Capítulo 10 — Olhos Abertos
Sawo sempre foi um menino bondoso, gentil e determinado. Sua única motivação era simples e pura: ver o sorriso de seus amigos.
Mas, para protegê-los, ele arriscou tudo. E, após um ataque direto ao coração, caiu em um profundo coma que durou dois meses inteiros.
Agora, Sawo desperta. O lugar onde está parece estranho, mas ao mesmo tempo dolorosamente familiar. Seu corpo está completamente curado. A cicatriz em seu braço desapareceu, e ele veste as mesmas roupas que usava na vila Koro.
— Esta é... minha casa? — Ele se levanta, hesitante. E percebe que, sim, está realmente em casa.
A mãe de Sawo está ocupada trabalhando. Antes de sair, deixou tudo pronto para ele, como sempre fazia. As tarefas dele continuam simples: arrumar a casa e, depois, aproveitar o dia. Durante onze anos, essa foi sua rotina, até que, um dia, ele conheceu Carol.
— Oi, você está bem? — perguntou Sawo, ao ver a menina machucada.
— Não se preocupe, estou bem... — respondeu Carol, embora estivesse claramente mentindo.
— Me deixa te ajudar, por favor... — Sawo estendeu a mão, gentil. Carol, hesitante, segurou-a.
— Obrigada...
A partir daquele dia, nasceu uma amizade. Eles riam, brincavam e se divertiam juntos — até que algo mudou.
— Carol! O que está fazendo com esses plebeus ridículos? — A voz severa veio da mãe de Carol, que a seguira e a viu com Sawo.
A mulher avançou e deu um tapa forte no menino, que caiu no chão, atônito. Sem entender, ele olhou para ela e perguntou:
— O que eu fiz de errado...?
— Cale-se! Um plebeu imundo como você não tem direito de falar comigo! — esbravejou a mulher, chutando-o enquanto ele ainda estava no chão.
— Mamãe, para com isso! Ele é meu amigo! — gritou Carol, furiosa.
— Amigo de um rato desses? Está louca? — A mãe de Carol não parou por aí: deu um tapa na própria filha.
Depois daquele dia, a amizade deles ficou distante. Mas então Arky entrou na vida de Sawo.
Arky era tímido e sempre brincava sozinho, até que Sawo se aproximou com seu habitual sorriso gentil.
— Olá... posso brincar com você?
Arky acenou timidamente com a cabeça.
— Qual é o seu nome? — perguntou Sawo.
— Arky... — respondeu o menino com uma voz quase infantil, mais nova do que parecia agora.
Eles se tornaram amigos rapidamente, e, um dia, Carol voltou à vila. Dessa vez, acompanhada por seu tio, Lucios Silvere.
— Senhor Carlos, está por aí? — perguntou Lucios com um sorriso frio e divertido.
— Sim, lorde Lucios, a que devo a honra? — respondeu Carlos, o servo do rei e herói do Sul.
Enquanto isso, Carol subiu até o andar de cima, onde Arky e Sawo brincavam. Quando os viu juntos, ficou surpresa e feliz.
— Sawo?
— Senhorita Carol? — Sawo correu para abraçá-la. Fazia tanto tempo que não se viam.
— Vocês já se conhecem? — perguntou Arky, confuso.
— Sim, nós nos conhecemos na vila!
Antes que Carol pudesse continuar, Lucios apareceu e lançou um olhar frio para Sawo.
— Quem é esse menino? — perguntou Lucios com desprezo, sua voz gélida como uma lâmina.
— Eu... — Sawo tentou responder, mas ficou mudo de medo.
— Ele é meu convidado, senhor Lucios, e apenas uma criança. Não exale sua aura intimidadora perto dele, isso pode matá-lo. — Carlos interveio com um tom sério.
Mas Lucios ignorou o aviso e continuou esmagando Sawo com sua pressão opressora.
