📘 Episódio 2 – O Silêncio que Ele Deixou
Algumas noites duram mais que o escuro.
Alguns nomes ficam gravados mesmo quando a gente jura ter esquecido.
E alguns silêncios… nunca são apenas silêncio.
Depois de ver Arthur naquela manhã, passei o dia com um gosto amargo na garganta. Sabe quando você sente que algo que estava enterrado foi desenterrado à força? Foi isso. Um buraco no estômago. Uma saudade que eu não queria sentir.
Fiquei no alojamento o resto da tarde. Letícia insistiu pra gente ir tomar café fora, espairecer. Mas eu recusei. Queria ficar com meus pensamentos. Com meu caos.
Deitei na cama e fiquei olhando pro teto.
Três anos…
Três malditos anos.
Ele não foi só meu primeiro amor. Arthur foi meu porto seguro. Meu riso fácil. Meu plano para o futuro. Eu tinha 16 quando tudo aconteceu. Ele 18. Tínhamos aquela coisa de alma gêmea precoce. Acreditávamos em destino, promessas e finais felizes.
Até que ele foi embora.
Sem mensagem.
Sem aviso.
Sem uma palavra sequer.
Foi como perder o chão. Acordar todos os dias sentindo que o mundo tinha ficado um pouco mais frio. A gente não percebe o quanto alguém nos aquece até tudo virar inverno dentro da gente.
Levantei da cama. Fui até minha gaveta mais escondida e puxei uma pequena caixa de madeira. Lá estavam as cartas que eu nunca mandei. As mensagens que escrevi nos dias mais doloridos e nunca tive coragem de apagar.
“Se você voltar, eu vou estar diferente.”
“Você destruiu o melhor de mim.”
“Mas, de alguma forma, ainda sinto saudade.”
Folheei as palavras. Cada uma delas me doía. Era como tocar uma cicatriz ainda sensível.
Ouvi batidas leves na porta. Me assustei.
Letícia?
Não. Ela sempre gritava meu nome antes.
Abri a porta.
Era ele.
Arthur.
— “Oi…” — ele disse, com aquela voz calma demais.
— “Como você descobriu onde eu moro?” — perguntei, desconfiada.
— “Eu perguntei na secretaria. Disseram que você estava no alojamento G, quarto 207.”
— “Não achei que você ainda soubesse procurar respostas. Já que sumir sem explicar parece ser seu talento.”
Ele suspirou. Abaixou os olhos. Aquilo me desarmou um pouco.
— “Você tem cinco minutos.” — eu disse, dando um passo pro lado.
Ele entrou. Olhou o quarto. Parou diante da minha escrivaninha. Tudo ali era simples. Cadernos, livros de Psicologia, um porta-retrato virado pra baixo.
— “Você ainda guarda nossas coisas?” — ele perguntou, notando a caixa sobre a cama.
— “Guardo a dor. Às vezes, a gente não consegue se livrar nem daquilo que quer esquecer.”
Arthur respirou fundo.
— “Eu precisei ir, Isa. Mas nunca quis sumir de você.”
— “Então por que sumiu?”
Ele hesitou. E então falou:
— “Meu pai adoeceu. Gravemente. Minha família me levou pra outra cidade. Longe. Eu não tinha escolha. E depois… depois eu achei que te fazer esperar por algo incerto seria ainda mais cruel.”
— “Você podia ter mandado uma mensagem.”
— “E o que eu diria? ‘Espere por mim’? Não achei justo.”
— “Não era justo decidir por mim, Arthur.” — minha voz tremeu. — “Você me arrancou a chance de lutar. De te consolar. De te odiar com motivos.”
Ele se aproximou. Devagar. Os olhos brilhando com um arrependimento real.
— “Eu pensei em você todos os dias, Isa. Mas sempre achei que já teria me esquecido. Que seguiria em frente. Eu tentei seguir também. Mas… nada preencheu o espaço que você deixou.”
A dor no meu peito virou nó.
— “E agora? Voltou pra quê? Quer consertar? Achar que pode recomeçar de onde parou?”
— “Não. Sei que o tempo não volta. Só queria… a chance de te olhar nos olhos. E pedir perdão.”
Arthur estendeu a mão.
— “Não por ter ido… mas por não ter deixado você ir junto.”
Minhas lágrimas vieram sem permissão. Eu odiava chorar na frente dele. Odiava parecer fraca. Mas doeu. Ainda doía.
Sentei na beira da cama.
— “Você me deixou tão quebrada, Arthur. Eu entrei num buraco tão fundo que achei que nunca mais sairia. E justo quando a luz começou a aparecer, você volta.”
Ele ajoelhou diante de mim. Como alguém que ora. Como alguém que implora.
— “Eu não vim pedir pra voltar. Vim dizer que nunca fui embora de verdade. E… se você me odiar, eu aceito. Mas precisava que soubesse que eu nunca te esqueci.”
O silêncio que veio depois foi diferente do de três anos atrás.
Foi um silêncio cheio de lembranças. De amor guardado. De feridas mal curadas.
Arthur se levantou devagar.
— “Se algum dia você quiser conversar… estou aqui.” — disse, antes de abrir a porta.
Antes que ele saísse, falei:
— “Você ainda gosta de chá de hortelã com mel?”
Ele parou. Sorriu de lado. Aquele mesmo sorriso de antes.
— “É o único chá que gosto.”
Fechei os olhos.
Eu estava tão confusa.
Mas alguma parte minha, bem no fundo, ainda queria ouvir aquele “bom dia” com voz rouca. A parte que ainda sorria quando lembrava dele rindo. A parte que nunca foi embora quando ele foi.
E talvez, só talvez… essa história não tivesse acabado ainda.