O silêncio depois do grito coletivo foi tão ensurdecedor quanto o próprio lamento.
A fita de Mateo continuava girando, rangendo, como se resistisse a parar de falar.
João segurava o gravador contra o peito. Sentia que estava segurando um coração ainda pulsando.
O acampamento havia mudado. Ninguém ria. Ninguém cochichava. Todos estavam em pé, sujos de sangue e cinza, prontos. Não havia mais inocência naquele lugar. Apenas propósito.
Helena apareceu ao longe, com lama nos braços e os olhos ainda vermelhos.
— Eles voltam, João. Isso foi só o aviso.
— Eu sei. — respondeu, sem titubear. — Mas agora… a gente também tem avisos pra dar.
Naquela manhã, Pietro e Lua trabalharam juntos. A arma biocinética — batizada de A Égide — começava a responder não só a Lua, mas a outros despertos. A sincronia mental era instável, mas real.
— Isso não é só tecnologia. — disse Pietro. — É quase espiritual.
— Não é "quase", Pietro. — rebateu Lua, com a espiral ardendo no braço. — É uma ponte.
Enquanto isso, João ativava o transmissor principal — um rádio antigo, restaurado peça por peça nas últimas semanas. Ele se conectava a uma rede adormecida: o Canal Delta-7, usado por rebeldes há décadas, mas que ninguém ousava usar desde o Massacre de Coimbra.
Ele girou o botão.
Ruído.
Mais ruído.
E então… uma voz.
> — ...fala a célula 23, Vale do Douro. Recebemos o símbolo. Vocês não estão sozinhos.
O rádio chiou de novo.
> — Aqui é a fronteira da Galícia. Precisamos de refúgio. Estamos sendo caçados.
E mais uma:
> — Norte de África. Três comunidades despertas. Estamos prontos pra guerra.
Diga-nos apenas quando.
João encarou Helena. Ela engoliu seco. Pietro deixou a chave de fenda cair da mão. E Lua… Lua sorria. Pela primeira vez, em semanas.
> — Eles vieram, João. Eles ouviram.
Ele se aproximou do microfone e, com a voz firme, declarou:
> — Aqui é o Foco Central. A chama está acesa.
E vamos incendiar o mundo.