— Me... me desculpe, senhor Carlos... Eu já vou embora... — Sawo saiu correndo, os olhos marejados de lágrimas.
Aquele momento ficou gravado na memória de Carol e Arky. Mesmo crianças, eles já tinham uma educação refinada e sabiam o que era certo e errado. Sawo, no entanto, sequer sabia contar até dez.
Dias se passaram, e Carol e Arky começaram a sair escondidos para brincar com Sawo. Mesmo com tantas desavenças, a amizade deles resistia.
— Bom dia, Carol! Bom dia, Arky! — dizia Sawo com seu sorriso habitual.
Mesmo com o ódio e o desprezo dos nobres, ele nunca permitiu que a raiva o dominasse. Não guardava rancor.
Mas nem sempre era fácil. Certa vez, Sawo tentou brincar na propriedade da família Silvere e foi espancado por Lucios. Carlos e a mãe de Sawo precisaram intervir, e os nobres pagaram uma indenização para manter as aparências.
— O que eu fiz de tão errado...? — sussurrou Sawo naquela noite. Depois daquele dia, nunca mais se aproximou daquela casa.
Ainda assim, Carlos conseguiu convencer os Silvere a deixar Carol brincar com Sawo na casa de Arky. Ele fingia que estava tudo bem, mas por dentro, aquilo doía profundamente.
Agora, enquanto estava em coma, Sawo revivia essas memórias. Elas não paravam. Dia após dia, repetiam-se como um ciclo interminável.
— Não... não... não! — gritou Sawo em meio ao pesadelo, revivendo o momento em que, sem querer, carbonizou o braço de Carol com a Destroyer.
Ele se lembrava de sua mãe morta. Do braço de Carol sendo mordido enquanto ela o protegia. Memórias dolorosas que não o deixavam em paz.
E, no fundo da escuridão, ele começou a sentir algo que nunca quis sentir: ódio.
— Você percebeu, não foi? — A voz sombria ecoou em seu subconsciente.
— Quem está aí?! — Sawo chorava, apavorado. As lágrimas escorriam enquanto as memórias continuavam a se distorcer.
De repente, ele viu uma nova cena: seus amigos mortos e dilacerados diante dele. E o ódio dentro de Sawo crescia cada vez mais.
— Você sabe quem eu sou... Não finja mais. Está na hora de acordar, Sawo… — A voz ecoava sombria, seguida por uma gargalhada que parecia perfurar sua mente.
Sawo se contorcia na cama do hospital, suas mãos apertando o colchão enquanto tudo ao redor começava a flutuar. Uma sensação densa de ódio pesou sobre o quarto como uma maré sufocante.
Ele abriu os olhos.
A cama onde estava agora parecia parte de um cenário apodrecido. O quarto estava escuro, sujo e infestado de insetos que rastejavam pelas paredes rachadas.
— O que é isso...? Onde eu estou? — murmurou, confuso.
Ao baixar o olhar, notou a cicatriz profunda em seu peito, se espantando com o tamanho da marca. Suas roupas estavam em frangalhos, e o brilho inocente em seus olhos havia desaparecido, como se algo tivesse sido arrancado dele.
O sorriso que ele sempre carregava dificilmente voltaria.
— Isso aqui é... tão podre... — Sawo se levantou com dificuldade. O cheiro pútrido impregnava sua pele, e ele sentia-se fraco e sujo. Ao tocar seu rosto, percebeu um pano molhado preso à pele.
Aquele pano estava embebido em veneno. Ele deveria ter morrido. Mas, de alguma forma, havia acordado do que parecia ser um pesadelo eterno. Ou talvez o verdadeiro pesadelo estivesse apenas começando.
Sawo cambaleou até a porta do quarto e a abriu. No corredor iluminado, uma figura inesperada o aguardava.
Uma jovem.
