. A paralisia do medo o mantinha preso no lugar.

— SAWO! — gritou Arky, desesperado.

Carol agiu antes de pensar.

Ela empurrou Sawo com força para longe do goblin, mas não conseguiu escapar a tempo. A criatura cravou os dentes em seu braço e, com uma mordida brutal, arrancou-o completamente.

Carol gritou de dor, um grito cortante que ecoou pela vila. Sangue jorrou do ferimento enquanto ela desabava no chão, o rosto pálido e os olhos perdendo o foco. Ela desmaiou quase imediatamente.

— CAROL! — Sawo finalmente saiu do estado de choque, mas ainda tremia, incapaz de processar o que tinha acabado de acontecer.

Carlos avançou e decapitou o goblin com um golpe preciso. Sem perder tempo, ele pegou Sawo e Arky e começou a correr, com Carol nos braços.

A vila estava quase deserta. A batalha havia durado a noite toda, e restavam poucos goblins. Mas o que importava agora era sair dali com vida.

Enquanto corriam, Arky olhava para Carol, que sangrava em silêncio. Sawo continuava em choque, andando como se estivesse em transe. E Arky... ele começou a se culpar.

— Arky! — gritou Carlos, tentando trazer o filho de volta à realidade.

— Papai...? — Arky respondeu, atordoado.

Carlos o encarou com firmeza, mas com um brilho de desespero nos olhos.

— Para com isso, Arky! Não existe um culpado! A vida é assim! Eu já te disse antes... seus amigos vão morrer se você continuar assim!

Arky engoliu em seco. As palavras de Carlos o atingiram como um soco no estômago. Ele ainda sentia culpa, mas sabia que o pai estava certo. Se continuasse preso àquele medo, eles não sairiam vivos dali.

— O que eu faço, papai...? — perguntou ele, com a voz baixa e trêmula.

Carlos suspirou, apertando o punho ao redor da espada.

— Nada. Nós já perdemos. Eu falhei. Não consegui proteger ninguém. Todas as casas foram tomadas. A família da Carol... eles também foram assassinados.

Arky sentiu o chão sumir sob seus pés.

— Não... — murmurou ele, com lágrimas nos olhos. — Não pode ser...

Carlos continuou, a voz mais sombria.

— A cidade está perdida. Não há como recuperá-la. Mas eu não posso fugir.

— Não, papai! Não faça isso! — Arky sabia o que o pai estava pensando. Sabia que ele estava prestes a se sacrificar. — Por favor, não!

— Carlos o olhou nos olhos e falou com uma frieza que Arky nunca tinha visto antes.

— Eu fiz uma promessa à sua mãe. O orgulho vem primeiro... depois a família.

Arky explodiu.

— E foi por isso que ela morreu! — gritou, com uma raiva carregada de dor.

O silêncio caiu como um peso sobre eles. As únicas coisas que restavam eram as chamas distantes... e o som do choro contido de Arky.

— Filho... sua mãe não está morta. — disse Carlos, com uma tristeza sombria na voz.

Arky ficou paralisado.

— Não...?

Carlos desviou o olhar, incapaz de encará-lo diretamente.

— Eu não posso te contar mais. Mas eu confio em você, Arky. Você vai descobrir a verdade sozinho... Cuide dos seus amigos. Leve-os até o reino e entregue essa carta.

Ele tirou uma carta do bolso e a colocou nas mãos do filho.

Arky sentiu o peso do papel e começou a chorar.

— Não... Entrega você mesmo, porra! — gritou, com a voz embargada.

Carlos se levantou lentamente, o rosto rígido. De repente, começou a rir. Um riso alto, cruel, que ecoou no silêncio da vila em ruínas.

Antes que Arky pudesse reagir, Carlos o acertou com um tapa forte e rápido. O impacto foi brutal, e Arky cambaleou para trás, atordoado, com sangue escorrendo do nariz.

— Ha ha ha ha! Pra quê? — Carlos o encarou com um olhar frio e debochado. — Eu não me importo com você... nem com esses moleques. Só cuidei de você porque sua mãe me pediu. Aquela mulher gostosa implorou pra eu te manter vivo até seus 16 anos. Mas sabe de uma coisa? Tanto faz. Eu não vou abandonar meu dever por uma criança inútil como você.

Arky ficou imóvel, em choque. As palavras do pai eram como facadas no peito.

Carlos continuou, jogando as crianças dentro de um carrinho improvisado com comida e água.

— Esse é o mínimo e o máximo que eu vou fazer por você. Leve seus amigos e suma da minha vida. Se tem algum rancor... culpe sua mãe. Foi ela que me mandou cuidar de um verme como você.

Arky engoliu em seco, os olhos marejados.

— Papai...?

Ele queria entender. Queria acreditar que aquilo era mentira. Mas a expressão fria de Carlos não deixava espaço para dúvidas.

Carlos sentiu uma dor aguda no braço e deu um passo para trás. Arky tentou se aproximar para ver o que estava acontecendo, mas Carlos gritou, afastando-o com um olhar furioso.

