Episódio 1

📘 Episódio 1 – Eu Me Chamo Isadora

Meu nome é Isadora Mendes. Tenho 19 anos, curso Psicologia na Universidade Saint Liora e aprendi a fingir que estou bem muito antes de entender que isso é uma forma de sobrevivência.

Sou a garota que escuta mais do que fala, que observa mais do que reage. Aquela que aprendeu, na marra, que confiar nas pessoas é como entregar um pedaço seu com os olhos fechados. E uma vez, eu confiei. Entreguei tudo.

Ele quebrou.

E hoje… ele voltou.

Acordei com o som da chuva fina batendo na janela do alojamento. Era como se o céu estivesse tentando me avisar: algo está para acontecer. Vesti meu sobretudo cinza, prendi o cabelo num coque frouxo e encarei o espelho. A menina ali parecia forte, mas eu conhecia cada rachadura escondida por trás dos olhos castanhos.

Desci para o pátio com os fones de ouvido ligados e o coração desconectado. Estava tentando não pensar demais. Tentar… é uma palavra que me acompanha há anos. Tentar sorrir, tentar esquecer, tentar seguir em frente.

— “Isa!” — Letícia me chamou, do outro lado da praça central. Minha melhor amiga desde o primeiro semestre.

— “Oi, Lê.” — forcei um sorriso automático.

Ela estava toda animada com o novo semestre, falando sem parar sobre as disciplinas novas e os professores esquisitos. Eu tentava ouvir, mas algo dentro de mim se inquietava. Um arrepio estranho percorreu minha espinha. Uma sensação familiar.

Então eu o vi.

Arthur Delano.

Alto. Postura impecável. Cabelos negros levemente bagunçados. Um sobretudo escuro que só ele conseguia usar com aquele ar de quem pertence a outro mundo. Três anos sem vê-lo. Três anos desde o dia em que ele desapareceu da minha vida sem uma única explicação.

Meu coração errou o ritmo.

Ele estava parado na entrada do bloco principal, como se o tempo não tivesse passado. Como se ele ainda fosse parte da minha história — quando, na verdade, foi o final mais cruel que eu já vivi.

Ele também me viu.

Nossos olhos se encontraram.

E eu congelei.

Tudo ao meu redor sumiu. Os risos dos colegas, os passos apressados no pátio, a voz de Letícia. Só existia ele. E eu. E o que sobrou de nós.

Ele deu um passo em minha direção.

E então outro.

E mais um.

— “Isadora.” — sua voz foi baixa, firme. Como uma memória viva que me alcançava de volta.

Eu queria gritar. Queria perguntar por que. Por que ele foi embora daquele jeito? Por que agora? Mas só consegui dizer:

— “O que você está fazendo aqui?”

Ele hesitou.

— “Me transferi pra cá. Vou estudar aqui.”

A resposta foi tão simples quanto absurda.

Ele ia estudar na mesma universidade que eu?

O mundo girou. Ou talvez tenha sido meu coração.

— “Arthur…” — eu murmurei, sentindo a raiva crescer. — “Você sumiu por três anos. Nem uma mensagem. Nenhuma explicação. E agora aparece como se nada tivesse acontecido?”

— “Eu…” — ele tentou dizer algo, mas parou. Aquele silêncio dele sempre foi perigoso. Tinha peso, tinha história.

— “Você foi covarde.” — minha voz saiu mais firme do que eu esperava. — “E agora quer voltar como se a gente pudesse apertar um botão e fingir que tudo bem?”

— “Eu não vim por você.” — ele disse. Mas seus olhos contavam outra história.

— “Ótimo. Porque eu não sou mais a mesma.” — dei um passo para trás.

Ele me encarou por um longo instante. E então disse, com aquela calma que me desconcertava:

— “Tem muita coisa que você não sabe, Isadora.”

— “E talvez eu não queira saber.” — respondi.

Virei as costas. Andei rápido. Meus passos ecoavam no pátio molhado. Cada batida do meu salto parecia marcar uma guerra interna. Eu não podia deixá-lo ver como ainda doía. Como ele ainda era parte de mim.

Entrei na biblioteca. Me joguei numa mesa isolada. E só então respirei.

“Por que agora?”, pensei. “Por que justo agora que eu estava começando a juntar os pedaços?”

Letícia apareceu logo depois, ofegante.

— “Foi ele, né?” — ela perguntou, sentando ao meu lado.

Assenti em silêncio.

Ela segurou minha mão.

— “Você vai sobreviver a isso. Já sobreviveu antes.”

Mas a verdade é que a ferida nunca cicatrizou. Eu apenas aprendi a conviver com ela.

Minutos depois, saí da biblioteca e dei de cara com ele de novo.

Ele estava ali. Encostado numa pilastra. Me esperando?

— “Por favor, Isa…” — ele começou.

— “Não me chama assim.”

— “Tudo que eu fiz teve um motivo.”

— “Tarde demais pra explicações.” — eu disse. — “Você já quebrou tudo. Inclusive o que eu era.”

Ele se aproximou, devagar.

— “Mesmo assim… ainda há algo nos seus olhos. Algo que diz que você ainda me sente.”

— “O que eu sinto ou deixo de sentir não é mais da sua conta.”

Eu queria acreditar nisso.

Queria mesmo.

Mas quando ele sorriu de lado, aquele sorriso que eu amava em silêncio, tudo em mim gritou: Você ainda o ama.

Mas eu não podia deixar ele saber disso.

E então fui embora.

Sem olhar pra trás.

Mas uma parte minha… ficou.

E assim começa.

Meu nome é Isadora Mendes.

Tenho 19 anos.

E tudo quebrado em mim… ainda o ama.