Ela era deslumbrante, com olhos azuis que pareciam refletir o céu e cabelos longos e prateados que escorriam como seda por suas costas. Ela exalava uma aura poderosa, mas sua presença era incrivelmente gentil e serena.
Sawo piscou, atônito.
— Me... desculpa — disse ele sem pensar, surpreendendo até a si mesmo.
A jovem ergueu as sobrancelhas, surpresa.
— Espere… Você é… Sawo? — perguntou, com os olhos brilhando de curiosidade.
Sawo desviou o olhar, seu coração apertando no peito. O nome dela o trouxe de volta à realidade como um soco.
— Eu... já pedi desculpas... — murmurou. Ele estava acostumado a ser julgado. Em seus sonhos, em todos os finais, ele sempre era o vilão, o errado, o culpado.
A jovem piscou, confusa.
— Desculpas? Não há motivo para isso. Você não fez nada errado. Você é amigo de Arky e Carol, não é? — perguntou ela, com um sorriso caloroso.
Ao ouvir esses nomes, Sawo sentiu um calafrio. Imagens horrendas invadiram sua mente: os corpos dilacerados de seus amigos... O sangue... Os gritos...
— Sim... sou eu… — respondeu com a voz quebrada, tentando afastar as lembranças.
A jovem continuava sorrindo.
— Meu nome é Bia Noutra, sou a princesa deste reino.
A palavra “princesa” caiu sobre Sawo como um peso. Ele rapidamente tentou se curvar, mas seus movimentos eram hesitantes, e ele parecia perdido.
— Me desculpa, princesa. Eu não sou muito inteligente… Não sei como deveria saudar você...
— Não precisa se preocupar com isso — disse ela, ainda sorrindo. — Eu estava curiosa para conhecê-lo. Esperei semanas pelo seu despertar.
— Meu… despertar? — Sawo franziu a testa. Ele mal se lembrava do que havia acontecido. As memórias eram fragmentadas e confusas, como se estivessem presas em um nevoeiro.
— Você passou muito tempo em coma — explicou Bia, observando-o com cuidado. — Agora que acordou, quero ajudá-lo.
Antes que ela pudesse continuar, um homem gordo e ricamente vestido passou pelo corredor. Ao ver Sawo, ele torceu o nariz com nojo.
— O que é isso, princesa? Esse lixo está incomodando você? — Sem aviso, o homem desferiu um soco em Sawo, que cambaleou para trás. — Você está bem, senhorita?
O ar pareceu congelar.
A expressão gentil de Bia desapareceu, substituída por uma fúria avassaladora. Sua aura explodiu como uma onda de choque, pressionando todos ao redor.
Até mesmo os guardas no castelo sentiram a fúria da princesa.
— Peça desculpas. Agora. — A voz dela era baixa, mas carregada de autoridade.
O homem arregalou os olhos, tremendo de medo.
— M-me desculpa, princesa…
— Não para mim. Para ele. — Bia lançou um olhar gélido.
O homem hesitou, indignado.
— Pedir desculpas para esse plebeu? Por quê?
Sawo não disse nada. Ele simplesmente se levantou e começou a caminhar pelo corredor, ignorando todos à sua volta.
Bia seguiu atrás dele.
— Sawo, espere... — Ela segurou sua mão, mas ele a soltou delicadamente.
— Por favor... Me deixa em paz… — murmurou, sem olhar para trás.
Enquanto caminhava, seu olhar era vazio, e sua mente estava em frangalhos. Ele havia passado por infinitos horrores em seus sonhos, e a única forma que encontrou para sobreviver foi ignorar tudo ao seu redor.
No fundo de um beco, ele se sentou, escondido da vista dos nobres.
— Por que isso está acontecendo? — sussurrou para si mesmo. — O que eu fiz de tão errado...?
As lágrimas começaram a escorrer silenciosamente por seu rosto. Uma aura assustadora cercou toda a cidade. Era pesada e cruel; brilhando intensamente como a lua, só que em uma cor avermelhada.