— Vaza daqui, seu lixo! Eu deveria ter te jogado no lago no dia em que você nasceu!

Arky estava apavorado, destruído por dentro, mas sabia que não podia ficar ali. Sem dizer mais nada, ele segurou o carrinho e começou a empurrá-lo, levando seus amigos para longe.

Quando já estava distante, ele olhou para trás uma última vez... e viu o pai parado ali, imóvel.

Carlos ainda mantinha o semblante cruel. Mas assim que Arky desapareceu entre as árvores, ele fechou os olhos e soltou um suspiro tremido.

Um sorriso gentil surgiu em seu rosto, mas lágrimas começaram a escorrer silenciosamente.

— Me desculpa, filho... Seu pai é fraco demais... — murmurou, enquanto apertava o braço ferido.

A dor estava piorando. Seu braço estava coberto por veias negras que se espalhavam rapidamente. Uma maldição. Um xamã goblin o havia atingido durante a luta. E agora ele sabia que não tinha mais do que dez minutos de vida.

— Eu não queria que você me visse morrer... Me desculpa, Arky...

Carlos caiu de joelhos, cuspindo sangue. A maldição estava chegando ao coração. Ele tremia, mas, mesmo assim, não fugiu. Não havia mais para onde ir.

— Parece que chegou a hora... — murmurou, encarando o céu escuro. Ele cerrou os punhos. — Pelo menos... vou garantir que vocês morram comigo.

Seus olhos ficaram brancos, e pequenas faíscas de energia branca começaram a sair de seu corpo, crepitando no ar.

De repente, ele levantou a cabeça e encarou os goblins que se aproximavam. Todos eles avançaram ao mesmo tempo, atraídos pela energia que Carlos emanava.

Ele sorriu, com lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.

— Eu te amo, meu filho... Me perdoa...

Com um último grito, Carlos se lançou contra a horda de goblins, lutando até seu último suspiro.

Na floresta

Arky corria desesperado, empurrando o carrinho com todas as forças. O pequeno curativo provisório que Carlos fez em Carol havia parado o sangramento, mas Arky sabia que aquilo não seria suficiente. Ela precisava de tratamento urgente.

Ele tentava focar em continuar, mas sua mente estava tomada por uma única emoção: ódio.

— Aquele homem... por quê?! — gritou, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto. Seu peito estava apertado, e ele sentia como se fosse explodir.

Arky tropeçou em uma raiz e caiu com força no chão, o carrinho balançou, mas não tombou. Ele ficou ali, sem conseguir se levantar, tremendo.

De repente, seus olhos ficaram brancos. Pequenas faíscas brancas começaram a sair de seu corpo, ziguezagueando pelo ar ao redor.

— Arky...? — perguntou Sawo, confuso e assustado.

Arky piscou e voltou ao normal. As faíscas sumiram.

— Sawo...? — murmurou ele, ainda atordoado.

Sawo se aproximou, mais calmo do que antes. Já tinham se passado algumas horas desde que haviam deixado Carlos.

— Você tá bem?

Arky assentiu, embora seu corpo estivesse dolorido.

— Sim... Mas eu não sou importante agora. Temos que ajudar a Carol.

Sawo abaixou a cabeça, carregando culpa no olhar.

— Foi minha culpa... Eles te atacaram também?

Arky levou a mão ao rosto, sentindo o sangue seco escorrendo do nariz, resultado do tapa do pai.

— Não se preocupe comigo. A gente precisa focar em Carol.

Sawo virou o rosto para olhar Carol no carrinho... e congelou. Seu olhar ficou fixo no lugar onde o braço dela deveria estar.

O choque atravessou seu corpo como uma corrente fria.

— Fui eu...? — murmurou, paralisado. A cena horrível do goblin arrancando o braço de Carol se repetia na sua cabeça, como um pesadelo que ele não conseguia apagar.

O pânico começou a dominá-lo, mas Arky percebeu e não deixou que ele afundasse.

— Não! Para de se culpar! Isso não vai ajudar ninguém! — gritou, a voz carregada de raiva. Mas, no fundo, ele sabia que estava apenas descontando o próprio ódio em Sawo.

Sawo deu um passo para trás, assustado.

— M-me desculpa... — sussurrou, com os olhos marejados.

Arky fechou os olhos por um momento e respirou fundo.

— Droga... Eu não queria... — murmurou, se arrependendo do tom que usou.

Antes que pudessem dizer mais alguma coisa, Carol começou a se mexer. Ela gemeu de dor, e o sangue começou a escorrer novamente do que restava de seu braço.

— Carol! — gritaram os dois ao mesmo tempo, em pânico.

O ambiente ao redor estava mortalmente silencioso. A floresta escura e vazia parecia observá-los, como se o próprio ar estivesse preso em expectativa.

Carol se contorcia de dor, seu rosto pálido e suado. Mas Arky e Sawo não sabiam o que fazer.

Estavam sozinhos.

Desesperados. Naquele momento, o peso do mundo parecia estar sobre seus ombros.

Continua…