A sirene cortou o céu da madrugada como uma navalha.
Era a primeira vez que ela tocava desde que o acampamento foi fundado.
João saiu da tenda correndo, ainda descalço, os olhos buscando por fumaça ou chamas. Mas não eram drones. Não era bombardeio. Era algo pior.
Eles entraram a pé.
Encapuzados, silenciosos, treinados para matar sem deixar rastros. Agentes do núcleo alfa. Usavam luvas pretas e olhos frios. A missão era clara: desestabilizar a nova liderança e recuperar a espiral.
> — Dividam-se. Se encontrarem o portador, tragam-no vivo. Os outros… eliminem.
O primeiro corpo caiu aos pés da tenda médica. Era Estela, uma das curandeiras. Tinha apenas 16 anos. O corte em sua garganta era preciso. Sem dor. Sem chance.
João sentiu o chão sumir sob os pés. Mas não havia tempo pra luto.
> — Helena, leve as crianças pra caverna! Pietro, ative a defesa.
Lua, comigo.
Lua já estava com os olhos em chamas. A espiral em sua mão agora se espalhava por seu braço, como uma raiz viva. Ela não era mais só uma menina iluminada.
Ela era a centelha.
Os invasores chegaram até o galpão. Um deles avançou contra João com uma lâmina curvada — mas antes do golpe se concluir, a arma biocinética se ativou sozinha, saltando da bancada e pairando no ar.
Ela disparou sem que ninguém apertasse gatilho.
O invasor foi lançado contra a parede, o corpo se contorcendo em espasmos, até virar fumaça. Literalmente.
— Ela... está viva. — sussurrou Pietro, ajoelhado no canto, em choque.
> — Ela está em guerra. — respondeu João, erguendo o punho de novo.
Mesmo assim… não foram todos salvos.
Na contagem ao amanhecer, 14 corpos jaziam cobertos por lonas cinzas. Entre eles, o de Mateo — o garoto que carregava o rádio improvisado da resistência.
E no bolso dele, encontraram uma fita cassete.
Escrita à mão: "Se eu morrer, que minha voz continue."
João apertou o play.
E a voz de Mateo ecoou pelos alto-falantes do acampamento:
> — Eles querem o silêncio. Então vamos berrar até que o mundo acorde.
E naquele instante… ninguém chorou em silêncio.
Eles gritaram. Todos.
E o mundo ouviu.