— Meu pai me abandonou… Minha mãe morreu na minha frente… E agora meus amigos… — Ele apertou o peito, sentindo a dor crescer. — Eu sou tão fraco...
De repente, uma sombra entrou no beco.
— Jovem Sawo?
Ele ergueu o olhar e viu a princesa Bia se aproximando, com uma expressão preocupada.
— Você… me seguiu? — perguntou ele, rapidamente limpando as lágrimas.
Bia observou seu rosto marcado pela tristeza e começou a curá-lo com magia.
— Ah? — Sawo piscou, confuso, mas não disse nada.
— Você está bem? — perguntou ela suavemente.
Sawo forçou um sorriso.
— Estou, sim… Obrigado.
Mas Bia sabia que ele não estava. As cicatrizes em seu corpo eram profundas, mas as cicatrizes em sua alma pareciam ainda maiores.
— Vamos. Vou levá-lo até seus amigos.
Ao ouvir isso, o coração de Sawo acelerou.
— Eles estão... vivos? — perguntou, com lágrimas nos olhos.
Bia sorriu.
— Sim. Estão esperando por você. — A princesa levou o menino para tomar banho. Com dois meses em coma, ele estava fedendo.
Os "médicos" apenas jogaram ele no quarto durante dois meses sem nenhum cuidado. Quando os amigos de Sawo vinham o visitar, os médicos o mudavam de quarto.
— Tome um banho. Quer ver seus amigos, nesse estado? — Ordenou gentilmente.
— Muito obrigado, senhorita Bia... — Sawo entrou na câmara de banhos.
— Gilber e Prasquiu... — murmurou a princesa. De repente, dois guardas reais surgiram ao seu lado em um piscar de olhos.
— Chamou, Vossa Alteza? — perguntaram ambos, curvando-se profundamente.
— Quero que vocês me acompanhem. Sawo despertou. — A voz da princesa ficou fria e séria, o olhar exalando autoridade e tensão.
Prasquiu e Gilber trocaram olhares incrédulos. A notícia os pegara de surpresa.
— Ele... acordou? — Prasquiu parecia chocado.
— Aquela aura de agora... era dele? — Gilber perguntou, ainda digerindo o que sentira.
— Preste atenção, Gilber. A primeira aura foi minha... mas a segunda... — Prasquiu abriu um sorriso sombrio. — Não há dúvida.
— Sim. Aquela pressão demoníaca vinha de Sawo. — O olhar da princesa endureceu.
— Está insegura, Alteza? — perguntou Gilber, mas antes que pudesse dizer mais, Prasquiu o interrompeu:
— Relaxa. A gente sabe que ele não machucaria você.
A princesa respirou fundo e respondeu com firmeza:
— Não estou preocupada comigo. Estou preocupada com vocês. E, por falar nisso... Prasquiu, você vai se desculpar com Sawo. E não só isso: você o obedecerá durante o dia inteiro. Entendido?
Prasquiu arregalou os olhos, visivelmente insatisfeito.
— Isso é sério? — murmurou, com a expressão abatida.
— Mais do que sério. — A aura dela voltou a pressionar o ambiente, causando arrepios.
— Quanto a você, Gilber, quero que faça a patrulha externa e garanta a segurança do reino enquanto rondamos a área.
Gilber manteve o sorriso de sempre, mas seus olhos estavam atentos.
— Posso saber o motivo?
— Quando espalhei minha aura, senti sete presenças suspeitas. Isso é impossível. Os únicos capazes de emanar ou perceber aura deveriam ser Sawo, Lucios Silvere, e os três guardas reais. — O tom dela era grave.
— Então... existem outras duas pessoas capazes de sentir aura dentro do reino? — Gilber perguntou, intrigado.
— É uma suposição, mas pode significar inimigos infiltrados. Quero que fique em alerta máximo. — Ela voltou a caminhar com passos firmes.
Prasquiu ainda parecia desanimado.
— E eu, princesa? O que devo fazer agora? — perguntou, com ar resignado.
Ela o encarou friamente.
— Vá procurar roupas dignas para Sawo. E, se vier com qualquer gracinha, garanto que você ficará sem almoço... por um ano.
Prasquiu soltou um suspiro derrotado.
— Aff... tá bom, tá bom... — E saiu, contrariado, em busca das roupas.
Câmara de Banho
Sawo estava relaxando em uma banheira de ferro. A água quente o envolvia, aliviando seus músculos tensos. As paredes da câmara eram brancas com delicados detalhes dourados, luxuosas como todo o castelo.
— Então... é assim que eles vivem? — murmurou, com um sorriso tranquilo.
Levantando-se lentamente, Sawo pegou uma toalha e caminhou até o espelho. O que viu o fez parar. Seu reflexo era um retrato de batalhas passadas: cicatrizes espalhadas pelo corpo, um buraco já cicatrizado no peito e o braço cortado que, agora, brilhava em um tom azul etéreo.
Ele encarou o próprio rosto com seriedade. O silêncio da câmara parecia pesado.
— Você tá aí? — perguntou em voz baixa, o semblante endurecido.
— Estou... — respondeu uma voz estranha, ecoando em sua mente.
Sawo estreitou os olhos.
— Quem é você? E por que eu tô vivo?
A voz gargalhou. Um som rouco e sinistro que ecoou em sua cabeça.
— Não sentiu falta de nada? — provocou a voz.
— Não... absolutamente nada.
De repente, Sawo congelou. Seus olhos se arregalaram ao perceber algo. A Destroyer. A espada não estava ali.
— Você... é a própria Destroyer? — perguntou, ainda incrédulo.
— Exato, criança. Sem mim, você já estaria morto.
Sawo suspirou e pegou uma toalha de lã para se cobrir. O tecido era macio e aconchegante.
— Caramba, isso é muito confortável. Bem melhor do que aqueles panos de linho... — comentou, quase esquecendo a existência da voz.
— Você está me ignorando? — perguntou a Destroyer, irritada.
— Cala a boca. — A voz de Sawo reverberou pela câmara, e sua expressão sombria fez a Destroyer silenciar.
— Você mudou bastante... isso é bom. — A voz parecia divertidamente satisfeita.
— Não sei quais são os seus objetivos, mas quero que só fale comigo quando necessário. — Sawo manteve o tom sério.
Ele franziu o cenho ao tocar as cicatrizes. Não se lembrava de como as havia adquirido. Sua memória estava fragmentada, como se o coma tivesse embaralhado suas lembranças.
— Jovem Sawo? — A voz gentil da princesa veio acompanhada de uma batida leve na porta.
— Sim, princesa? Já acabei. — Sawo ajustou a toalha na cintura e abriu a porta.
Ao vê-lo, a princesa Bia ficou visivelmente surpresa. O garoto é mais forte do que ela imaginava. Seu abdômen definido e os braços musculosos contrastavam com as cicatrizes que marcavam seu corpo.
A surpresa inicial deu lugar a uma tristeza silenciosa.
— Sawo... tudo isso foi causado na luta contra Prasquiu?
Ele franziu o cenho.
— Quem é Prasquiu?
Prasquiu, que estava ao lado da princesa, ficou indignado.
— Como ousa? — exclamou. — Como pode esquecer de alguém tão lindo quanto eu?
Sawo sorriu de leve.
— Desculpa... eu não lembro quem você é.
Prasquiu e a princesa se entreolharam, confusos.
— Esquece isso. Você está bem? — perguntou a princesa, preocupada com os ferimentos dele.
— Sim. Muito obrigado, princesa. Eu agradeço por me deixar usar sua câmara de banho. — Sawo sorriu educadamente.
— Não precisa ser tão formal, jovem Sawo. — A princesa retribuiu o sorriso.
— Discordo, Alteza. Esse plebeu deveria ser educado. — Prasquiu cruzou os braços, a irritação evidente em seu tom.
— Prasquiu! — A princesa franziu o cenho.
Sawo levantou a mão, tranquilizando-a.
— Está tudo bem, princesa. Eu entendo o ponto de vista dele. Afinal, não sou daqui. Estou na sua casa, então devo tentar ser educado. — Sua tentativa de parecer formal soava um pouco desajeitada.
Prasquiu arqueou uma sobrancelha, surpreso, mas logo fechou a cara. Com um suspiro, jogou as roupas na direção de Sawo.
— Se vista. É falta de respeito falar com a princesa usando só uma toalha. E cubra essas cicatrizes do braço. Alguns nobres podem reclamar.
A princesa deu um leve sorriso, entendendo o jeito indireto de Prasquiu demonstrar preocupação.
— Qual o seu nome, senhor? — perguntou Sawo, curioso.
— Me chamo Prasquiu, guarda real e o soldado mais forte do reino. — Prasquiu mentiu descaradamente, tentando impressionar.
Sawo apenas assentiu. De repente, o ar pareceu mudar. Seus olhos perderam o brilho por um instante, assumindo um vazio assustador.
— Princesa... por que há um homem usando invisibilidade aqui perto?
Os três ficaram surpresos.
— Você percebeu? — perguntou a princesa, intrigada.
— Esse feitiço é fraco. Ele só impede que a pessoa seja vista, mas não esconde sua presença. Sugiro que o mago de quinta categoria tente algo mais eficiente. — Sawo manteve o tom calmo, mas a irritação era visível.
Do outro lado da sala, Gilber suspirou e desfez o feitiço, surgindo com um sorriso habitual.
— Me desculpe, jovem Sawo. Não estava tentando me esconder de você. Sou Gilber, guarda real da princesa. Estou aqui para proteger sua segurança. — Apesar do tom cortês, havia uma ponta de irritação em sua voz.
Prasquiu e a princesa ainda estavam chocados.
— É impossível sentir a presença de Gilber... — pensou a princesa, espantada. — A não ser pela aura dele. Mas ele foi treinado por assassinos furtivos, o que significa que sua presença deveria estar completamente oculta.
— Você mudou mesmo, Sawo... — disse Prasquiu. — Você se lembra de Gilber?
Sawo balançou a cabeça.
— Não. Mas ele parece forte.
— E do Percy? Lembra dele? — perguntou Prasquiu.
— Sim, ele me ajudou. Onde ele está?
— Não tenho essa informação.
— Tudo bem. Com licença, vou me vestir.
— Estaremos esperando lá embaixo.
Sawo parou e, com uma expressão meio envergonhada, olhou para a princesa.
— Princesa... não sei chegar lá sozinho.
Ela riu levemente.
— Tudo bem, eu espero você.
O rosto de Sawo iluminou-se com um sorriso feliz.
— Muito obrigado, princesa!
Assim que ele entrou para se vestir, a voz da Destroyer não voltou mais.
— Isso é estranho... Será que esse é o mesmo Sawo que Carol me descreveu? — murmurou a princesa, com um olhar curioso.
— Provavelmente algo aconteceu com ele enquanto estava em coma — comentou Prasquiu, sorrindo de forma maliciosa.
— Você viu o tamanho da cicatriz no peito dele? — perguntou a princesa, com raiva contida.
— Desculpa, mas um lixo precisa aprender o seu lugar — disse Prasquiu, sem a menor hesitação.
— Você não tem coração?
— Ele é que não tem mais — respondeu Prasquiu, rindo.
— E a culpa é sua, seu idiota! Peça desculpas. Isso é uma ordem.
— Aff... Tudo bem...
A princesa virou-se para Gilber, que observava em silêncio.
— Gilber, esconda sua presença. Não quero que meus guardas reais sejam humilhados por uma criança de onze anos.
Gilber, claramente incomodado, se sentou em silêncio, sentindo-se humilhado.
— Como desejar, princesa. Vou garantir que minha existência desapareça... — disse ele, embora por dentro estivesse furioso.
Logo em seguida, a porta se abriu, e Sawo entrou na sala com um sorriso gentil.
— Desculpe a demora, princesa.
Sawo usava roupas simples e elegantes, típicas de um servo. Não havia nada de extravagante, mas ainda assim ele estava bem-apresentado.
— Sem problemas... — respondeu a princesa, lançando um olhar irritado para Prasquiu.
A túnica que Prasquiu dera a Sawo era um cotte preto, algo comum para um servo, o que chamou a atenção da princesa.
— Prasquiu, eu vou te bater! — exclamou ela, furiosa.
Sawo olhou para sua roupa com curiosidade e depois sorriu ingenuamente.
— Essa roupa é muito legal! Cobre o corpo todo! — disse ele, radiante.
A princesa suspirou, mas não pôde deixar de notar o quanto a roupa caía bem em Sawo. As mangas longas escondiam seus braços e as cicatrizes que ele carregava.
— Muito obrigado pela gentileza, senhor Prasquiu — agradeceu Sawo, ainda sorrindo.
A princesa sentiu uma pontada de culpa e estendeu a mão para ele.
— Vamos?
— Claro, você primeiro, princesa — brincou Sawo.
Bia soltou uma risada espontânea.
— Agora você tem quatro guardas reais! — disse Sawo, divertido.
Prasquiu e Gilber trocaram olhares furiosos.
— Eu tentei menosprezá-lo, e ele ainda me agradece? Além de ficar bonito na túnica? — pensou Prasquiu, com os nervos à flor da pele.
A princesa e Sawo começaram a descer para a área da classe alta. Dessa vez, Sawo recebeu menos olhares julgadores; agora o viam apenas como um servo real.
— Uau, uma roupa bonita faz toda essa diferença? — comentou Sawo, maravilhado.
— Pequeno Sawo, você parece um padre... Um padre bem jovem! — brincou a princesa, rindo.
— Vamos rezar? — respondeu Sawo, fazendo uma expressão engraçada.
A princesa se divertia com o passeio, mas Prasquiu, ainda irritado, interrompeu.
— Princesa, acredito que o jovem Sawo gostaria de encontrar logo seus amigos — disse ele, disfarçando o ciúme.
A princesa puxou Sawo para perto e bagunçou seu cabelo com carinho.
— Eu sei disso, mas quero aproveitar esse tempo para... — ela começou sorrindo, mas seu olhar logo se tornou severo — me desculpar com ele. — A última frase foi uma clara indireta para Prasquiu.
Sawo não percebeu o clima tenso, pois estava ocupado tentando respirar.
— Princesa... Tá difícil respirar... — murmurou ele.
Ela o soltou e o virou para Prasquiu.
— Jovem Sawo, Prasquiu tem algo muito importante para te dizer — disse ela, com um sorriso afiado, enquanto empurrava Sawo até ele.
O ar pareceu ficar mais pesado.
— O que foi, senhor Prasquiu? — perguntou Sawo, com um olhar curioso que parecia penetrar o orgulho do outro.
Prasquiu hesitou por alguns segundos, antes de finalmente falar:
— Tudo bem... Me desculpe.
A princesa ergueu uma sobrancelha.
— Desculpe pelo quê?
Ela manteve o sorriso, mas sua aura estava cada vez mais opressiva.
— Jovem Sawo, tenho certeza de que Prasquiu vai explicar direitinho o motivo de estar pedindo desculpas — disse ela, com uma doçura assustadora.
Prasquiu estava furioso por dentro, mas sabia que não tinha escolha. Finalmente, com um suspiro, ele encarou Sawo.
— Garoto... Pode ser que você não lembre, mas eu te matei há dois meses.
O silêncio caiu sobre o grupo. Prasquiu continuou, sério:
— Talvez você não me perdoe, mas eu não me importo. Eu te matei, te coloquei em coma e te deixei naquela situação horrível.
As palavras dele fizeram algo despertar em Sawo. Aos poucos, as memórias começaram a retornar, e seu olhar mudou.
Prasquiu sentiu um calafrio, mas não era medo de vingança... Era algo pior.
— Senhor Prasquiu... — disse Sawo, em um tom assustadoramente calmo.
O sorriso gentil permanecia em seu rosto, mas sua aura estava sufocante. Até quem não era sensível à energia sentiu o ar ficar pesado.
— Eu estava certa... Ele não é um simples garoto — pensou a princesa, surpresa.
Prasquiu sentiu a gravidade pesar sobre ele. Antes que pudesse reagir, Sawo falou novamente:
— Não se preocupe... Não me lembro muito bem, mas o fato de você ser tão inútil e insignificante, que sequer conseguiu conseguiu matar uma criança de onze anos não me afeta nem um pouco. Não quero vingança... Você não vale meu tempo.
O sorriso de Sawo era gentil, mas suas palavras perfuravam como lâminas.
Prasquiu cerrou os punhos, suas veias saltando.
— Como é que é, moleque? — perguntou ele, com um sorriso falso.
— Sugiro que procure um médico... Afinal, estou praticamente a um metro de você, e mesmo nessa idade você já está surdo? Isso é preocupante. — Sawo disse calmamente.
A princesa e Gilber não conseguiram segurar o riso.
— Você aceita o pedido de desculpas, Sawo? — perguntou a princesa, ainda rindo.
— Claro! Só o fato de ele ser ridículo o suficiente para falhar em me matar já é punição suficiente! — respondeu Sawo, rindo junto com ela.
Prasquiu permaneceu imóvel, transbordando ódio, mas sabia que não podia reagir. Se matasse Sawo, a princesa o mataria de fome logo depois.
— Moleque, eu vou te matar... — sussurrou ele, com sua aura emanando.
Sawo apenas o encarou. Seus olhos ficaram negros.
Por um instante, Prasquiu viu algo aterrorizante: o ambiente ao seu redor distorceu, e ele enxergou Sawo como um demônio cruel e sanguinário. Ele estremeceu.
Então, tudo voltou ao normal.
— Vamos, princesa. Quero encontrar meus amigos — disse Sawo, sorrindo gentilmente, enquanto segurava a mão dela.
Prasquiu ficou paralisado, sem entender o que havia acabado de acontecer.
A princesa sorriu suavemente.
— Prasquiu, vá procurar Percy, por favor. — Ela pediu com um olhar gentil, mas firme.
— Como desejar, Vossa Alteza... — Prasquiu respondeu em um tom respeitoso, embora sua mente estivesse consumida por uma raiva diferente. Não contra a princesa, mas contra o demônio oculto sob o sorriso inocente de Sawo.
Enquanto a princesa e Sawo continuavam a caminhar, Prasquiu parou e ficou para trás. Um sorriso sinistro curvou seus lábios. Ele tremia de expectativa, sua mente já visualizando o momento em que enfrentaria Sawo novamente.
— Sawo... Que garoto peculiar. Será que foi isso que o salvou da minha adaga? Um pacto demoníaco, e tão jovem... Que vergonha, menino. — Sussurrou para si mesmo antes de desaparecer nas sombras, tão silencioso quanto um espectro.
Enquanto isso, Gilber seguia a princesa e Sawo. O clima entre eles era leve e descontraído, como se a tensão anterior nunca tivesse existido. A risada suave da princesa e o sorriso inocente de Sawo tornavam o passeio quase normal... Pelo menos na superfície.
Continua...